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Comportamento

No auge, músico trocou carreira pela droga e só superou por aposta de um amor

Paula Maciulevicius | 25/06/2015 06:23
Apesar de parecer uma ameaça, para André, a namorada Luana, hoje esposa, foi a única a apostar na recuperação dele. (Foto: Fernando Antunes)
Apesar de parecer uma ameaça, para André, a namorada Luana, hoje esposa, foi a única a apostar na recuperação dele. (Foto: Fernando Antunes)

O auge que a banda Curimba alcançava, de fãs no Estado e do reconhecimento fora daqui, era o mesmo vivido pelo vocalista André Stábile com as drogas. Dependente químico por sete anos, foram sete meses de internação, que vieram com o anúncio de pausa do grupo, em 2011, para depois vir a confirmação do fim. No ultimato da namorada Luana, André se internou. Apesar de parecer uma ameaça, para o músico, ela foi a única a apostar na recuperação dele. André se converteu e hoje conta essa fase ao Lado B.

A intenção não é só mostrar uma superação vivida à época, mas narrar um pouco da história do casal onde tudo, primeiro tende a dar errado, para depois se acertar. O caminho que eles escolheram para trilhar o amor é baseado na fé. O resultado é uma misturinha gordinha e pra lá de sorridente dos dois, Céu. A filha que tem 10 meses.

André e Luana, que depois de casada também assina Stábile, se conheceram em 2010 e começaram a namorar um ano depois. O relacionamento foi, desde o início, intenso. André foi morar sozinho e os dois dividiam a vida. "Era todo dia, o dia inteiro junto. Fui dependente químico por sete anos, nessa época, eu estava no auge e ela não sabia". Aí que a história começa a se desenrolar de uma maneira que a gente interpreta que, acima da força de vontade dele, esteve o amor dela.

O caminho que Luana e André escolheram para trilhar o amor é baseado na fé. (Foto: Fernando Antunes)
O caminho que Luana e André escolheram para trilhar o amor é baseado na fé. (Foto: Fernando Antunes)

"Eu estava num estágio tão dependente que a droga era prioridade na minha vida. Eu era vocalista de uma banda, mas vivia para a droga. Deixava de falar com a minha mãe, deixava de fazer o que fosse para usar e usava diariamente. Dependente químico, ele não está nem aí, a prioridade é a droga", relata André.

Ele tinha 24, Luana, 18 para 19 anos. André segue a história dizendo que até conseguia disfarçar bem e que, nas suas palavras, se esforçava ao máximo para não aparecer "loucão". "Mas eu saía dos shows e ia usar droga, sozinho". O vício preferido era a pasta base, depois vinha a cocaína, o ácido... "Eu não tinha sensibilidade nenhuma, inclusive com a Luana. Eu disse pra ela 'eu uso droga, se você quiser ficar comigo vai ser assim'. Ela disse que sabia onde estava pisando". Luana, completa que na inocência, não imaginava o quão fundo era o estágio de André.

Nessa altura a família dele, segundo eles relatam, já estava desacreditada. "Meu pai falava pra ela, larga mão, não tem volta". Mas em contrapartida a Luana também tinha uma história de preconceito que ela sempre soube lidar. "Ela descobriu desde cedo a sexualidade dela, gostava de meninas", explica André. Luana confirma que viveu quase a vida toda se relacionando com mulheres. "Então a gente era um casal muito louco, o mais torto do mundo. O drogado com a sapatão", resume André.

O músico descreve parte das infinitas vezes em que pisou na bola com a namorada. Em cinco meses de namoro, foram três recaídas até vir o ultimato da parte dela. "Magoei muitas vezes, cheguei a roubar o carro da minha sogra, sumir dois dias com ele. Coisa que dependente faz".

"Eu tinha 18, 19 anos, eu vi que estava perdendo a minha vida. Amizades eu já tinha perdido mesmo..." quando Luana começa a descrever seu lado, o marido explica que quando as pessoas ao redor descobriram a dependência química dele, saíram de perto e mais, a aconselhavam a fazer o mesmo. "É o que acontece. Existe sim essa parte do preconceito, mas por conta dela sofrer isso a vida inteira com isso, ela conseguiu enxergar", sintetiza ele. Ela afirma de novo o que foi dito naquele momento "eu não vou fazer isso".

"A Luana foi a única que apostou. Ela foi providenciar na época internação. Perguntou se eu queria parar e que estávamos juntos. Ela jogou a bóia, ela e minha sogra e diziam segura daí, que a gente vai segurando daqui".

Última apresentação de André como vocalista no Curimba.
Última apresentação de André como vocalista no Curimba.

Na última recaída, depois de horas sumido, André ouviu de Luana que se quisesse falar com ela de novo teria de se internar. "E você como dependente tem aquela do vou conseguir me curar sozinho, não precisa internar..."

"Antes meu sonho, desde criança sempre foi ser artista. A banda... Isso foi se perdendo pela droga e eu sabia que me internar era perder a banda. A gente estava no auge, tinha um DVD para lançar, que nunca foi lançado".

Internação - No start da internação, a Clínica Carandá, foi a primeira ideia que veio à cabeça e custaria, em média, R$ 10 mil no primeiro mês. André que já não falava com o pai, voltou ao diálogo assim que decidiu pela internação.

"Eu já estava no meio, não era uma coisa de final de semana. Eu estava começando a me envolver no crime, no tráfico e você acaba fazendo favores e vive a vida dentro do ciclo da criminalidade. Quando você é viciado, dependente, você tem duas saídas: é preso ou morre.

