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Comportamento

Revoltado com declarações de vereador, reverendo sugere "ilha dos evangélicos"

Elverson Cardozo | 19/09/2014 06:45
Sérgio Nogueira discursou na tribuna da Câmara Municipal de Dourados. (Foto: Thiago Morais/Câmara de Vereadores)
Sérgio Nogueira discursou na tribuna da Câmara Municipal de Dourados. (Foto: Thiago Morais/Câmara de Vereadores)

Revoltado como fato de ter sido convidado, e não informado sobre o teor de uma série de palestras que discutiriam a homofobia na segunda maior cidade do Estado, o vereador, e atual presidente da Comissão Permanente de Assistência Social de Dourados, Sérgio Nogueira (PSB), causou polêmica, nesta semana, ao sugerir que homossexuais fossem colocados em uma ilha por 50 anos para ver qual seria o resultado.

O reverendo Carlos Calvani, da Igreja Anglicana da Inclusão, em Campo Grande, não conseguiu se calar. Para contrapor os argumentos do vereador, ele sugere um “exercício de imaginação”.

Em texto enviado ao Campo Grande News, intitulado “A ilha homossexual e a ilha evangélica”, ele descreve, de maneira hipotética, como seria a vida dos homossexuais isolados.

Para o vereador de Dourados, a medida extinguiria os gays da face da terra. Só assim, disse o parlamentar, em outras palavras, a “família tradicional” - pai/mãe, macho/fêmea, homem/mulher – voltaria a “reinar” em sua plenitude.

Já na opinião do pastor Calvani, o local “prosperaria com a grande quantidade de profissionais qualificados - arquitetos, urbanistas, advogados, professores/as.... teria belas festas, shows musicais de qualidade, com muita luz, brilho, plumas, paetês e alegrias. Com muitos homossexuais geneticistas e médicos/as de qualidade, logo encontrariam um método de inseminação artificial".

Reverendo Calvani, da Igreja Anglicana do Brasil. (Foto: Site Paulo Lopes)
Reverendo Calvani, da Igreja Anglicana do Brasil. (Foto: Site Paulo Lopes)
Calvani mostra os santos gays consagrados, São Sérgio e São Baco. (Foto: Divulgação/Capela da Inclusão)
Calvani mostra os santos gays consagrados, São Sérgio e São Baco. (Foto: Divulgação/Capela da Inclusão)

Sobre a continuidade da vida, ele defende que em tal ilha "crianças nasceriam por desejo de pais e mães e não por aventuras irresponsáveis. Seriam criadas com carinho, dedicação, e nas escolas, além das matérias básicas, haveria aula de música, teatro, dança. Não haveria crianças na rua, pois se um pai ou mãe morresse, alguém adotaria. Conflitos de poder? Isso há em qualquer sociedade, e o assunto nada tem a ver com orientação sexual....”

Na sequência, apresenta, em fases, a “Ilha Evangélica”, depois de 20 evangélicos naufragarem.

"Só 20. Não precisa um grande número para ilustrar a "teoria". Vamos, lá, proporcionalmente... 8 batistas, 5 metodistas, 4 presbiterianos, 2 luteranos, 1 anglicano.

Um mês depois – 4 batistas vão para o centro da ilha e criam a 1ª e a 2ª Igreja Batista da ilha; os outros 4 criam a 1ª Igreja Batista do norte da ilha e a 1ª Igreja Batista do sul da ilha; os metodistas se contentam com a Igreja Metodista Central; 2 presbiterianos criam a Igreja Presbiteriana Central da ilha; os outros dois criam a Igreja Presbiteriana Renovada da ilha; os luteranos criam uma igreja cada, ligada a diferentes sínodos; o anglicano decide não criar igreja porque nenhum bispo foi autorizar, não tinha onde comprar velas, e o Livro de Oração Comum se perdeu no naufrágio.

Dois meses depois – um racha nas 4 igrejas batistas faz nascer as igrejas carismáticas, renovadas e pentecostais da ilha; alguns metodistas e presbiterianos aderem, enfraquecendo suas igrejas. Os luteranos ficam indecisos e fazem um encontrão para se animarem. O anglicano vira ateu e faz churrasco aos domingos com outro luterano e um metodista.

