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Comportamento

Em média, 1 casal por dia tenta anular casamento, por traição e até golpe do baú

Elverson Cardozo | 03/06/2013 07:24
Tribunal Eclesiástico em Campo Grande. (Foto: Marcos Ermínio)
Tribunal Eclesiástico em Campo Grande. (Foto: Marcos Ermínio)

Quando o assunto é divórcio, Mato Grosso do Sul só fica atrás de Porto Alegre (RS). No ranking traçado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2011, o segundo maior percentual (5,34%) era daqui. A Capital do Rio Grande do Sul desponta com 5,49%. Porque, apesar das juras eternas de amor e do sim dito no altar, ainda ocorrem tantas separações? O Lado B foi buscar explicação em um dos locais que lida com essa questão diariamente: o Tribunal Eclesiástico da Igreja Católica, em Campo Grande.

É claro que os dados apresentados representam apenas uma parcela do levantamento feio pelo IBGE – no caso, referem-se aos católicos que buscam esse recurso como possibilidade para uma nova vida dentro dos preceitos bíblicos, mas representa uma fatia desse universo.

O Tribunal Eclesiástico existe desde os primórdios da igreja e foi criado para cumprir a jurisprudência religiosa, com base no direito canônico, que reúne normas de conduta ao clero. Quando algum padre comete um delito, por exemplo, o caso é levado ao tribunal, que vai julgá-lo para que uma medida seja tomada. Com relação aos casamentos, o órgão é responsável por analisar os pedidos de nulidade matrimonial.

Neste setor, são muitas as histórias, as justificativas para o “cancelamento” de um casamento que, às vezes, durou anos. O tribunal de Campo Grande, que atende a todo o Mato Grosso do Sul, recebe, em média, de 33 pedidos por mês. É mais de um por dia.

A estimativa é do padre João Alves de Oliveira, de 51 anos, juiz adjunto do Tribunal. Há mais de 7 anos na função, ele conta que já se deparou com muita coisa. No geral, os pedidos que mais movimentam a seção estão ligados, em primeiro lugar, à traição comprovada. Em segundo e terceiro ficam o casamento por interesse financeiro - velho golpe do baú, e as doenças escondidas.

Os casos de homossexualidade também são representativos, mas, muitas vezes, eles recebem outras classificações como, por exemplo, desvio de conduta, de personalidade ou até mesmo traição. É uma forma de evitar “atrito” e, claro, polêmica.

Órgão recebe, em média, de 30 a 35 processos por mês. (Foto: Marcos Ermínio)
Órgão recebe, em média, de 30 a 35 processos por mês. (Foto: Marcos Ermínio)

Na lista de pedidos que fogem ao normal, há situações curiosas, como a da mulher que separou do marido porque se sentia invadida na sua intimidade. O esposo não aceitava outra forma de sexo a não ser a anal. Isso desde o início do matrimônio, que durou pelo menos 10 anos.

O filho do casal, aliás, teria sido concebido “por acidente”. A situação, para ela, ficou insustentável. Longe do companheiro, mas em busca de uma nova vida dentro da igreja, o jeito foi entrar com pedido de nulidade para ter direito a um novo sacramento.

Outro exemplo é do casal que, em respeito aos filhos, ficou junto por quase 40 anos, mas vivia separado dentro de casa. “Eles viviam como irmãos, aí chegou uma hora que não dava mais. Entram com pedido de nulidade. Foi aceito porque ele a traia”, contou.

A nulidade matrimonial concedida pelo Tribunal Eclesiástico não confere os mesmos direitos da justiça comum, a que todos os cidadãos estão sujeitos, mas, se a causa for ganha, o fiel pode contrair um novo matrimônio, utilizando do sacramento da igreja. É para isso que serve. Está ligado à vida religiosa. “A gente não anula casamento. Anulamos o processo documental do qual a pessoa se casou.”, disse.

Em todo caso, os pedidos, antes de serem aceitos, são avaliados por membros do Tribunal, que é composto por um juiz presidente, juízes adjuntos, defensores, promotores, advogados e notários (secretários). Há justificativas que não procedem, como a incompatibilidade de gênio.

Por outro lado, quando um processo é aberto, testemunhas precisam ser ouvidas. Há a versão do "demandante” e da “demandada”. Entra em cena um advogado. “O Tribunal tem todos os termos como tem um tribunal civil, só não é um tribunal civil”, explicou.

A Igreja, ressaltou o padre, não separa ninguém. João explica que quando os casos chegam ao conhecimento do clero, os casais, geralmente, já estão afastados. Marido e mulher só querem dar continuidade à vida e viver dentro dos ensinamentos.

Juiz adjunto do tribunal, João Alves de Oliveira. (Foto: João Garrigó)
Juiz adjunto do tribunal, João Alves de Oliveira. (Foto: João Garrigó)

Mas há uma tentativa de “conciliação”, o que, geralmente, não costuma surtir efeito. “Para nós seria a maior graça se a gente fizesse com que um casal que chegasse lá separado voltasse a conviver e desse certo até o final da vida”, comentou, ao dizer que considera o tribunal um local que recupera vidas.

“Se você casou, deveria ser feliz. De repente, se não foi feliz, pode anular tudo aquilo e começar de novo”, teorizou. Mas não é tão simples assim. Além da triagem inicial, quando um processo chega ao fim tem o “veto”. “Para você casar de novo precisa passar por um exame psicológico. Tem que ter um laudo para comprovar se a pessoa tem capacidade ou não para assumir um novo casamento”, explicou.

Há outro detalhe: “Somos um tribunal de primeira instância, que faz o julgamento. Ele é enviado à 2ª instância, para o tribunal eclesiástico de São Paulo, onde são feitos os procedimentos finais do processo”. A aprovação do pedido, acrescentou, vem de lá. Em todo caso, vale ressaltar que a nulidade matrimonial não sai de graça. O custo, ao fiel, varia de 2 a 4 salários mínimos. O valor é para pagar as despesas do processo e do “pessoal” que trabalha no Tribunal.

A dica, para evitar tanto “prejuízo”, é velha, mas válida: O casal, antes de contrair matrimônio, precisa se conhecer e ter consciência do compromisso que está assumindo. “A maior causa de nulidade, de separação em nosso Estado é a falta de preparação para o casamento. Não se conhecem, namoram pouco, casam por gravidez, por interesse ou outras causas conhecidas”, finalizou.

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