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Comportamento

Em repúdio a fim de inquérito, mulher pivô de assassinato fala pela 1ª vez

Paula Maciulevicius | 17/04/2015 15:23
Escola onde mulher que denunciou estupro e Bruno, morto no dia 16, trabalhavam. (Foto: Marcos Ermínio)
Escola onde mulher que denunciou estupro e Bruno, morto no dia 16, trabalhavam. (Foto: Marcos Ermínio)

O encerramento da investigação que apurou a morte de Bruno Soares da Silva Santos, de 29 anos, despertou repúdio de quem o denunciou por estupro e da Defensoria Pública do Estado. Em nota emitida ontem, assinada pelo Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, a Defensoria repudia as informações divulgadas acerca do caso, que "desqualifica por completo um crime sexual e sua vítima".

Na quinta-feira (16), o delegado responsável pelo caso disse em coletiva que não foi constatado, durante as investigações, qualquer tipo de assédio ou relacionamento de Bruno com alguma funcionária da escola de informática onde ele trabalhava. “O que foi comprovado é que ele brincava muito com todos os funcionários. Só isso”, disse Miguel Said, da 1ª Delegacia de Polícia Civil da Capital. 

Até então, a versão era de que Bruno foi morto no dia 16 de março por ter assediado a esposa do autor do crime, Francimar Câmara Cardoso, 30, que ainda permanece preso.

A esposa de Francimar, que trabalhava na mesma escola onde Bruno era instrutor, falou hoje pela primeira vez, revoltada com a conclusão do inquérito que pode complicar a vida do esposo na hora do julgamento. O sentimento é de que de vítima, ela passou a ré, por não conseguir testemunhas que tivessem visto o abuso. Em paralelo, ainda corre a investigação sobre o crime sexual pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher.

Assistida pela Defensoria Pública desde que a escola onde trabalhava passou a recusar os atestados médicos que pediam afastamento do trabalho devido ao estresse pós-traumático, a vendedora apresentou sua versão sobre a convivência com Bruno durante o expediente, as brincadeiras que, diferente da interpretação policial, a ela pareciam ofensivas até o dia em que foi levada para um beco enquanto esperava o ônibus na Rua Maracaju.

Segundo ela, do Centro até o bairro Sayonara, sentada de óculos escuros, no fundo do ônibus, a vendedora de 32 anos repassava as cenas vividas momentos antes. "Não conseguia pensar, raciocinar, a única coisa que vinha na minha cabeça eram meus dois filhos", conta.

Por volta das 8h20 da noite ela tomou o ônibus no dia 23 de fevereiro, uma segunda-feira, depois de ver chegar ao ápice todas as "brincadeiras" que relata ter sido envolvida desde agosto do ano passado. A vendedora era manicure, trabalhava em casa, até decidir cursar Serviço Social. Para custear a mensalidade, arrumou o emprego como telemarketing da escola de informática. Em 15 dias foi promovida à vendedora de cursos, trabalho que dividia com Bruno. Dois meses depois, segundo relato, é que começaram as brincadeiras. 

'Hoje você está boa' e logo fazia aquele olhar ou 'hoje eu vou te levar', 'seu marido é muito feio para você'", reproduz as frases ouvidas. A vendedora também sustenta que já havia levado a conhecimento da escola a questão. 

Na noite do dia 23, ao chegar em casa chorando, a vendedora disse ao marido que não era nada, só um estresse passado no trabalho. "Fiquei com vergonha de contar, com medo de contar. A sensação, eu não sei te explicar, você não consegue se abrir, fui em muita terapia e nem para ele eu conseguia falar".

Uma pausa para respirar e voltar tudo à tona. A mulher toma fôlego antes de narrar a saída do expediente naquele dia.

"Avistei ele parado no beco, próximo à parede. Ele esticou a mão como se fosse me cumprimentar e me puxou e começou a fazer as ações que me dão náusea só de lembrar. Lá tem um desnível, um degrau, não sei. Ali que eu consegui empurrar ele e correr. Meu desespero era de correr, eu entrei no ônibus, no primeiro que eu vi porque ele vinha atrás de mim... E agora dizem que eu fiz uma denúncia falsa? O delegado questiona por que eu não pedi socorro? Não sei se ele entende a minha situação".

No dia seguinte, a vendedora relata que procurou o diretor da escola, que colocou Bruno e ela frente a frente. "Ele chorou, implorou na frente do diretor, pedindo pelo amor de Deus para eu não registrar nada, que ia acabar com a vida dele. O diretor disse, então você fica na sua sala e ele na dele...", recorda. 

Ela conta que decidir o que seria feito ficou a cargo do coordenador de vendas e que no dia seguinte, dois depois do abuso, ele quis colocá-los para conversarem juntos, novamente. "Ele me disse 'tenho duas opções, ou você pede as contas, ou a gente faz um acordo. Eu não posso mandar nem você e nem ele embora e o que ele faz fora daqui, não é de importância da escola", repete. 

