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Comportamento

Há batalhas onde só quem é mulher acha força suficiente para suportar e vencer

Paula Maciulevicius | 08/03/2013 06:10
Aos 30 anos e há três décadas, a vida dessa mulher é uma só. Ser mãe. "Eu tinha que tomar essa decisão. Ser triste para o resto da vida ou aprender a viver com o pouco que ela dava, que hoje é muito". (Foto: Simão Nogueira)
Aos 30 anos e há três décadas, a vida dessa mulher é uma só. Ser mãe. "Eu tinha que tomar essa decisão. Ser triste para o resto da vida ou aprender a viver com o pouco que ela dava, que hoje é muito". (Foto: Simão Nogueira)

Trinta anos de uma vida dedicados a fazer a filha andar, comer, sorrir. Três décadas procurando respostas e buscando forças da maneira que nenhum outro ser conseguiria, um poder típico de mulher.

Era a terceira gestação, a segunda menina. Uma família em crescimento que esperava ansiosa a chegada de Amanda. No parto, faltou oxigênio e outro agravante que a mãe veio a saber depois, o bebê tinha microcefalia.

O diagnóstico foi dado depois de anos no escuro, como ela mesmo diz. Sem saber o que a filha sofria, as limitações que teria e até onde poderia chegar. O coração era acima de uma mãe, o de uma mulher, que não desistiu de ver a filha andar e comer sozinha, mas para isso abriu mão dos próprios passos.

Edina Medeiros tem hoje 63 anos. Deixou o emprego quando a filha, Amanda Medeiros Gonçalves, agora com 33 anos, tinha pouco mais de um ano de vida. Ela abdicou da vida de mulher, deixou o trabalho, em uma empresa e sozinha encontrou a maneira de sustentar a família costurando durante várias noites. É que além do bebê, tinham outros dois filhos e um marido que pouco a pouco foi deixando a mulher pelos caminhos da vida.

O sonho de realização como mulher era ser mãe. Edina tinha pensando e programado ter três filhos, mas a realidade fugiu dos planos e a surpresa não foi das mais agradáveis. "Ela não fala, mas ouve e entende tudo. O comprometimento dela é com a cognição e o intelectual", explica. No rosto de Amanda, transborda o carinho e o amor de uma mulher que dedicou a vida à ela.

O brilho nos olhos das duas e a simpatia com que Edina abriu as páginas de uma história para o Lado B. A história de vida dela que tem um final feliz todos os dias. É que quando a luta é diária, as conquistas são comemoradas como o fim de um conto de fadas.

"Há 30 anos não tinha muito recurso, nem tinha exame pré-natal. Eu só fiquei sabendo depois da cesariana, quando os médicos disseram mãe ela vai ficar com algumas sequelas", relembra. O que não foi descrito naquele momento. A gravidade começou a ser percebida quando Amanda chegou a 1 ano e 7 meses e ainda não sentava.

Aos 9 anos, entre idas e vindas de médicos, Edina chegou a um diagnóstico fechado. As vibrações de acompanhar o desenvolvimento da filha vieram tardiamente e aos poucos. A menina só foi dar os primeiros passos aos cinco anos. "Evolução mesmo foi depois dos 15 anos e 70% do ganho que ela teve foi aqui, na Pestalozzi", completa. Amanda é aluna da instituição desde 1986.

Escolher entre trabalhar fora e se dedicar a filha custou mais do que o lado financeiro. "Ele (marido) mesmo foi se afastando. Ele achava que eu inventava coisa para a Amanda e não entendia que eu tinha que sair da empresa. O que eu contribuía em casa foi a zero. É uma das coisas que também pesou na separação".

Sozinha, ela criou três filhos. Contou com ajuda, é claro, dos pais e de irmãos. "Eu não achava pessoas para ficar com ela e tive que fazer a opção. Mas graças a Deus deu certo, a opção por ela".

Aos 30 anos e há três décadas, a vida dessa mulher é uma só. Ser mãe. Das 5h30 da manhã, horário em que acorda, até quando se deita a noite, os pensamentos é anseios dela é para o desenvolvimento da filha.

