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Comportamento

Nasci "ela" e hoje sou João Felipe, um homem transexual apoiado pela família

Adriano Fernandes | 06/01/2016 06:12
"Me olhar no espelho e ver o meu reflexo é uma felicidade plena".(Foto: Marcos Ermínio)
"Me olhar no espelho e ver o meu reflexo é uma felicidade plena".(Foto: Marcos Ermínio)

Por muito tempo o espelho mostrava a imagem de alguém com quem João Felipe Meira Damico, de 22 anos, não se identificava. O reflexo era sempre a imagem feminina. “Mas eu nunca me senti ela. Eu sempre soube que ´ela`, nunca existiu”, conta. Era mais um homem, no corpo de uma mulher.

Antes mesmo de ter essa diferença claramente estabelecida, a infância já mostrava que algo tinha de mudar. “Mesmo tendo nascido menina, eu sempre me vi como um homem, sempre agi como um homem. Já era natural para mim aquele universo masculino, me via nele”, recorda.

Era a vontade cada vez maior de estar em outro mundo. “Aos 13 anos eu já usava cabelo curto, nunca havia me vestido como garota, mas ao mesmo tempo ter uma aparência masculina ainda não me era suficiente. Eu continuava sendo visto basicamente, como uma menina que se vestia de menino”, explica.

"Meu corpo não era errado para mim. Apenas adaptá-lo para ficar do jeito que eu me sentia bem.(Foto: Marcos Ermínio)
"Meu corpo não era errado para mim. Apenas adaptá-lo para ficar do jeito que eu me sentia bem.(Foto: Marcos Ermínio)

Com a chegada da adolescência, a ilusão de achar que as diferenças se resumiam ao simples desejo homossexual caiu por terra. Se assumir como lésbica não amenizava a tormenta. “Aos 17 anos, eu cheguei ao ponto de tentar me machucar, ferir meus seios. Eu não me aceitava naquele corpo, mas era algo que ao mesmo tempo eu não podia fugir”, desabafa.

Foi quando em 2013, ao assistir um programa de televisão que falava sobre sexualidade, João teve o primeiro contato com o termo transexualidade. Pela internet, ele buscou informações sobre o assunto, até ter segurança sobre sua condição.

“Até então eu não sabia exatamente o que eu era devido à falta de informação. A única certeza que eu sempre tive é que eu era um homem no corpo de uma mulher, que me interessava por mulheres, mas não me via como lésbica” conta.

Veio então o alivio. “Eu não digo que meu corpo era errado para mim, apenas que precisava adaptá-lo para ficar do jeito que eu me sentia bem. Ninguém acorda um belo dia e se diz transexual. É algo que com o tempo só se fortalece e vai se tornando mais vivo dentro da pessoa”, resume.

O dia 21 de julho de 2014 marcou o inicio do tratamento de transexualização de um corpo feminino, que precisava se adaptar a natureza de João. A data, ele tatuou no braço esquerdo, como lembrança do divisor de águas em sua vida.

O dia 21 de julho de 2014 marcou a data da primeira aplicação de hormônio masculino de João.(Foto: Marcos Ermínio)
O dia 21 de julho de 2014 marcou a data da primeira aplicação de hormônio masculino de João.(Foto: Marcos Ermínio)
"Eu sou João e sempre fui assim. Nunca existiu, ela". (Foto: Marcos Ermínio)
"Eu sou João e sempre fui assim. Nunca existiu, ela". (Foto: Marcos Ermínio)

Nesse processo, o apoio da família e amigos foram fundamentais. “Ninguém me trata como especial ou diferente, mas simplesmente como João. Eles sabem tudo que eu sempre senti, tudo que passei na minha vida e compreendem que aquela pessoa não existe mais”, diz.

Ele prefere não revelar o nome de batismo e refere-se apenas como “ela” ao gênero de nascimento. “Eu sempre fui o João. Ela me levou até onde pode, encarou coisas comigo e por isso eu sou eternamente grato. Mas não tinha mais espaço para ela na minha vida, teve que ir embora e foi a melhor coisa que me aconteceu. Foi maravilhoso observar o meu próprio renascimento”.

No tratamento, há aplicação de hormônios e hoje, a barba e a voz grossa não deixam duvidas de que João é de fato um homem.

“Mudar minha aparência é só uma forma de eu olhar diante do espelho e ver o reflexo da minha felicidade plena. Não é só uma questão física, mas também psicológica, que envolve a forma como eu gosto de ser chamado e visto. De acordo com minha identidade de gênero”, diz.

Mas de acordo com o ele, além de todo o preconceito, o processo de transexualização ainda segue uma logística delicada. Para que o paciente compre os medicamentos, ele deve passar por tratamento psiquiátrico de dois anos, até conseguir um laudo que comprove a condição sexual.

“A transexualidade é a minha identidade de gênero, então a partir do momento que eu preciso da autorização de uma outra pessoa sobre o que eu sou, isso é um desrespeito”, critica.

O próximo passo do processo ele espera realizar ainda este ano, quando vai retirar os seios, cirurgia que custa cerca de R$ 10 mil.

Sem medo de repercussão ruim diante da vida exposta sem receio, João defende que falar ainda é melhor forma de esclarecer e criar barreiras contra o preconceito. “A verdade é que os tabus só são quebrados quando alguém tem coragem de falar sobre eles. Eu não enxergo minha transexualidade como um castigo e sim como um presente. Eu sou João e sempre fui assim”, ensina.

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