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Comportamento

A vida do pescador que virou pedreiro e hoje é catador de materiais recicláveis

Elverson Cardozo | 21/09/2012 20:45
Paulo Andrade já foi pescador, pedreiro e comerciante. Hoje, é catador de materiais recicláveis.(Foto: Simão Nogueira)
Paulo Andrade já foi pescador, pedreiro e comerciante. Hoje, é catador de materiais recicláveis.(Foto: Simão Nogueira)

Não era possível que aquele senhor com aparência superior a idade que me informara pudesse apenas confirmar que aquele terreno, um matagal na Morada do Sossego, em Campo Grande, estava mesmo abandonado. A história não poderia terminar ali. Resolvi, então, mudar o foco.

Deixei de lado o que fazia e, por alguns minutos, conversamos sobre a vida, conquistas, sobre sonhos. Falamos do passado, do presente e do futuro, ali mesmo, na rua Chapada dos Guimarães, a penúltima do bairro.

Em uma época onde propostas são “descarregadas” pelo rádio e televisão, muitas distantes da realidade, histórias como essa confirmam que nem tudo está “a mil maravilhas”, mas ainda é possível encontrar "gente do bem".

Em meio a um amontoado de entulhos espalhados em frente à casa onde mora e escorado no carrinho que utiliza para trabalhar, Paulo Andrade Silva aceita conversar, mas avisa que é “sistemático”.

Por fim, revela a idade e a profissão: Tem 54 anos e é catador de materiais recicláveis. Mora com a esposa e o filho mais velho, de 25 anos, em uma casa de duas peças, no mesmo terreno que comprou em 1978, quando chegou a Campo Grande.

Passaram-se 34 anos e muita coisa mudou na vida do homem que nasceu em Cuiabá. Em Mato Grosso, “seo” Paulo começou a trabalhar como pescador, mas acabou trocando os rios pelos canteiros de obra. Virou pedreiro, a “profissão original”, que aprendeu desde cedo, por volta dos 8 anos.

Mais tarde, mudou-se para Coxim, onde serviu o exército. Depois, resolveu tocar a vida em Aquidauana. Lá, Paulo casou, teve filhos e, novamente, mudou de ofício. Na cidade que fica a 135 quilômetros de Campo Grande, o ex-pescador virou comerciante e abriu um espaço de "secos e molhados", mas a estratégia não deu certo. Foi quando, em 1978, resolveu mudar com a família para a Capital.

Entulhos impedem visão da casa do catador. (Foto: Simão Nogueira)
Entulhos impedem visão da casa do catador. (Foto: Simão Nogueira)

Aqui, voltou a ser pedreiro. Três meses depois, um acidente mudou os planos. Durante a obra de construção do Terminal Nova Bahia, Paulo caiu de um andaime de aproximadamente três metros, fraturou o joelho esquerdo e apresentou desvio do menisco medial.

Só não teve a perna amputada porque não aceitou a decisão médica, mas hoje, como a estrutura calcificou fora da cavidade, ele caminha com dificuldade e sempre sente dores. Às vezes passa o dia inteiro na cama.

O problema, mais uma vez, o forçou a tomar uma nova decisão. Sem trabalho e sendo recusado de porta em porta, Paulo resolveu sair às ruas em busca do sustento. Não viu alternativa senão virar catador de materiais recicláveis.

Rotina - A maneira como Paulo honra o que faz chama a atenção. É o retrato do Brasil trabalhador, onde a riqueza concentra-se nas mãos de poucos e a democracia continua a ser questionável. Mas também é a prova de que caráter não se vende e que honestidade é uma qualidade em extinção.

Ele sai cedo de casa, antes mesmo do sol nascer. Às 3h da madrugada já está na rua, empurrando o carrinho, em busca de papel, papelão, latinha de alumínio ou qualquer material que, no final do mês, possa ser vendido para empresas que recolhem materiais recicláveis.

O lucro mensal é de aproximadamente R$ 300,00, mas o dinheiro sai rápido. Só de energia elétrica, o catador paga R$ 180,00. O resto vai para despesas alimentares e de saúde. “A gente não gosta, mas não pode é roubar”, comenta, se referindo à profissão.

Casa fica na rua Chapada dos Guimarães, na Morada do Sossego. (Foto: Elverson Cardozo)
Casa fica na rua Chapada dos Guimarães, na Morada do Sossego. (Foto: Elverson Cardozo)

Fora o esforço diário que tem em manter a casa, Paulo revela que sofre preconceito da própria vizinhança que se sente incomodada com a presença do depósito improvisado.

“Mas eu não devo nada para ninguém. Comprei aqui e paguei com o meu dinheiro”, argumenta, ao dizer que prefere trabalhar ao invés de bater de casa em casa como pedinte.

Para finalizar a conversa, pergunto sobre política. O ex-pedreiro mostra que tem opinião formada. Revela que já escolheu os representantes e comenta que não acha certo quem vende o voto. "Aí depois, quando for reclamar não adianta porque ele vai falar: eu comprei seu voto. Eu paguei", disse.

O relato de Paulo Andrade não vai mudar o mundo. É apenas um recorte em uma imensidão de situações semelhantes ou piores, mas é um exemplo que merece destaque em um país onde a corrupção é marca registrada. Gente como seo Paulo não se encontra em qualquer esquina, infelizmente.

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