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Comportamento

Eles lutam por respeito, mas criticam os "afeminados" e se dizem gays “machos”

Elverson Cardozo | 13/03/2014 06:36
Graziani ao lado da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade. (Foto: Arquivo Pessoal)
Graziani ao lado da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade. (Foto: Arquivo Pessoal)

Graziani Alves dos Santos é um homem, gay assumido, que sempre, desde que se entende por gente, falou mais fino e teve trejeitos femininos. Descobriu sua orientação sexual cedo, aos 13 anos, mas só conseguiu sair do armário aos 18. Fora dele, livre para assumir a própria personalidade, o cabeleireiro, hoje com 31, percebeu que, não bastasse a cobrança da sociedade, sempre cruel, os próprios homossexuais pediam uma máscara social: a de gay discreto, comportado, “com cara e jeito de homem”.

Mas Graziani nunca foi assim. Ao contrário. Sempre foi muito expansivo, extrovertido e, na melhor colocação da palavra, escandaloso. Mudar, nessa fase da vida, além de desnecessário, seria lutar contra seu próprio eu. Esse jeito mais “alegre” nunca foi problema, mas, para alguns, a postura incomoda.

Para ele, seria até compreensível se os ataques viessem de outros grupos, que não dos homossexuais, que tanto lutam por igualdade. Mas não. A “tortura”, carregada de expressões como “bichinha”, “viadinho” e “mulherzinha”, surge, na maioria das vezes, entre os próprios gays, aqueles que se dizem “machos”, apesar da atração pelo mesmo sexo.

“É uma cobrança cruel, injusta, porque às vezes você deixa de conhecer uma pessoa legal, trabalhadora, honesta, sincera, só porque ela tem voz fina e trejeitos, sei lá. Eu já tentei mudar, mas meu perfil é esse. Sou muito extrovertido, gosto de fazer os outros sorrirem e acabo fervendo demais. Mas minha essência é desse jeito”, diz, ao contar que foi criado com duas irmãs, em um ambiente exclusivamente feminino, mas não acredita que isso tenha influenciado na sua sexualidade.

Sem plumas ou paetês – O Lado B ouviu um homossexual que está do outro lado da discussão e, portanto, defende o comportamento social mais aceitável. Para o jovem de 25 anos, que pediu anonimato, um gay ”não precisa anunciar aos quatro cantos o que é e nem andar como uma mulher 24 horas para se mostrar viado”.

Para ele, essa liberdade declarada, é querer chamar a atenção, levantar bandeira e, de certa forma, afrontar a sociedade. “Isso não quer dizer que o Joãozinho que é viado também defenda a diversidade, mais comportados, sem plumas e paetês, mas com argumentos”, declara.

Na avaliação do rapaz, é complicado afirmar que esse comportamento “pintoso” é parte da personalidade de uma pessoa, ou que o indivíduo nasceu e sempre foi assim, como defende Graziane, o cabeleireiro. “Ninguém muda de uma hora para outra”, argumenta.

Gays assim, prossegue, criam estereótipos, acabam sendo ridicularizados e isso reflete até na violência, avalia. “Por isso que ainda existe preconceito contra homossexual. A sociedade pensa que, porque um gay se comporta assim, todos são iguais“, declara.

Incoerência e preconceito – Homossexual assumido, mas “escondido” da família, um acadêmico de Engenharia Civil, de 20 anos, que também pediu sigilo dos dados pessoais, tem uma visão diferente sobre o assunto.

Para o jovem, que não se diz afeminado nem “macho alfa”, o preconceito interno, entre os próprios homossexuais, é incoerente. “No fim, todos nós somos gays e pronto. O que muda são os gostos, as características e até o papel sexual desempenhado. Isso não pode ser visto como maus olhos por nós mesmos”, argumentou, antes de questionar: “Como iria dar certo se todos tivessem o mesmo gosto e seguissem o mesmo padrão?”

Nas palavras do estudante, é preciso entender que belezas são relativas, que há uma pluralidade de indivíduos com temperamentos peculiares e que não deve haver desprezo por qualquer que seja a diferença. “Já enfrentamos tanto preconceitos com a sociedade heterossexual. Considero desnecessário isso entre os gays”.

Respeito – Na comunidade dos ursos (barbudos, gordinhos e peludos), o funcionário público Júlio César Velasquez Balbueno, de 40 anos, cita o respeito como solução.

Júlio é do "time" dos discretos, mas respeita as diferenças. (Foto: Arquivo Pessoal)
Júlio é do "time" dos discretos, mas respeita as diferenças. (Foto: Arquivo Pessoal)

Existe o preconceito, é evidente, mas não dá para generalizar. Há, de fato, os gays masculinizados, “com cara e jeito de homem”, que gostam de ser assim e tem suas preferências. Júlio é um exemplo. Está no “time” dos discretos e prefere parceiros assim, mas nem por isso corre dos afeminados.

“Tenho vários amigos que são. Não os recrimino. [...] Se houver respeito pelo próximo, podemos conviver em harmonia. É isso que falta. A individualidade do próximo termina quando começa a minha. Temos que respeitar, independente se fala grosso ou mole, se usa cabelo comprido ou curto”.

Projeção - Curioso é perceber que, às vezes, o gay que se diz machão e abomina os “viadinhos” é, também, afeminado. “Isso existe muito”, comenta Julio. Para o funcionário público, atitudes como essa podem ter uma explicação na “pressão da sociedade”.

Psicólogo, Fabrício Basso explica que esse comportamento é comum a todos, não somente entre os gays. Há pessoas, disse, que não aceitam e, por algum motivo, não se identificam às suas próprias formas de ser e estar na vida. Acabam realizando manobras para evitar encontrá-las em si próprias.

“Não se percebem como tal e ainda acabam por fazer algo a evitar, como hostilizar, negar, projetar ou até mesmo não enxergar”, cita, ao dizer que essas manobras acontecem de maneira irreflexiva, ou seja, impensada.

Psicanalista Andréa Brunetto explica que o problema não é exclusivo dos gay. É do ser humano, que tem preconceitos, ideias, rotula. (Foto: Cleber Gellio)
Psicanalista Andréa Brunetto explica que o problema não é exclusivo dos gay. É do ser humano, que tem preconceitos, ideias, rotula. (Foto: Cleber Gellio)

Fabrício afirma, ainda, que “discriminamos-nos a fim de afirmarmos e nos reconhecermos”. “É através da discriminação onde descubro/afirmo/defino quem sou”, diz. “Os preconceitos são introjetos não assimilados”, completa. Não é algo pensando, mas, sim, configurado.

Do ser humano - A psicanalista Andréa Brunetto teoriza de maneira semelhante. No mundo gay, diz ela, “se estabelece rótulos e preconceitos, têm-se um ideal de beleza e quem fica aquém é sujeito a deboches, a ser estereotipado como mais afeminado ou mais másculo”.

Mas o que há de diferente disso do “mundo hétero?”, questiona. “Isso não é do mundo homo ou hétero. Isso é do humano. O ser humano tem preconceitos, têm ideais, rotula”, responde ela mesma.

O mundo está cheio de problemas e complicações, completou. Porque entre os gays seria diferente? “O mundo em que vivemos é esse aí. Digo isso sem fatalismos, sem pessimismo. E para encerrar, repito a frase freudiana, que ele copiava do grande escritor alemão Goethe: ‘precisamos começar a amar para não adoecer’. E o amor não tem sexo”, conclui.

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