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Comportamento

Quando tudo indicava separação, casal superou morte da filha e agora tem Maitê

Paula Maciulevicius | 21/09/2015 06:24
Maitê é o nome da caçulinha da família, com pouco mais de 10 dias de vida. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Maitê é o nome da caçulinha da família, com pouco mais de 10 dias de vida. (Fotos: Arquivo Pessoal)

Julgamentos, dedos apontados e comentários circularam a tragédia de Carolzinha, a menina de 1 ano e 3 meses que morreu depois de ser esquecida dentro de um carro, em 2013. O pai que a levaria para a escola foi direto para o trabalho e a menina passou 6h dentro do veículo. Na contramão de tudo isso, quando todos apostavam na separação, os pais superaram juntos a perda da primeira filha e hoje vivem o perdão no sorriso de Maitê, a caçulinha da família que tem pouco mais de 10 dias de vida.

Nesta parte da entrevista quem começa falando é a mãe. Diante da morte da filha ela explica que na própria concepção, se não fosse dessa forma, seria de outra. "Eu acho que a gente já nasce com o dia estabelecido para voltar. A única coisa que questiono é ter sido tão triste, tão trágica e deixar ele tão dolorido, um pai culpado para trás..."

O contato com outros casais que passaram por situações semelhantes foi uma das primeiras medidas adotadas por eles e ressaltou aos olhos da mãe que haviam dores muito maiores. Principalmente porque muitos destes pais se separaram ou se afastaram de forma ímpar.

O primeiro casal com quem ela entrou em contato foi do Rio de Janeiro. O fato era o mesmo e havia acontecido pouco tempo antes. "Fomos até o Rio de Janeiro conhecê-los pessoalmente, eu contactei o pai, para ver se ele ajudava, porque o meu marido estava arrasado", lembra.

O marido justifica que a morte de um filho traz a qualquer um o sentimento de culpa, mas no caso dele, era ainda maior por ser o responsável do que aconteceu. "Ela estava sob a minha guarda. A minha esposa foi fundamental na minha recuperação. Em momento algum, momento algum, ela me culpou, me apontou o dedo, me disse uma palavra que pudesse dar, de longe, a entender... E isso foi fundametal para a manutenção do nosso relacionamento", descreve o pai. 

À irmã será contada história de que Carol é o anjo da família.
À irmã será contada história de que Carol é o anjo da família.

A Carol era tudo para eles. E de um dia para o outro, a casa ficou vazia e o silêncio só era interrompido pelo choro dos dois. "Eu não ia conseguir viver com o sentimento de que eu tirei o bem maior que a gente tinha", diz o pai. A repercussão do episódio, embora pequena na cidade, não os privou de serem alvo de quem queria justiça a todo custo. "Chegaram a mandar vídeos para nós e mensagens de que o pai que tinha que morrer, que se fosse um saco de dinheiro ele não tinha esquecido", conta a mãe.

Ao mesmo tempo era frequente o encontro com conhecidos que não sabiam do fato e perguntavam pela menina. "Aí passa um filme na sua cabeça. Se você não tiver um apoio, desestrutura totalmente", explicam. Quando um caía, o outro segurava. O dia em que um estava mais fraco, o outro precisava ser forte, mas foram muitas as noites em que eles choraram juntos.

Perdoar alguém é difícil, a si mesmo, muito pior. O pai relata que se sente responsável sozinho pelo que aconteceu e que ao passar dos meses, teve de trabalhar a culpa dentro de si mesmo. "Eu me sinto culpado, não tem como fugir, mesmo sendo involuntário, foi pelas minhas mãos, nada vai mudar isso. Até o último dia da minha vida eu vou lembrar de tudo isso que aconteceu". Nas cenas, o diálogo que ele trava consigo é sempre de "por que eu não fiz isso, aquilo..."

A mulher diz que não houve e nem há o que perdoar, mas que se existe essa necessidade, o marido foi perdoado. "Na minha cabeça não tem o que perdoar, só acho que tem quando é uma ação intencional. Conhecendo ele como eu conheço, o pai que ele era, para mim era inconcebível ter de perdoar". Ela também se coloca no lugar e pondera que poderia ter acontecido com ela. "Eu não estou acima do bem e do mal para perdoar, para mim a gente sofre junto". 

O quarto é o mesmo e só foi mexido quando a família soube que era menina.
O quarto é o mesmo e só foi mexido quando a família soube que era menina.

O pai explica que o sentimento de culpa e perdão, neste caso, caminham muito próximo. E toda vez que ele vê alguém chorando pela falta da filha, volta a culpa e a responsabilidade pelo sofrimento àquela pessoa.

Ele não procurou terapia. Ela sim. A mãe conta que no início procurava não demonstrar a dor perto dele, para não piorar o que já era drama. O especialista o fez enxergar que assim ela não vivia o luto.