Três meses depois – a 1ª e a 2ª Igreja Batista da ilha permanecem, mas alteram seu culto; a Igreja Metodista Central da ilha abandona o diálogo ecumênico; os presbiterianos sobrevivem a duras penas; um luterano mudou para a Igreja "Sara nossa llha"; o outro casou-se com o anglicano;

Quatro meses depois – As igrejas pentecostais e carismáticas dominam a ilha; mandaram prender dois metodistas, um luterano e dois presbiterianos, acusados de serem ecumênicos e subversivos. O casal anglicano e luterano conseguiu fugir para outra ilha antes de serem mortos, e foram felizes para sempre".

No mesmo texto, Calvani afirma que não duvida que o pastor colocaria, como disse, os homossexuais em uma ilha. “Não duvido que fariam isso em nome de Deus, caso conquistassem o poder”, escreve.

A polêmica - Na tribuna da Câmara Municipal, Sérgio não citou a Bíblia Sagrada nominalmente, mas o discurso dele foi inflamado e marcado pelo tom religioso.

“Quero conclamar Dom Redovino, bispo da arquidiocese de Dourados; quero conclamar meu amigo Padre Crispim, para nos unirmos em defesa da família, porque não dá. […] A prática do homossexualismo, condenada nas escrituras sagradas, agora se torna padrão comportamental”, disparou, depois de dizer que é contra a homofobia, assim como todos os vereadores, mas não pode aceitar que passem a ideia de que o anormal é normal e de que aquilo que aprendeu com o avó e com o pai está errado.

Sérgio se diz vítima de "campanha de difamação". (Foto: Brasil 247)
Sérgio se diz vítima de "campanha de difamação". (Foto: Brasil 247)

Antes, porém, o parlamentar citou a Constituição Federal e disse que estão rasgando a Carta Magna, “porque existe um plano nacional dos direitos humanos deste governo que está aí no nosso país”.

“Ela trata da desconstrução, em linhas garrafais, da família. […] Ou seja, para esse governo a família tem que ser desconstruída em seu padrão normal, no padrão que conhecemos, da família tradicional, para dar lugar a outros conceitos de família”, explanou.

Sergio foi interrompido e, neste momento, recebeu os cumprimentos pelo pronunciamento. Quem o elogiou fez questão de dizer que não estão rasgando só a Constituição, mas a Carta Magna de Deus, a Bíblia.

O vereador prosseguiu e, em determinado momento, deu as declarações polêmicas: “Eu respeito quem quiser fazer o que quiser do seu corpo. Pode, pode fazer o que quiser, mas não venha me dizer que isso é normal e que a sociedade precisa agir assim. Basta colocar as pessoas que pensam dessa forma em uma ilha. Coloca em uma ilha. Deixa lá quem quer viver a sua homossexualidade, lá em uma ilha 50 anos. Coloca duas ilhas, duas ilhas, 50 anos. Daqui 50 anos não tem mais ninguém. Por quê? Porque a família é constituída de pai, mãe, macho, fêmea, homem, mulher e daí vêm os filhos".

No final, disse que o assunto está lhe causando “muito constrangimento” e, por isso, precisava falar sobre ele. “Eu perguntaria se qualquer um dos vereadores aqui, em sã consciência, podendo ser adotados, podendo escolher ser adotados na idade da razão, 6, 7, 10 anos, se optaria por ser adotado por uma família de homossexuais”, finalizou.

Repúdio – O discurso do pastor não incomodou apenas Calvani. Incomodou a todos aqueles que defendem os Direitos Humanos, não enxergam a homossexualidade como doença e lutam por uma sociedade mais igualitária e fraterna.

A diretora executiva da Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Dourados, Claudia da Rosa de Assunpção, disse, em entrevista recente, que as declarações do vereador causaram indignação em toda a população LGBTT do município e de todo o Estado.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Dourados, Márcio Fortini, comparou a situação ao “Apartheid”, como ficou conhecida a separação entre negros e brancos na África do Sul.

Em Campo Grande, a Rede Apolo, de homens gays e bissexuais de Mato Grosso do Sul, emitiu nota de repúdio e classificou como “infeliz” a fala do vereador, porque reforça o preconceito, violência e ódio e, além disso, contribui para uma sociedade cada vez mais injusta e individualista. Em nota divulgada à imprensa, Sérgio Nogueira afirma que está sendo vítima de uma “campanha de difamação”.

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