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Comportamento

Ex-garçom de trem refaz viagem 30 anos depois em moto, de Bauru a Corumbá

Ângela Kempfer | 22/02/2012 15:33
Daiton, no museu ferroviário, a partida de Bauru.
Daiton, no museu ferroviário, a partida de Bauru.

Com 15 anos ele era garçom no trem que trazia passageiros de Bauru (SP) até Corumbá, uma viagem de cerca de 30 horas, que sempre rendia algo para contar.

Passados 30 anos, Daiton Nascimento hoje é advogado, mas o apego afetivo às histórias que viveu sobre o trilhos continua forte. Para matar um pouco as saudades daquele tempo, ele tomou coragem e com uma moto resolveu viver o percurso de novo, agora aos 45 anos.

Ao lado de um amigo, policial militar aposentado, ele saiu de São Paulo em janeiro e durante 15 dias percorreu as estações desde a divisa com Mato Grosso do Sul. No caminho de 2 mil quilômetros, foi confirmando o que já suspeitava. “Vi muita coisa destruída, abandonada. É de dar dó”, resume.

Muitas das estações que Daiton lembrava pelo colorido e movimentação constante, agora são escombros.

Cada imagem registrada pela câmera fotográfica ajuda na comparação entre passado e presente. Sem cuidado com a lembrança, o tempo fez nascer árvores dentre as ruínas de boa parte do roteiro desenhado pelo ex-garçom.

O tempo fez nascer árvores dentre as ruínas de boa parte do roteiro desenhado pelo ex-garçom
O tempo fez nascer árvores dentre as ruínas de boa parte do roteiro desenhado pelo ex-garçom

Mas também há boas exceções. Na região de Campo Grande, a volta do trem de passageiros até Miranda garantiu a recuperação de várias estações. “A estação de Três Lagoas também está bem cuidada e a de Água Clara é interessante”, confirma Daiton.

Nas últimas viagens feitas ainda como funcionário do restaurante do trem, Daiton lembra que percebia a freguesia minguar. “Mas continuamos firmes até o último dia, com o serviço padrão”.

Três meses antes do transporte ser suspenso, a notícia foi confirmada e não chegou a surpreender. “Avisaram que o trem ia parar, mas a gente já pressentia. Já não tinha muita gente, nem constância”, diz.

Com o fim, o neto de ferroviário foi procurar o que fazer, até concluir a faculdade de Direito. “Mas a gente nunca esquece da ferrovia”, comenta.

De volta ao trecho em 2012, Daiton e o amigo Valdemir de Andrade, de 52 anos, enfrentaram tempestade, tiveram de pegar carona com barco para sair de área inundada no Pantanal e voltar à rodovia, mas também cruzaram com muita gente interessante.

Padaria de arquitetura rústica, ao lado da estação ferroviária.
Padaria de arquitetura rústica, ao lado da estação ferroviária.
Wilson mostra equipamento que media nível do rio.
Wilson mostra equipamento que media nível do rio.

Ex-funcionário da ferrovia, Wilson mostra aparelho que media nível do Rio Paraguai, Estados Unidos que bancaram.

“Encontramos, por exemplo, um senhor que tem fotos da construção da ponte em Porto Esperança, para que o trem chegasse até Corumbá”, uma história de cem anos, de 1912.

O aposentado Wilson recebeu os viajantes com muitas histórias para contar, como a maior enchente que já viu no Pantanal, em 1982, ou o aparelho que media o nível do rio, equipamento pago pelo governo dos Estados Unidos.

No caminho, também se depararam com cenas inusitadas no meio do nada. “Paramos para comer com um casal que estava fazendo churrasco no Pantanal. Engraçado”, lembra.

A viagem também divulga imagens curiosas, como da padaria de arquitetura pra lá de rústica, ao lado da estação ferroviária de Bauru, onde é difícil distinguir onde começa um produto e termina o outro.

Apesar da alegria da aventura sobre uma moto Kawasaki preta 650, o que mais marcou foi a falta de preservação histórica.

“Tem de tudo nas estações abandonadas, famílias morando e até criação de porco. É triste, porque é história largada. As estações sempre foram muito importantes para essas cidades”, avalia.

Moto parada em frente a estação de Corumbá.
Moto parada em frente a estação de Corumbá.
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