"Nós não superamos não, estamos superando a cada dia. Superação não seria a palavra, mais adequada é a resignação. Você aceita", traduz o pai. Ele decidiu encarar o caminho para se perdoar. "Me perdoei, mas não tem como tirar isso de você, vai continuar sendo a mesma história. Por vezes eu me pego dirigindo, olho para trás e cadê a Carolina ali? Já me peguei conversando com ela dentro do carro, parado na frente da escola dela..."

Os primeiros meses foram complicados, mas o casal "lutou". Foram 13 meses de luto e a passagem por todas as datas: Natal, Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, dos Pais, aniversário.

Sem a filha, eles se viram sozinhos de novo. O companheirismo, a amizade e o respeito que sustentaram os dois na vivência do luto. Eles tinham de passar por isso, mas sem se atirar. As fotos continuam pela casa e são trocadas com frequência por outros sorrisos da garotinha. A de 1 aninho de Carol estampa uma das paredes do corredor.

Devagarzinho que eles foram arrumando as roupinhas e brinquedos. A cada toque, vinha a lembrança nítida e por menor que fosse a peça, depois de Carol, ela passou a ter uma grandeza que não cabe em palavras.

Católicos, mas nem tão assíduos, a mãe se aproximou do espiritismo, mas junto do pai, em momento algum diz ter se revoltado com Deus ou algo superior. Além de confiar, a mãe acredita que foi preparada aos pouquinhos para se despedir do presente que lhe foi dado.

Companheirismo, amizade e o respeito sustentaram os pais de Carol até a chegada de Maitê.
Companheirismo, amizade e o respeito sustentaram os pais de Carol até a chegada de Maitê.

Como mãe mais cuida do que brinca, dias antes do episódio ela brincou como nunca com a filha. "Era uma semana que o pai estava trabalhando muito. Minha mãe tinha dado um carrinho de boneca e toda hora ela apontava para esse carrinho. Ela só sossegou quando eu coloquei ela lá dentro. Para a Carol, foi a glória esse dia", descreve a mãe.

"Eu falo que Deus foi me preparando, porque eu tive pelo menos essa oportunidade de brincar. Eu nunca tive raiva, confio no poder de Deus. Ele foi tão bom em ter me dado a Carol que se arrependeu e pegou de volta. E ela ainda foi tirada com vida do carro, tivemos dois dias para absorver que ficaríamos sem ela...", completa a mãe.

O aniversário de Carol é comemorado até hoje, mas de outra forma. Os brinquedos que seriam dados a ela foram substituídos por roupas e alimentos doados para instituições de caridade. Uma escola foi toda reformada pelo pai, junto de um grupo, e a intenção é colocá-la para funcionar e atender 200 crianças que os pais não tenham com quem deixar. O local, claro, levará o nome de Carolina.

"A gente se propôs a comemorar o aniversário dela todo ano, porque ela foi tão importante na nossa vida que a gente não quer deixar de comemorar e tentar trazer para nós um conforto de ajudar outras crianças. Fazer por outras o que a gente não vai mais poder fazer por essa nossa filha", explicam.

Um ano e 1 mês depois da morte de Carol, veio a segunda gestação. A mãe não fez nenhum tratamento para engravidar, embora soubesse que um problema no ovário poderia tornar o desejo de ser mãe de novo mais difícil. O intervalo entre uma tristeza e uma felicidade foi vivido para o luto.

"Foi o ideal, se viesse uma criança de imediato, talvez a gente tentasse substituir e nos confundiria muito. Não que a gente não estivesse prontos para amar e cuidar, mas acho que os sentimentos ficariam confusos e o momento seria de muita dor e talvez pouco aproveitássemos a alegria", descreve a mãe.

Ela também é enfática em dizer que ama a filha por ser sua filha, independentemente de parecer ou não com a primeira menina e que as características seriam semelhantes, porque são irmãs, filhas dos mesmos pais.

Maitê foi mais do que desejada. Quando a confirmação de que viria uma menina chegou, o quarto de Carol, que havia sido mantido até então, foi mexido. "Aí eu separei o que ia ser dado e o que ia permanecer. O quarto da Maitê é o quarto da Carol, só troquei decoração e enxoval de berço", diz a mãe.

A falta de Carolzinha é diária, mesmo com o nascimento da outra filha. A dor não vai passar nunca e o tempo é quem vai fazer os pais aprenderem a conviver com ela. "A Carol nos trouxe aproximação. De que um tem que cuidar do outro", diz o casal. "Hoje a gente se resume a aprender a viver. Todo dia a gente aprende um pouquinho a viver sem ela", completa a mãe.

Quando pergunto como eles vão contar à Maitê a história de Carol, a mãe responde da mesma forma que contou a mim. "Ela é uma presença constante na casa, na nossa vida. A gente não pretende esconder nada, até o fato. A gente tem a certeza de que temos um anjo e a Maitê vai ter também".

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