Amanda hoje anda. Mas era carregada pelos braços da mãe até os 5 anos para chegar a escola. O ônibus parava na avenida Mato Grosso, na altura do Sebrae e muitas quadras eram subidas todos os dias. Além dos pés e braços, o semblante também devia expressar cansaço. Mas no fundo, o coração sabia que o esforço valia a pena.

"Eu aprendi a viver. Eu tinha que tomar essa decisão. Ser triste para o resto da vida ou aprender a viver com o pouco que ela dava, que hoje é muito".

Aprender a viver com o que a vida proporcionou levando no rosto um sorriso estampado e nos passos a determinação de passar a força adiante. Não adianta questionar, existem coisas entre o céu e a terra que só uma mulher é capaz de fazer. E de boa vontade. Elas são de alguma forma o ser que foi escolhido para trazer à Terra a essência dos anjos. Tem um pouco de Deus em tudo o que faz.

"Eu me considero realizada, mas não realizei todos os meus sonhos. A gente nunca para de sonhar". (Foto: Vanderlei Aparecido)
"Eu me considero realizada, mas não realizei todos os meus sonhos. A gente nunca para de sonhar". (Foto: Vanderlei Aparecido)

A outra personagem que o Lado B quer compartilhar neste Dia da Mulher, é de uma batalhadora. Que faz sem peso algum o que para muitas seria tarefa impossível. Aos 53 anos, Eny da Glória Marques de Souza Buzaneli, cria há dois anos, as filhas já adolescentes do segundo casamento do ex-marido. As meninas ficaram órfãs depois que o pai e a mãe morreram e encontraram do outro lado da história o carinho maternal.

Professora aposentada, Eny trabalhou dos 14 até os 50 anos. Foram 36 anos dedicados à educação dos filhos dos outros. A casa dela é aquela cena de filme ou novela, onde a mesa é cheia num almoço de domingo.

Ainda jovem, Eny se separou aos 26 anos, com três filhos debaixo do braço. A rotina foi de trabalho proporcional ao número das crias. "De manhã, de tarde e de noite. Quase sempre os três períodos". Por dedicação e também medo de perder o emprego, ela formou o trio que já é adulto e hoje presentou a casa com netos.

Entre a criação dos filhos e a jornada como diretora de escola, Eny conheceu o esposo. Mas até o 'sim' foram 15 anos de namoro. "Era muita criança, muita preocupação em relação a convivência deles", explica. É que juntar os cinco filhos do casal na mesma casa podia ser transtorno. Os dois prefiriram levar a vida cada um na sua casa. Mais uma vez, uma mulher abrindo mão da própria felicidade em prol do bem estar dos seus e dos outros.

Depois de crescidos e formados, os dois se casaram. Mas o gesto mais nobre foi em 2011. "Quando não tinha mais ninguém em casa, nós adotamos". As adolescentes que na época tinham 11 e 15 anos acabavam de perder a mãe. O pai, ex-marido de Eny, também já tinha morrido.

A tutela ficou com um dos irmãos mais velhos e entre o vai e vem das meninas, Eny sentiu o aperto no coração e o lado maternal falou mais alto. Ela trouxe as duas para dentro de casa, mesmo com a convivência até então limitada a contatos esporádicos. "Eu tinha três quartos vazios e como estava aposentada, decidi fazer alguma coisa". Não que Eny já não fizesse, porque ela cuida diariamente de uma das netas, de 2 anos.

"Deus dá tanta coisa boa para a gente, que a gente precisa retribuir de alguma forma, foi essa a hora". Hoje a casa continua cheia. Com os netos dela, do marido e que ela chama de "nossos". As meninas de fato trouxeram alegria à casa. É como voltar no tempo mas viver uma época em que Eny dispõe de tempo para a criação.

"De onde eu tiro essa força? Eu acho que é Deus em primeiro lugar, eu sempre pedi e agradeci pelo trabalho. Ele me deu condição de trabalhar e sustentar três crianças. Eu me considero realizada, mas não realizei todos os meus sonhos. A gente nunca para de sonhar"

E nem pode dona Eny. É de sonhos que mulheres enfrentam uma realidade que só elas têm força para suportar.

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