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Comportamento

Da paz pantaneira, ao primeiro contato com o terrorismo e a guerra

Lenilde Ramos | 10/04/2016 07:56
Imagem de ataque dos EUA contra Iraque. (Foto: Reuters)
Imagem de ataque dos EUA contra Iraque. (Foto: Reuters)

Quando fui à Europa pela primeira vez, além das belas paisagens, da arquitetura e museus, também me deparei com o terrorismo.

Cheguei à Itália em novembro de 1985 e um mês depois, um grupo de palestinos invadiu o aeroporto de Roma, deixando 16 mortos e 99 feridos. Na estação de Bologna vi uma placa lembrando a explosão de uma bomba em 1980, que matou 85 pessoas e feriu 200.

Apesar desses fatos, a viagem seguia tranquila e, no máximo me perguntavam se eu era egípcia. Eu ficava toda cheia porque diziam que meus cabelos lembravam Cleópatra.

Voltei à Itália em janeiro de 2003 e o ataque às Torres Gêmeas havia espalhado um clima de terror. As pessoas me olhavam receosas. Policiais queriam saber se eu era árabe e, sempre me separavam nas filas dos aeroportos, para uma geral ou uma conversa mais chegada. Os EUA se preparavam para invadir o Iraque no dia 17 de março. Meu retorno ao Brasil estava marcado para o dia 15 e eu torcia para que Bush não antecipassea agenda.

Aliás, eu torcia para que ele não fizesse uma besteira maior do que Bin Laden já havia feito. Até aquele momento, eu não imaginava que havia tantas bases americanas em território italiano. Eram 48, com 20 mil militares.

O que mais me apavorou é que eu estava justamente na cidade de Vicenza, a maior delas na Itália, de onde começaram a sair comboios de tanques e caminhões em direção aos porta-aviões baseados no Porto de Gênova, que transportariam todo aquele armamento para o Golfo Pérsico. E eu estava lá, com pacifistas se deitando na estrada, tentando impedir a passagem da guerra.

Formiguinhas lutando contra um poder que, sob a bandeira de atacar os radicais islâmicos só espalhava mais merda no grande ventilador do mundo. A essa altura, me incomodava ser parecida com Cleópatra. Eu tinha virado uma turista com medo de mim, até que o caldo entornou e eu entrei numa fria.

Depois de dois meses na Itália, pensaram que eu queria ficar por lá e sugeriram que me apresentasse ao Serviço de Imigração. Não entendi, mas fui. Ali, em 2003, eu vi a nova Europa: hordas de africanos e caucasianos em busca de saída, num lugar sem saída. Uma balbúrdia de gente. “Que que eu tô fazendo aqui???”.

Me mandei dali e aceitei o convite de uns amigos para rever a belíssima Pavia. Enquanto esperava o trem na Estação de Milão, vi uma riponga na minha frente, no mesmo tempo que um homem chegou pedindo que eu olhasse sua bagagem para ele comprar passagem.

Nessa hora, a riponga enfiou a mão no meu casaco, pegou minha carteira e sumiu. Fiquei desnorteada! Ali estavam documentos, passaporte e grana. Corri para o posto policial e o guarda falou: “Chegou mais um pato! É o quinto caso de hoje. Não adianta dizer que você é Lenilde se não pode provar. Poderia ser Sadam Husseim...”. E me orientou resolver o problema em Pavia, onde tinha gente que me conhecia.

A sorte é que a passagem estava na minha mão e valia por 4 hs. Em Pavia meus amigos conseguiram por fax a ficha do hotel de Torino com o número do meu passaporte e declararam que eu era eu. A polícia tirou foto de tudo quanto era lado, digitais dos dez dedos e depois de um interrogatório exemplar, me deu um BO.

Os amigos me emprestaram uma grana pra voltar a Milão e fazer a segunda via do passaporte no Consulado. Lá descobri que, além de caro, ia demorar 20 dias e eu embarcava na semana seguinte. Peguei o trem para Turim para buscar minha passagem para o Brasil (pelo menos estava bem guardada).

Era a prova que eu precisava, com nome, sobrenome e data de saída. Voltei a Milão, já decorando as paradas e as casas do caminho. No Consulado, vendo meu sufoco, um funcionário sussurrou: “Pede uma autorização para viajar sem documento. Você está voltando mesmo...”.

Ali, na sala cheia de clandestinos e travestis querendo ficar, só eu queria sair! Atropelei todos que vi pela frente até conseguir um ok e me disseram para voltar em três dias. Com a grana curtíssima, peguei o trem para Turim onde tinha casa e comida (decorando as casinhas do caminho).

Três dias depois, voltei de trem pra Milão (já sabendo de cor as casinhas). A declaração estava pronta, mas pediram foto 5x7. Corri na mesma estação onde havia sido roubada e achei um fotógrafo que insistia que eu desse um sorriso. Não consegui.

Voltei correndo ao Consulado, peguei a autorização, voltei de trem a Turim (já falei das c...), peguei minhas coisas e me mandei para o aeroporto. Desci em São Paulo, lisa e lesa, embarquei para Campo Grande e cheguei ao recesso do lar, a tempo de assistir na televisão a invasão do Iraque.

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