Da conversa, ela descreve que pegou a bolsa, bateu o ponto e passando mal, foi levada para a Santa Casa. "Tive um ataque cardíaco, não sei, era falta de ar, eu não conseguia respirar", fala. No hospital ela foi medicada e orientada a procurar o ambulatório da unidade de saúde próximo da sua casa. No dia seguinte, três dias depois do episódio no beco, ela contou para a primeira pessoa: a assistente social do posto que deu a ela o encaminhamento para tratar com o CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial). 

Francimar se apresentou à Polícia três dias depois do assassinato de Bruno. (Foto: Marcelo Calazans)
Francimar se apresentou à Polícia três dias depois do assassinato de Bruno. (Foto: Marcelo Calazans)

No dia 27 começaram os atendimentos no CAPS e o tratamento com psiquiatra. "O médico me dizia, eu preciso que você conte, é muita coisa para a sua cabeça. Se você não soltar e deixar a Justiça resolver, não vai conseguir se livrar". Somente 10 dias depois, no dia 6 de março, é que ela procurou a Polícia para registrar o Boletim de Ocorrência, encorajada pelo médico, uma amiga e um pastor.

Por ser à noite já, ela se dirigiu à Casa da Mulher Brasileira e ouviu a confirmação de que pelo que havia passado, se tratava de um estupro. "A delegada me falou 'ele fez isso? Fez isso? Fez isso? Então, é um estupro".

"Saí de lá com o encaminhamento para a Defensoria, porque a escola não aceitava os meus atestados. Eles perguntavam por que, o que eu tinha e se recusavam a assinar".

Nesta altura do campeonato, o marido, Francimar já via a piora dela. "Eu sonhava e acordava gritando 'me solta', era como se eu tivesse surtado". Contar ao esposo foi uma decisão que levou tempo. Aconselhada pelo médico para revelar o abuso, Francimar também seria assistido assim como ela.

Na data anterior ao homicídio, um domingo, dia 15 de março, a família foi para Aquidauana, num sítio, onde a mulher, junto da mãe, contou a ele. "Foi difícil, foi tenso. Eu pedi ajuda da minha mãe. Ele é uma pessoa super protetora e já falava que eu saía muito tarde do serviço. O médico queria que eu contasse para ele tratar eu e ele junto, mas não deu tempo...

Pergunto a ela sobre o tempo entre o crime, o registro e por fim, contar ao marido. Se era culpa de alguma forma. Ouço que não. "Não me senti culpada, eu me senti humilhada se eu não quero ficar, eu tenho esse direito de escolha, para mim eram brincadeiras pervertidas. Me senti humilhada, ofendida e desamparada".

Ao marido, ela se restringiu a dizer apenas que Bruno tinha tentado lhe agarrar. "Meu marido falou que sabia que tinha alguma coisa, perguntou porquê eu não contei antes, eu disse que queria privar minha família. Não falei detalhes, e ele me falou para pedir as contas na segunda, antes que ele perdesse à razão. Eu disse que não ia ainda, que eu estava afastada e ele perguntou 'deu parte? Então vamos deixar a Justiça agir, foi isso que ele falou".

A vendedora acredita que em casa, logo depois que ela dormiu, ele pode ter revirado a pasta de documentos onde estava o boletim de ocorrência. "Acho que em casa, ele leu o BO. Quando eu acordei, ele já tinha saído".

De repente, ainda na manhã da segunda-feira, um carro da Polícia chegou até a casa, a encheu de perguntas e a levou para reconhecer o marido nas imagens do circuito interno da escola. "Em nenhum momento eu sabia que ele tinha falecido. Só quando eu vi o rapaz da funerária, na delegacia, dizer que estava ali para pegar a liberação do corpo do Bruno. Eu entrei em choque. Não imaginava... Meu sentimento foi de ver famílias desestruturadas, pensar na saúde da mãe dele, nos meus filhos e também na família do Bruno. Apesar de tudo, ele tem mãe, filha, uma família como eu tenho".

Mãe de dois filhos, um de 8 e outro de 13, a vendedora estava junto de Francimar há quase 6 anos, destes cinco de união estável. 

O sentimento diante de ver que precisa provar que foi violentada é de revolta. "Revolta pelo que a escola devia fazer, com o que a Polícia está fazendo. Não fui a única e quem sabe, se ele não tivesse morrido, também não seria a última". 

Ela agora quer que a Justiça "desenvolva a verdade". "Estão me colocando como se eu fosse louca. Denúncia falsa? Parei a minha vida por um tratamento psicológico em vão? Inventei para o meu marido matar uma pessoa em vão?"

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