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Comportamento

Um dia apenas sem carro até dá. O duro é todo dia, mostra realidade

Marta Ferreira | 22/09/2011 15:30
Para quem vive aperto dos ônibus em horário de pico, sonho é ter carro. (Simão Nogueira)
Para quem vive aperto dos ônibus em horário de pico, sonho é ter carro. (Simão Nogueira)

A jornalista que vos escreve não anda de “busão” desde antes de terminar a faculdade. De lá para cá, uns 15 anos, ônibus ou andar a pé pela cidade só em viagens ou ocasiões excepcionais. Hoje, no “Dia mundial na cidade sem o meu carro”, fiz meu trajeto normal pela manhã, de automóvel, nos costumeiros 5, 6 minutos até o jornal. No almoço, influenciada pela cobertura da data de alerta, resolvi: não vou voltar de carro.

Como o dia é “sem carro” e não obrigatoriamente de ônibus, a volta incluiu carona da irmã, coletivo, e uma pernada final, já que não há ponto tão próximo do trabalho.

O primeiro trecho, obviamente, foi tranquilo, de casa até o terminal General Osório. Na chegada, um sustinho, porque atravessei no lugar errado, perto de onde os coletivos saem. A buzinada me deixou esperta.

Passageira de primeira viagem na era do pagamento só com cartão, tive de adquirir um. Não sabia que era preciso CPF. Nem que a gente ficava no mesmo lugar onde as pessoas já acostumadas ao sistema têm de passar o cartão pela leitora. Não é muito funcional.

O ônibus já estava parado. Eba, vazio. Ledo engano, me avisam dois jovens trabalhadores, com a experiência de estar nessa linha, no mesmo horário, todos os dias.

“Daqui a pouco ele para um tempão e entra um mundaréu de gente”, avisa André Luiz, de 19 anos, funcionário de um shopping. “Espera pra você ver”, diz Jéssica, também de 19 anos, caixa de supermercado.

Os dois riem e acham meio sem sentido isso de andar de ônibus podendo ir de carro, "só" para melhorar o trânsito e diminuir a poluição, como prega a campanha. “Se eu tivesse carro, nunca que eu andava de ônibus. É sujo, demora, é apertado, é desconfortável. O trem é feio”, resume André Luiz. De bicicleta, nem pensar. "É pra quem não tem medo de morrer, num dá".

Jéssica concorda. “Eu saio de casa uma e pouco pra entrar às três no serviço. Se fosse de carro, sairia umas duas e meia”. Ela já tem planos de mudar de vida. “Nas minhas férias, em janeiro, vou dar entrada numa moto”

O ônibus segue. Uns cinco minutos depois, para e o aviso se cumpre. Entram muitas, muitas pessoas. A maioria são jovens trabalhadores de um call center. A partir daí, o trajeto é relativamente rápido, até a avenida Ceará, onde pergunto aos meus mais novos conhecidos onde é melhor descer para chegar ao meu destino.

Salto em um ponto logo depois da avenida Mato Grosso. Possivelmente errei, poderia ter ido até mais à frente, para reduzir a caminhada. Já foi. Sigo firme, por uns 20 minutos, até chegar à frente do prédio.

Antes de entrar, passo na lanchonete em frente, para comprar água. Estou com suor no rosto e acabo de descobrir que o mesmo sapato confortável no carro, a pé é um inferno para os pés.

O cartão de ônibus, prova do trajeto sem carro. (Foto: João Garrigó)
O cartão de ônibus, prova do trajeto sem carro. (Foto: João Garrigó)

Entro no jornal e exibo aos colegas, orgulhosa, o cartão de prova do meu trajeto sem carro. Quando vou usá-lo novamente, não sei.

Nos últimos tempos, a combinação gasto com prestação/seguro/combustível, aliada à falta de gosto e paciência para dirigir, tem provocado admiração pelos poucos amigos meus sem carro por escolha. Eles existem, pode acreditar.

Após a breve experiência de hoje, passei a admirá-los ainda mais. Seja pela cultura da comodidade e da pressa, seja pela falta de estrutura da cidade para quem quer se livrar do carro ou da moto, fazer essa opção exige paciência e coragem.

Isso ficou claro na conversa com André Luiz e Jéssica. Do papo com eles, concluo que, para os que dependem do sistema público de transporte, o sonho mesmo é poder se dar ao luxo de ficar um dia apenas sem veículo próprio.

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