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Comportamento

Pai de santo desde os 16 anos, jovem mora em terreiro e foge dos estereótipos

Paula Maciulevicius | 11/09/2013 06:26
Longe daquela imagem que se tem dos pais de santo, jornalista é sacerdote há 9 anos. (Fotos: João Garrigó)
Longe daquela imagem que se tem dos pais de santo, jornalista é sacerdote há 9 anos. (Fotos: João Garrigó)

Ele é branco, jovem, pai de família, não fuma cachimbo a todo momento e fala da religião com paixão. Lucas Junot Dutra Morisson, 25 anos, é pai de santo dentro do Candomblé desde os 16 anos. Brincalhão, cercado de amigos crendice afora e jornalista, ele quebra qualquer estereótipo que venha à cabeça. "As pessoas acham que vão pegar um sacerdote velho, gay e acham que é um padrão. Assim como eu, tem outros jovens. A maioridade religiosa independe da cronológica. Se a pessoa tem vocação, ela tem a missão de ter uma casa e cuidar dos outros", diz. Claro que para chegar até esse nível foram sete anos de preparo e uma sabatina até que lhe fosse dados os direitos de pai de santo.

O termo abrasileirado para o sacerdote é "babalorixá", mas popularizou devido ao significado de 'baba' ser papai, e 'orixá' como zelador espiritual. A tradução que caiu na boca do povo ficou como pai de santo e na cabeça de muitos, vem carregada de preconceito. O rapaz que, por exemplo, te acompanha num bar para uma cerveja e vai pra balada final de semana, mora dentro de um terreiro que hoje tem 60 frequentadores, de crianças à senhoras que o chamam de pai. O jovem encara a religião como modo de vida, tanto é que passa os princípios para quem perguntar. Quando do outro lado, se ouve quem ele é, a reação imediata, segundo ele, é de curiosidade, justamente pelo estereótipo que muita gente tem formado.

O pai de santo não tem nada da imagem de charlatão e tem o jornalismo como profissão, ou seja, nem ele e nem a família vivem do terreiro. Quem frequenta, costuma contribuir apenas para manutenção da casa. "Não é uma condição, mas como é um templo religioso e que não é isento de água, luz e impostos, as pessoas, quando podem, contribuem. Mas para a minha vida pessoal, daqui não sai 1 real", deixa bem claro.

Além da luta que trava para vencer o preconceito contra a religião, ele ainda se depara com supostos pais de santo que aparecem na mídia cometendo crimes em nomes de rituais. "Falo que sou do Candomblé e as pessoas veem com olhos ruins. É como qualquer religião, acredita no bem, no amor, não tem nada de negativo, a maldade está no coração das pessoas". O último caso de ganhou as manchetes, de homem que se passava por pai de santo, estuprou mulheres dentro do que chamava de rituais. "Não existe qualquer conotação sexual em qualquer ritual. Eu sou pai de santo, eu zelo pelos meus filhos, seria como incesto", explica.

Ele trabalha pelos outros e também para desmistificar o que se formou em torno da fé que acredita.
Ele trabalha pelos outros e também para desmistificar o que se formou em torno da fé que acredita.

Filho de mãe de santo, ele cresceu em uma casa democrática. Tanto é que entre os dois irmãos, um é ateu e o outro pastor. "Minha mãe não deixava, ela falava que a gente tinha que crescer para escolher o que queria ser na vida. Aos 9 anos eu manifestei o desejo de estar aqui e me iniciei. Fui me relacionando com as pessoas e isso contribuiu muito para o meu amadurecimento e sensibilidade", diz.

Dentro de uma religião primitiva que não tem Bíblia e os ensinamentos passam de boca a boca, ele resume que ser do Candomblé é mais do que praticar. "É modo de vida, não tem nada de capeta. A gente lida direto com a natureza. Cada força da natureza é regida por um orixá, terra, ar, floresta, rio e mar e a soma de tudo isso é o que nós entendemos como Deus. O Candomblé é uma religião monoteísta", reforça.

Como pai, o trabalho dele, apesar de pouca idade, é de aconselhar e orientar quem precisa. No fim acaba sendo uma troca, ele ouve as histórias de vida e se dedica às pessoas e a desmistificar o nome da fé em que crê. Em uma conversa de minutos, se o assunto chegar à religião, é certo que ele assume para quem for a posição que ocupa dentro do Candomblé. Não por querer mostrar superioridade, mas por assumir a própria identidade. "Se hoje eu sou uma pessoa de bem, eu devo isso à minha religião, isso me formou ser humano, eu assumo em qualquer circunstância e me orgulho disso".

O endereço para caronas ou mesmo para um tereré, é o próprio terreiro. Piadista, o rapaz diz que gosta de tomar cerveja e como qualquer outra pessoa, trabalha para pagar as contas. "Mas parece uma coisa mágica, quando eu passo deste portão, esvazio de tudo que possa ser ruim".

Pai de santo há 9 anos, ele faz o convite para uma conversa. "Se alguém estiver precisando de conversa, de um bom conselho, eu como sacerdote, esqueço que tenho problema e vou pensar na resolução do seu, quando eu olhar para o meu de novo, a minha angústia, dor, vai ter sumido também. Isso é uma coisa muito especial pra mim", prega.

O preconceito bate à porta diariamente e muitas vezes até vem em forma de pedras. O terreiro onde mora e trabalha espiritualmente, na Vila Nasser, é frequentemente atingido por pedras, acompanhadas de xingamentos ao "macumbeiro". "Se todos que veem com olhos ruins tivessem a oportunidade de ouvir as histórias de vida que eu vi e ouvi, iam se esvair, a minha recompensa é essa coleção de histórias de vida. Candomblé pode não servir pra todo mundo, mas também não faz mal a ninguém", finaliza.

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