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Comportamento

Do quintal que ele chama de "Caverna", "mendigo de luxo" faz shows em inglês

Adriano Fernandes | 09/12/2015 06:23
O sonho do senhor Ramão é ter uma bateria de verdade. (Foto: Pedro Peralta)
O sonho do senhor Ramão é ter uma bateria de verdade. (Foto: Pedro Peralta)

De uma obra inacabada no cruzamento da Rua Joel Dibo com a Avenida Fábio Zahran, Ramão Ortiz Dafüent, de 65 anos, fez um lar. Ele já conta 20 anos por ali, com um pedaço de papelão como cama e a imaginação que transformou o lugar em uma “caverna de estilo Capadócia”.

Apaixonado pela música e, em especial, pelo rock, ele fez do quintal da “caverna” seu palco, onde até a plateia é imaginária. O público, que por vezes aparece, é de gente curiosa. Basta chegar e conferir os ensaios de Ramão, o “Mendigo de Luxo” do Centro de Campo Grande, como ele mesmo se define.

O apelido, conta ele, é uma brincadeira sobre a própria situação em que vive. Na manhã de ontem, quando o Lado B foi conhecer Ramão, ele havia deixado o violão de lado por um tempo, enquanto cuidava das mudas de cebolinha que pretendia vender. Plantar sempre foi outro hobby do senhorzinho.

A única frustração do senhor Ramão é não saber cantar bem.(Foto: Pedro Peralta)
A única frustração do senhor Ramão é não saber cantar bem.(Foto: Pedro Peralta)

“Se é feito com bom gosto é hobby, sim. Já plantei melancia e até maracujá aqui, mas daí veio esse pessoal ´revolucionário' e destruiu tudo. Até uma palmeira já roubaram ”, diz ele, a respeito das obras da avenida Fábio Zahran, que comprometeram todo o seu plantio.

No violão, ele arrisca uns acordes, mas seu forte mesmo sempre foi a percussão. Há dois anos, graças a bondade de um desconhecido, ele teve o primeiro contato com uma bateria, depois de muita batucada em baldes. “Eu estava tocando com meu baldinho de 20 litros, quando um rapaz parou e veio me ver tocar. No dia 23 de dezembro, ele retornou aqui e me deixou uma bateria”, conta.

Mas a alegria durou pouco e o instrumento foi roubado. A solução foi improvisar como podia, adaptando o que ele encontrou no lixo. As bases dos dois discos são da estrutura de ventiladores. O tambor de percussão ele também achou no lixo, e adaptou com papel plástico.

Uma camiseta velha ajuda a dar o tom das canções. Garota de Ipanema do Tom Jobim, Led Zeppelin e até Sweet Child O'Mine dos Guns N' Roses, são algumas das “palinhas” que ele cantou durante toda a entrevista.

“Essa música que eu acabei de cantar, do Led Zeppelin, fala de uma menina que comprou uma escada pro céu. Ao chegar lá, as janelas e portas estavam abertas, mas então ela acordou. Se deu conta de que era tudo um sonho” descreve. O inglês ele admite, é pura enrolação e sua única frustração é nunca tem aprendido a cantar bem.

A bateria adaptada, ele montou das peças que encontrou no lixo.(Foto: Pedro Peralta)
A bateria adaptada, ele montou das peças que encontrou no lixo.(Foto: Pedro Peralta)

O pouco que sabe sobre os instrumentos, ele também aprendeu sozinho, ainda quando criança. Na infância, Ramão disse já ter morado até em bordel. Quando era jovem chegou a servir ao Exército e trabalhar na construção civil. Perguntei então o que havia acontecido para que ele chegasse a situação em que está hoje. A resposta foi em tom de desabafo.

“Eu não fui boa coisa não, hein. Já aprontei muito, fui traficante, sempre fui briguento e já fui preso várias vezes”, admite. Pelo corpo e nas mãos, mostra as marcas de quem viveu grande parte da vida nas ruas. Ele diz que já apanhou, foi atropelado várias vezes e até sobreviveu a uma explosão,  sabe-se lá aonde.

Atualmente, Ramão faz bicos no Mercado Municipal de Campo Grande. Nas horas vagas, além de tocar, diz fazer artesanatos que tenta vender nas ruas. Quanto à família, os pais já faleceram e o único contato que ainda mantém é com o filho, Leander.

“Nós ficamos sem se falar por uns 10 anos, mas hoje em dia ele vem me visitar sempre que pode. Eu tenho muito orgulho dele e ele também tem o maior orgulho de saber que eu sou músico e ainda roqueiro”, garante, emocionado.

O sobrado que ele assume ter invadido, é morada também de outros colegas de rua. Mas a solidão é quem sempre foi a sua fiel companheira. “Eu cheguei aqui só com meu papelão e vivo aqui todos esse anos, graças ao proprietário da obra que nunca quis me despejar e sempre me ajudou como pode. Moram na minha caverna eu e minha solidão”, resume.

Seu maior sonho é voltar a ter uma bateria de verdade. Por isso, fez questão de posar para uma foto mais bem produzida. “Deixa eu me ajeitar. porque o eu sou um mendigo de luxo. Já reparou que roqueiro sempre gosta de fazer fotos em lugares feios?” brinca sorridente..

Improvisando em sua versão de I Can't Get No Satisfaction dos Rolling Stones, ele se despediu do Lado B.

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