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Comportamento

Como os gafanhotos que cria, artista de rua só pensa em liberdade

Elverson Cardozo | 02/04/2012 13:20
"Sou como meus gafanhotos que depois de pronto querem sair voando” (Foto: João Garrigó)
"Sou como meus gafanhotos que depois de pronto querem sair voando” (Foto: João Garrigó)

Era sábado à noite, na cidade de Ponta Porã, que faz fronteira entre Brasil e Paraguai, quando o Lado B encontrou mais uma boa história para contar. De vida.

O personagem surgiu por acaso, depois de uma entrevista pesada com o filho do jornalista Paulo Rocaro, assassinado a tiros de pistola em fevereiro deste ano, na principal avenida da cidade, a Brasil.

Na frente do prédio onde Rocaro trabalhava encontramos Rogério Oliveira, de 23 anos. O rapaz - que prontamente se apresenta como artista de rua - nos oferece um gafanhoto. Um pequeno gafanhoto feito com folha de coqueiro.

A arte é primorosa. Trabalhada nos mínimos detalhes, é digna de elogios ao criador. Mas além do artesanato, outra coisa chama a atenção. Percebo que além da pequena mochila rosa que carregava, Rogério tinha uma bagagem de vida bem maior.

Sem muita cerimônia, começo a especular. Ao perceber que já estava sendo entrevistado, o artista coloca a mochila no chão e, sentado em cima dela, retira uma folha do galho que carrega para dar início a um novo gafanhoto.

É com a mesma habilidade e perspicácia na arte de tecer insetos que Rogério nos conta que o mundo é sua vida e a rua o seu lar. Saiu de casa, em Foz do Iguaçu (PR), aos 15 anos porque não suportava a madrasta. “Eu preferi viver sozinho do que ter de ouvir a voz dela”, relata.

Quando sente falta do pai e dos irmãos, arruma um jeito de ligar ou conversar pela internet. Se estiver de passagem pela cidade, faz uma visita rápida. “Não é porque é pai que eu tenho que ficar preso”, afirma, acrescentando que nunca viu a mãe biológica.

O pai até o incentivou a começar a faculdade, mas Rogério conta que abandonou o curso de Biologia no terceiro dia de aula. “Aprendi muito mais na rua”, relata. O artista que afirma conhecer várias cidades e, inclusive, ter passador por países como Chile, Bolívia e México, afirma sobreviver do artesanato que produz.

Rogério Oliveira conta que não tem vontade de voltar para casa. (Foto: João Garrigó)
Rogério Oliveira conta que não tem vontade de voltar para casa. (Foto: João Garrigó)

Aprendeu o ofício na rua mesmo, com companheiros que a vida se encarregou de arrumar. Vende cada gafanhoto por até R$ 5,00. “Envernizado é mais caro”, explica. Também sabe fazer borboletas com folhas de cana e pintura em cartolina.

Rogério conta que gosta da rua e, apesar das dificuldades, não tem vontade de voltar para a família. Gosta da liberdade que o desconhecido proporciona. “Sou como meus gafanhotos que depois de pronto querem sair voando”, exemplifica.

Antes de ir embora pergunto o que mais lhe entristece. “As drogas”, responde. Em seguida, revela que foi dependente químico por 12 anos. “Não vou mentir, não. A única coisa que eu ainda fumo é maconha. Essa eu gosto”, conta.

Da fronteira ele tem medo. “Porque a droga aqui é fácil”, explica. O resto “está na mão de Deus”, na fé e nas palavras escritas na bíblia que diz carregar dentro da mochila.

Pergunto se lê. O artista responde que sim e recita um salmo. “Aquele que habita no esconderijo do altíssimo, à sombra do onipotente descansará. Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei...”

A conversa foi rápida. O suficiente para que Rogério Oliveira fizesse um novo gafanhoto e seguisse o seu caminho.

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