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Comportamento

No último ano da faculdade, doença criou maior medo de Bruna, a cadeira de rodas

Paula Maciulevicius | 22/02/2016 06:12
Bruna, 22 anos, prestes a se formar, 15 quilos a mais e um diagnóstico de "arrasar". (Foto: Alan Nantes)
Bruna, 22 anos, prestes a se formar, 15 quilos a mais e um diagnóstico de "arrasar". (Foto: Alan Nantes)

A suspeita vem desde outubro, a sentença veio em janeiro. Aos 22 anos de idade, no penúltimo semestre de Enfermagem, o maior medo de Bruna Gabriella é ficar numa cadeira de rodas. Consequência que ela sabe que virá, mas espera que seja daqui muitos anos. 

"Eu sentia um formigamento do lado esquerdo. Amanheci sábado, dia 19 de setembro, sentindo esse formigamento no braço e na perna e depois foi passado para a mão", recorda Bruna Gabriella da Silva Batista, sobre os primeiros sintomas. Na manhã seguinte, ela que é adepta das corridas, partiu para uma de cinco quilômetros. Na semana que entrou, além do formigamento, também passou a ouvir um zumbido nos ouvidos e mal sentia os pés. Dormia e acordava da mesma forma.

Na volta do estágio para casa, mal conseguiu andar sem se escorar pelos muros e portões que encontrou no caminho. A família então a levou correndo para a Santa Casa, onde a jovem deu entrada com suspeita de AVC, fez tomografia e foi liberada. No dia seguinte voltou, os exames foram refeitos e os médicos decidiram que ela deveria ficar internada até que a causa de tudo aquilo fosse descoberta.

No penúltimo semestre da faculdade, Bruna tem planos de fazer residência e se especializar na saúde da mulher. (Foto: Marcos Ermínio)
No penúltimo semestre da faculdade, Bruna tem planos de fazer residência e se especializar na saúde da mulher. (Foto: Marcos Ermínio)

Foram oito dias de Santa Casa, em setembro do ano passado, até que uma ressonância magnética apontou a primeira suspeita. Uma doença que até então ela, mesmo sendo da área da saúde, pouco conhecia. "Eles suspeitaram por causa das lesões na massa branca e cinzenta. Aí era esclerose múltipla ou reação da vacina H1n1 que eu tinha tomado em junho... Eu já tinha visto na televisão, mas nunca tinha tido curiosidade de saber..."

"Demorou a cair a ficha de tudo o que estava acontecendo. Foi tudo muito rápido, eu tinha acabado de sair de uma semana de provas. No momento eu fazia tudo ao mesmo tempo e fiquei bem assustada, minha preocupação era a faculdade. Demorou a cair a ficha, eu pensava: é um sonho, qualquer momento eu vou acordar e vai ser tudo mentira".

Bruna se deparou com o diagnóstico de esclerose múltipla, confirmado através do exame de líquor, em janeiro. 22 anos de idade, uma vida toda pela frente e mais, um histórico saudável desde sempre. O hospital que era para ela só trabalho e aprendizado, acabou virando rotina pelo outro lado. De repente de acadêmica de Enfermagem, ela se viu paciente.

"Mudou toda a minha vida. Antes eu era uma pessoa que fazia tudo e hoje não mais. Eu pegava ônibus, resolvia minhas coisas sozinha, de repente, eu não ia mais nem ao banheiro sozinha. Era a minha mãe ou o Marcos [namorado]", conta.

As lágrimas tomam conta na hora de falar do maior medo: ficar numa cadeira de rodas. (Foto: Alan Nantes)
As lágrimas tomam conta na hora de falar do maior medo: ficar numa cadeira de rodas. (Foto: Alan Nantes)

Nas primeiras sessões de pulsoterapia, o forte medicamento deu taquicardia na jovem e trouxe as primeiras consequências da esclerose múltipla, os surtos ou crises, que vinham a cada virada de lado na cama. Como um botão que era ligado, ela sentia formigar dos fios de cabelo até os pés, passando pela garganta e quando encontrava as mãos, as transformavam em garras. Eram 15 segundos que pareciam eternos.

"Meu coração ficava extremamente acelerado. Eu entrava em desespero, gritava dentro de casa que a minha mão não ia voltar, eu ficava preocupada em ficar daquele jeito", descreve Bruna.

"Quando caiu a ficha, eu sentei e chorei. Por que eu? Por que comigo? E do nada acontecer isso?"

De imediato, o meio grau de astigmatismo que ela tinha evoluiu para 1,5 de miopia e os óculos entraram na vida dela obrigatoriamente. Do pescoço para baixo, de início, ela sentia mais fraqueza do lado esquerdo, o que hoje já reveza com o direito. "Não dá para saber onde tem mais lesões. Eu sinto dos dois lados... Fiquei bastante trêmula, se for fazer tudo muito rápido, eu começo a tremer", relata.

Para agir nas inflamações, os médicos passaram corticoide, o que fez a estudante engordar 15,5 kg e pular do manequim 38/40 para o 44/46. "A primeira coisa que eu percebi foi o rosto. Eu tirei uma foto com uma amiga e a partir daquele momento, comecei a ver que estava inchando muito".

Bruna ao lado do namorado, Marcos, na corrida. Um dos esportes preferidos dela. (Foto: Mitio)
Bruna ao lado do namorado, Marcos, na corrida. Um dos esportes preferidos dela. (Foto: Mitio)

A doença é "desmielinizante", ou seja, o sistema imunológico de Bruna ataca a bainha de mielina, que numa explicação simples, é a capa de proteção dos neurônios. "Por isso eu tenho essas alterações neurológicas no sistema central. Tem pessoas que tem afetada a fala, eu graças a Deus não", agradece Bruna. Ficaram como sequelas o desequilíbrio ao andar, a visão e a memória.

"Tudo mudou, não é mais igual. Eu sinto muita fadiga, calor. Minhas roupas eu perdi tudo por causa do peso, começou a aparecer estria para tudo quanto é lado, mas agora estou me acostumando com a situação. Sei que não tem cura e o jeito é aprender a lidar".

Bruna enxerga o aprender a lidar como dizer para si mesma que não pode mais ser a pessoa ativa que era antes e que precisa, e muito, manter a calma. O estresse e a ansiedade também são fatores que desencadeiam os surtos. O caminho a seguir é começar o tratamento específico que vai impedir que as crises recorram. É uma medicação injetável a ser tomada três vezes por semana, que age no sistema imunológico, somada ao interferon e a vitamina D. "Eles controlam esses surtos, mas as lesões, não têm jeito. Elas tendem a aumentar. É meu corpo atacando meu corpo e não tem como segurar".

Desde que a esclerose múltipla entrou na vida da estudante, o medo é um só: as sequelas. "Ficar numa cadeira de rodas. Esse é o meu maior medo, eu sei que é a isso que a doença vai levar. Eu vejo o estado de outras pessoas, é degenerativo e eu sei que pode levar 30 anos, mas é o meu futuro. Vai chegar o momento em que eu vou perder as minhas funções e isso infelizmente vai acontecer".

Se a doença interrompeu sonhos? No começo, até que sim, mas hoje não ocupa mais todo esse espaço. A rotina de tratamento e cuidados ensinou à Bruna que é possível terminar a faculdade de Enfermagem, apresentar o Trabalho de Conclusão de Curso, prestar a prova para residência de Obstetrícia e Ginecologia e se casar.

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