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Comportamento

No Candomblé, casamento tem 'fale ou cale-se para sempre' decidido por orixás

Paula Maciulevicius | 11/11/2013 06:11
Raquel e Valdecir se casaram no terreiro Ilè Dará. (Fotos: Cleber Gellio)
Raquel e Valdecir se casaram no terreiro Ilè Dará. (Fotos: Cleber Gellio)

No casamento no candomblé, em que todos vestem branco e só os noivos usam sapatos, a benção é dada pelos orixás. O ‘sim’ precisa vir primeiro deles para depois serem ditos pelos noivos. O juramento de amor eterno é feito ao comer o fruto sagrado na religião e a troca de alianças é coadjuvante numa cerimônia repleta de significados.

O casamento de Raquel e Valdecir, no Candomblé, aconteceu no terreiro Ilè Dará, no bairro Santo Luzia, neste final de semana, em Campo Grande. Ela, Raquel da Silva, tem 42 anos, trabalha como técnica em enfermagem e segue a religião há quase duas décadas. Ele, Valdecir Sanches Pimenta, de 38 anos, é do ramo de operação de máquinas e conheceu o Candomblé pela, agora, esposa, no início de namoro há três anos.

Nos preparativos para a cerimônia, quem passa os olhos procurando uma noiva se perde entre tantas mulheres de branco. Todas vestem a mesma cor e trabalham os detalhes com lenços e acessórios coloridos, mas não tem erro se olhar as mãos. Quem vai casar entra de buquê até mesmo no Candomblé. Já o noivo, deixou de lado o terno escuro e também vestiu branco.

A noiva não parecia em nada nervosa, Raquel é só tímida, mas o brilho nos olhos e o sorriso que estampava o rosto transpareciam a felicidade de se chegar ao grande dia, e ali, onde ela sempre sonhou, na religião. “Eu amo, isso aqui é minha vida, meu tudo, meu equilíbrio” diz apressada antes de se posicionar para a entrada da noiva.

O fruto sagrado da religião, o ‘obi’, que sela o futuro do casal. É diante dele que é feito compromisso de amor um ao outro.
O fruto sagrado da religião, o ‘obi’, que sela o futuro do casal. É diante dele que é feito compromisso de amor um ao outro.
Dividido em quatro gomos, quando jogado, o obi precisa voltar todas as partes para cima, sinal de que o casamento é da vontade dos orixás.
Dividido em quatro gomos, quando jogado, o obi precisa voltar todas as partes para cima, sinal de que o casamento é da vontade dos orixás.

Sob um tapete vermelho que corta o salão e chega até o altar, passam, primeiro o noivo, seguido dos padrinhos, para então, entrar Raquel. A noiva é conduzida até o futuro marido pelo pai no Candomblé, já que o pai biológico, não é mais vivo. As notas repetidas que anunciam a marcha nupcial são substituídas pelas batidas do atabaque, que no ritmo das palmas dos padrinhos, convidados e filhos da casa, embalam o Ijexá, o toque de Oxum, considerado o orixá da fertilidade, maternidade e que zela pelos sentimentos.

O significado do toque é tão forte que mesmo quem não conhece nada no Candomblé, sabe que a música, equivale a emoção de se ouvir a marcha nupcial. Os olhos se voltam para a noiva, como em toda e qualquer cerimônia, ela é entregue ao noivo no altar para que as bênçãos comecem.

Um dos sacerdotes que realiza o matrimônio é o ‘babalorixá’ da casa, Lucas Junot Dutra Morisson, de 26 anos. Ele começa como um sermão, dizendo que eles estão ali hoje para selar a união através dos orixás. “Nosso casamento existe como em qualquer outra religião”, diz ao explicar a autonomia que o terreiro tem para os enlaces.

“O matrimônio é viver a vida juntos, saber respeitar as diferenças, que se somarão até vocês atingirem a cumplicidade. O amor é construído como uma casa, tijolo, acima de tijolo. E hoje vamos celebrar aquilo que os orixás já sabiam que ia acontecer. Se ajoelhem para consultar se é da vontade deles”.

Nas mãos, o ‘obi’, fruto sagrado da religião, formado por quatro gomos. A consulta aos orixás é feita ao dividir os gomos e jogar diante dos noivos. É como se abrisse a margem para que, se alguém tiver algo a dizer, fale agora ou cale-se para sempre, das cerimônias tradicionais.

Alianças são coroas de Obará. Na religião, o enlace é demonstrado por elas, que são colocadas pelos padrinhos de casamento.
Alianças são coroas de Obará. Na religião, o enlace é demonstrado por elas, que são colocadas pelos padrinhos de casamento.

No entanto, os únicos que podem se pronunciar são eles. Se as quatro partes caírem para cima, ‘aláfia’ é dito em coro, sinal de que os orixás abençoam e recebem a união do casal como algo escrito para acontecer. “Aláfia. Está entregue, aceito e que assim seja a vida de vocês”, profetiza o babalorixá Lucas. E novamente outro cântico é puxado pelos presentes no batuque do atabaque.

Feita a vontade dos orixás, é a vez dos noivos dizerem ‘sim’, através do mesmo fruto. Como sinal do amor e da fidelidade, eles selam o compromisso de amar um ao outro na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, mastigando as sementes.

“É pela vontade de cada um de vocês que estão aqui hoje?” pergunta Lucas. A resposta é sim e ele então segue a explicar o juramento. “Isso requer sabedoria e honestidade. É sua jura ao mastigar o obi e vale mais que milhões de contratos”.

Raquel e Valdecir trocam os obis e mastigam juntos. Momento em que se aproximam os padrinhos para o enlace, simbolizado pelas coroas de Obará, a aliança, convenção do mundo porta afora do terreiro, ali equivale às coroas. A dele, coberta por folhas de louro, significa o ciclo da vida e da prosperidade, já a dela, reprodução e fertilidade. O enlace é feito pelos padrinhos, perante o sacerdote e toda comunidade.

Antes do ‘pode beijar a noiva’, eles trocam as alianças, ritual dos matrimônios tradicionais. “Eu agradeço aos orixás por colocarem você na minha vida. Através de você comece nova caminhada”. Estas foram as palavras de Raquel diante dos votos matrimoniais. A cerimônia se encerra com a chuva de arroz, sob os cânticos que desejam felicidade absoluta ao casal. Agora, declarados marido e mulher.

Enfim, casada, Raquel joga o buquê para as solteiras da festa. Apesar de não aparecer na foto, no Candomblé, os homens também entram na briga.
Enfim, casada, Raquel joga o buquê para as solteiras da festa. Apesar de não aparecer na foto, no Candomblé, os homens também entram na briga.
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