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Comportamento

Há 14 anos, Adenilson ganhou um coração e, junto com ele, herdou um amor

Paula Vitorino | 18/02/2013 07:25
Leila e Cedelino, de coração novo, estão juntos há mais de 10 anos. (Reprodução arquivo pessoal)
Leila e Cedelino, de coração novo, estão juntos há mais de 10 anos. (Reprodução arquivo pessoal)

Ganhar um novo coração e, com ele, recuperar a saúde, quebrar estigmas de prazo de vida e encontrar um novo amor: a viúva do doador. A história é daquelas de fazer suspirar e acreditar que o amor não tem fórmulas, como nos contos de fada, e mais: prova que tudo é possível, já que o improvável é só uma limitação imposta pela cabeça do homem.

“Pessoal brinca, fala que sou malandro, peguei o coração e a mulher do homem. Mas a gente não tem problema com isso, não, é só brincadeira”, conta o homem de coração renovado, Celedino Vieira, de 59 anos.

Toda a história começou de forma trágica, em 1998. Uma família sofria pelo assassinato de um jovem pai de dois filhos, Adenilson de Souza Batista, de 26 anos, enquanto Celedino realizava mais uma das viagens entre Dourados e a Capital para manter o coração batendo. O jovem foi assassinado durante uma briga em uma lanchonete; ele estava em um táxi e não tinha nada a ver com a confusão.

Já fazia um ano e meio que Celedino, com 45 anos, esperava por um transplante. O paciente, diagnosticado com miocardiopatia dilatada, em 1996, já tinha perdido duas oportunidades de transplante, um por demora na captação do órgão e o outro porque o coração precisou ir para outro paciente mais grave.

“Aí o médico ligou dizendo que tinha um coração de um rapaz que tinha sido morto e que eu ia poder fazer o transplante”, conta. Ele tinha acabado de chegar em Dourados quando recebeu a notícia e imediatamente voltou para a Santa Casa.

O transplante foi o de número quatro realizado em Mato Grosso do Sul e um sucesso. Celedino, na época casado há mais de 20 anos e com dois filhos, retomou a vida com novo ânimo, mas guardou o desejo de conhecer a família do doador e dizer obrigado.

“O desejo de conhecer a família foi imediato, mas só consegui encontrar eles depois de 1 ano. Enchi tanto a menina do hospital que consegui um telefone, do sogro do doador, e aí comecei a fazer contato”, diz.

Ele viajou até a Capital para visitar a família do seu doador e, então, conheceu a viúva Leila de Oliveira Mendes, hoje com 38 anos, e seus dois filhos, de 7 e 8 anos na época.

Celedino já não era mais casado, mas garante que “não teve nada de amor a primeira vista. Essas coisas só existem em novela”, desmerecendo o fato de ele próprio já ser o protagonista real de uma história digna de roteiro cinematográfico.

Leila não só confirma a versão, como diz que inicialmente não queria ter nenhum tipo de relacionamento, nem mesmo amizade, com Celedino. “Tinha uma certa aversão a ele. Não tinha nada a ver com o fato dele ter recebido o coração do meu ex-marido, foi coisa de não ir com a cara mesmo”, admite.

Mas o receptor e a família mantiveram contato, que ficou mais próximo 2 anos depois, quando Celedino mudou para a Capital para abrir uma empresa. O sentimento de gratidão, de querer ajudar a família do doador, e a solidão na nova cidade aproximou os dois.

“Fui pra Capital e aí não conhecia ninguém, só eles, e eu ficava muito sozinho, então comecei a ir a casa deles, às vezes almoçava fim de semana e ficamos amigos”, conta. Ele diz que inicialmente a empatia foi mais com as crianças e brinca: “gostei mais deles do que dela”.

Leila resume que o atual marido “foi muito persistente” e quando os dois se deram conta já estavam apaixonados. Depois de cerca de 2 anos namorando, Celedino convidou Leila para ir morar em Jardim, onde vivem até hoje casados.

“Falo que somos o casal mais incompatível que existe, mas encontramos nossa própria compatibilidade e vivemos muito bem”, brinca Leila.

Se existem coincidências sobre o novo e o antigo donos do coração, a esposa diz que sim, mas que todos sabem separar bem cada pessoa. “Os dois são muito alegres, brincalhões, e pessoas que gostam de ser prestativas”, conta.

Vida – Além da história de amor, Celedino pode se orgulhar em ser um dos transplantados que quebrou os paradigmas sobre imposições de prazos de vida. “Diziam que a expectativa era 10 anos. Eu nem lembro que fiz o transplante, tenho uma vida normal”, diz.

Em apenas uma questão Celedino brinca e diz que o novo coração não funcionou: fazer ele gostar do Corinthians. O doador era do tipo “conrintiano roxo”, enquanto que Celedino torce para o Palmeiras. Apesar de não se auto-declarar um torcedor fanático, frisa que só é radical em um ponto no futebol: “detesto o coringa. Nesse sentido o coração não funcionou”.

Ele diz que da “sua turma” de oito transplantados é o único ainda vivo. “O último morreu há dois meses. Agora não sei se devo ficar feliz porque ainda estou vivo ou começar a ficar preocupado”, diz rindo.

Doação: salvação – A história poderia não se tornar real, já que a doação do coração de Adenilson quase não foi feita porque Leila era contra. Mas o jovem era doador declarado de órgãos e Leila foi convencida pelo médico a aceitar.

“Ele me disse que seria uma forma de deixar o coração da pessoa que eu amava continuar batendo. E realmente é isso que aconteceu”, diz.

Hoje, ela diz que tem “outra visão” e quando morrer quer que todos seus órgãos sejam doados. Ela lembra que seu ex-marido beneficiou a vida de cinco pessoas com a doação de seus órgãos. O único receptor que Leila conhece é Celedino.

“A gente só aceita contar nossa história porque temos o objetivo de incentivar e mostrar que dá certo o transplante. Sempre incentivo as pessoas para que sejam doadores de órgãos”, diz Celedino.

O primeiro transplante de coração realizado pela Santa Casa foi em 1993 e, desde lá, já foram feitos 17 transplantes. O hospital ficou 8 anos sem realizar o procedimento, parou de fazer a cirurgia em 2005 e só retornou na semana passada, após reforma de R$ 2 milhões na estrutura. O recurso foi doado ao hospital por um pecuarista.

Atualmente, 19 pessoas aguardam na fila para encontrar um doador e fazer o transplante. De acordo com o hospital, 30% dos pacientes que aguardam morrem esperando na fila.

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