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Comportamento

Transexuais dizem porque um homem que virou mulher precisa tanto mudar de nome

Elverson Cardozo | 12/05/2014 06:21

Com 15 anos, Reinaldo ainda se apresentava com o nome de homem. Aos 16, o adolescente, que nunca se identificou com a própria identidade masculina, passou a responder por Aline Lopes e, desde então, tem sido assim. Seis anos se passaram e só agora, aos 22, a travesti, que mora em Campo Grande, decidiu entrar na justiça para trocar de vez todo o registro que lhe traz dor de cabeça, lembrança e sofrimento.

“Não me vejo com esse nome. As pessoas perguntam quem é o rapaz da identidade e toda vez é esse constrangimento”, relata. Quando era mirim, e ainda não tinha a aparência tão feminina, a jovem conseguiu trabalhar em um órgão público, mas deixou o emprego de lado porque percebeu que não era bem vista. Alguns insistiam em chamá-la de Reinaldo.

A chateação com o nome era pequena se comparada ao escândalo feito por uma funcionária que a viu utilizar o banheiro feminino e de pedidos para cortar o cabelo que começava a ficar grande. “Por isso que eu saí de lá”, conta.

O período em que passou na entidade, uma secretaria do governo do Estado, não foi nada agradável, mas serviu para mostrar que, infelizmente, no mercado, não há muitas chances para quem tem coragem e necessidade de assumir a identidade pela qual se identifica.

Educadora social na ATMS, Bruna afirma que muitas meninas desistem de trocar o nome. (Foto: Arquivo Pessoal)
Educadora social na ATMS, Bruna afirma que muitas meninas desistem de trocar o nome. (Foto: Arquivo Pessoal)

A experiência foi tão traumática que ela nunca mais procurou emprego. “Agora eu faço programa. Se eu for tentar arrumar alguma coisa, além de não ganhar o que ganho agora, o povo vai ficar me chamando de Reinaldo, Reinaldo, Reinaldo. Não combina comigo. Não fica bem”, revelou, ao dizer que tem amigas, travestis, vivendo o mesmo dilema.

Educadora social na ATMS (Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul), Bruna Riquelme Marques, de 26 anos, confirma que, de fato, essa é uma situação frequente.

Entre outros motivos, a prostituição, na avaliação dela, está relacionada à falta de oportunidade. “Já trabalhei como costureira e líder de produção. Respeitar nomes as empresas até respeitam, mas quando envolve documentação aí complica. Eles sabem que o funcionário é transexual, mas colocam no crachá o nome de registro. A gente tem que pedir para refazer”, exemplifica.

Carteira de Identificação pelo nome social – Aline Lopes resolveu mexer com a papelada para troca de nome bem na época em que o Governo de Mato Grosso do Sul, por meio do decreto nº 13.954, de 7 de maio de 2014, assegurou o direito à carteira de identificação, por nome social, às travestis e transexuais.

Ela aprova a iniciativa, acha um avanço, mas não vê grande vantagem e explica o porquê: “Pelo que me falaram, vai ser só uma carteira, mas no resto dos documentos não vai ter o nome social”.

Modelo da Carteira de Identificação Social divulgada no Diário Oficial do Estado. (Foto: Reprodução)
Modelo da Carteira de Identificação Social divulgada no Diário Oficial do Estado. (Foto: Reprodução)

A “identidade”, que será emitida pelo CentrHo (Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate a Homofobia), ligado à Setas (Secretaria de Estado de Trabalho e da Assistência Social), não substitui o RG, CPF ou a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), por exemplo, mas será aceita em órgãos e entidades públicas do Estado.

Está aí o “avanço” mencionado por Aline, porque, na esfera pública, dentro do limite de Mato Grosso do Sul, ela terá esse reconhecimento. O problema, no entanto, esbarra, de novo, nas antigas reclamações, que abrangem, claro, a busca por um lugar no mercado de trabalho.

Bruna, a educadora social na ATMS, comenta que a carteira foi uma conquista, “um pequeno grande passo”, mas ainda falta mais. “O que a gente busca é ter os documentos, RG, CNH, CPF, com nomes femininos”, disse.

Aline até cogita solicitar documento do governo, mas quer mesmo é ver o nome de mulher no Certidão de Nascimento. (Foto: Arquivo Pessoal)
Aline até cogita solicitar documento do governo, mas quer mesmo é ver o nome de mulher no Certidão de Nascimento. (Foto: Arquivo Pessoal)

Enquanto isso não acontece, o “RG” do CentrHo, avalia, é um aliado e tanto para quem, assim como Aline, procura a justiça na tentativa de trocar o nome. “Acredito que vai ser mais rápido, porque o juiz quer uma prova de que você é conhecido pelo nome que se apresenta. Quer prova maior que uma carteira reconhecida pelo governo?”

A carteira de identificação por nome social ainda não começou a ser emitida. Depende, segundo a ATMS, de uma resolução. A associação já preparação uma ação para mobilizar a comunidade LGBT.

Via judicial - Em todo caso, o processo para alteração do nome em todos os documentos, desde a Certidão de Nascimento, não é tão demorado como a maioria pensa.

Quem garante é advogada da ATMS, Iracema Ferreira de Vasconcelos Silva, de 67 anos. “Depende da vara que vai processar essa ação. Pode levar um 1, 2 anos ou 6 meses”, afirmou. Há 2 anos na associação, ela já recebeu mais de 30 pessoas interessantes, mas deu entrada e 6 ou 7 processos.

O mais rápido levou 4 meses e o mais longo 3 anos. “Esse foi mais complexo porque, na verdade, a pessoa não tinha nenhuma prova de que tinha sofrido algum tipo de constrangimento e a aparência não tinha muita diferença entre masculino e feminino. A gente também pegou um período de férias, mas costuma ser rápido e simples. Nenhum juiz, atualmente, está questionando”, conta

Apesar da relativa facilidade, poucos procuram, acrescenta. “E eu não sei te dizer o porquê. Acho que as pessoas não querem enfrentar essa burocracia de ter de ir ao Fórum, porque é um processo normal, tem audiência, o juiz ouve testemunha, o Ministério Público se pronuncia...”.

Para Bruna Riquelme, o problema está na discriminação. “As meninas desistem de ir atrás. São tão hostilizadas que não sentem mais à vontade para procurar e buscar ajuda nos órgãos públicos. Decidiram se esconder” disse.

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