Morre de overdose ou de tiro. Eu dei PT em carro duas vezes. Você pode tomar um tiro porque está com droga, porque está devendo traficante. Aí me deu: eu preciso parar, eu preciso parar".

Para a clínica, a fila de espera era de 20 dias, período que o casal sentiu que não conseguiria passar. Através de uma amiga, eles foram à chácara da igreja Peniel e numa quarta-feira, num culto de libertação, André chegou desacreditado. "Na igreja? Eu pensava o que eu vou fazer na igreja? Eu preciso de remédio, ser amarrado. Eu olhei e falei não funciona. O tanto de cara maluco que eu conheço aí e aqui só tem quatro?

Eu era um leigo, não sabia nada de Deus. Mas quando cheguei lá e comecei a ouvir, se existe mesmo, ele é muito foda e eu preciso desse cara. Normalmente quem usa droga está procurando alguma coisa e é um negócio louco você ouvir que pode ser feliz sem a droga. Isso toca no coração, você fica emotivo. Eu senti uma coisa que eu só sentia com a droga. Me senti feliz, completo. Eu acredito que é uma questão espiritual e emocional".

As cartas trocadas entre o casal enquanto ele esteve internado. (Foto: Fernando Antunes)
As cartas trocadas entre o casal enquanto ele esteve internado. (Foto: Fernando Antunes)

Depois de 20 dias de triagem, André se internou em setembro, cerca de 20 dias depois do último show em que a banda Curimba foi atração principal, na cidade de Ilha Solteira, em São Paulo. O método da chácara é, segundo André, de moldar a parte espiritual, o caráter e trabalhar a 'laboterapia'. Na zona rural, trabalho braçal é o que não falta e a transpiração é o modo usado para expulsar a droga. "O dependente químico, ele chega fragilizado, ele está acostumado a mentir, a roubar, a passar as pessoas para trás..."

Foram sete meses de internação. Com uma visita mensal e a comunicação feita através de cartas. Lá dentro não pode nem fone de ouvido. "Hoje a gente é bem de boa em relação ao nosso posicionamento religioso, me classifico como evangélico, mas vejo que na época era necessário, se não fosse na porrada mesmo, você não para e a igreja, sabiamente, faz isso. Lá é só você, a galera e Deus. Quando você sai, parece outro planeta aqui fora".

Convertido desde o primeiro culto, André recebia a visita da família e de Luana. Os dois tinham sete meses de namoro quando entraram na internação. O mesmo período foi vivido no tratamento. Em dezembro de 2011, os pais dele levaram as alianças para a chácara e no Natal, André pediu Luana em casamento.

Do lado de fora também era difícil para quem ficou. "Eu estava sozinha, nessa época as amizades tinham sumido. Minhas amigas não aceitavam o fato de eu ter me convertido. Eu também estava passando por um processo de limpeza, de conversão.

Nos casamos um mês depois que ele saiu, aí começou a nossa história. A gente tinha só uma cama, geladeira e um fogão", repassa Luana.

Saída - Em abril, sete meses e um dia depois de internado, André deixou a chácara, sem emprego e nem perspectivas. "Eu era músico há 10 anos, era a única coisa que eu sabia fazer e eu não queria mais essa vida. Até hoje eu sou músico, mas não podia viver mais daquele jeito. Eu já estava no trabalho braçal, fui fazer asfalto, fazer quebra-molas..."

Quando os dois casaram, receberam de um amigo da igreja o conselho do "passo de fé", que era crer e esperar que tudo daria certo. A vida deu reviravoltas. De Campo Grande, o casal foi morar em Florianópolis, até retornar para cá, depois da gravidez de Luana. 

Parceiros na vida, os dois reforçam que estão juntos para o que der e vier. Palavras que nem precisam ser ditas diante de uma história dessa. "Eu vejo que a gente é muito privilegiado por ter passado por tudo isso. Parece que somos casados há 10, 15 anos de casado", diz ele. "Sou muito grata pude dar um pai pra minha filha, a gente se ama acima de todas as coisas e vive para ela".

Volta - Na chácara, André conta que pensava em voltar com a banda, os shows e tudo ao normal assim que deixasse a internação. "Até porque estávamos num nível profissional, era como uma empresa e rolava a normativa de não poder usar nada antes. Fazer o show sóbrio e só depois... 

No nosso último show, em Ilha Solteira, eu já estava na onda de parar. Bebi dois energéticos e fui para o ônibus. Eu percebi que era um mundo de ilusão. Durante 2h você era um deus, depois não tinha nenhum amigo. Quando a gente sai, sai meio bitolado mesmo, rola um baque quando você para de usar drogas.

Aí você vê que é descartável no mundo artístico. Eu cheguei a tocar para 30 mil pessoas em Campo Grande e recebi duas cartas na chácara de pessoas de fora da minha família. Quando eu saí da chácara? Você espera ser recebido".

Depois de voltar à cidade, André conta que um dos integrantes do Curimba o procurou para saber como seria a banda. "Eu disse não vou mais voltar, podem usar minhas músicas, não tem problema". 

Hoje André está com 28 e Luana, com 24. Desde então, ele até tentou montar banda umas duas, três vezes, mas o ritmo de trabalho na área de publicidade não deixa tanto tempo para a dedicação. Paralela à carreira na propaganda, André toca num projeto com um grupo de rap, segue compondo e continua músico. 

Hoje André está com 28, Luana, com 24 e a filhinha Céu, com 10 meses. (Foto: Fernando Antunes)
Hoje André está com 28, Luana, com 24 e a filhinha Céu, com 10 meses. (Foto: Fernando Antunes)
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