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Faz Bem!

Medo de perder faz muita gente virar “boazinha” e trocar o não pelo sim

Elverson Cardozo | 20/02/2014 06:33
Vale dizer não, mesmo que seja pelo celular. (Foto: Elverson Cardozo)
Vale dizer não, mesmo que seja pelo celular. (Foto: Elverson Cardozo)

Sente dificuldade ou conhece alguém que sofre para dizer não? Aos olhos de quem passa longe desse problema, não ceder às pirraças do filho ou recusar o convite para aquela festa chata, por exemplo, pode parecer simples, mas, para muita gente, acredite, fazer isso é um verdadeiro desafio.

A secretária de 47 anos, que não quer ser identificada, sabe bem o que é isso. Ela já chegou a perder um final de semana todo só para ficar cuidando dos filhos do vizinho. “Às vezes a gente abre mão de alguma coisa nossa para ajudar os outros”, disse.

A mulher tem essa dificuldade desde que se entende por gente, mas diz que sofre só com os favores. “Quando posso ajudar eu ajudo”, comenta. O problema é que muita gente abusa. Não se contentam com as mãos. Querem os pés.

Mesmo tendo consciência disso, sabendo dos excessos, a secretária não consegue negar os pedidos de “ajuda”. “Às vezes dá vergonha, medo da reação da pessoa. De repente pode ficar com a cara fechada”.

Medo de perder - O “não”, para quem sofre desse "mal", chega a ser um sofrimento, explicou a psicóloga Adriane Cristina Lobo. Um sofrimento que, segundo ela, vem do medo de perder. Para essas pessoas, dizer não é realmente uma arte. “Significa fazer as próprias escolhas e, algumas vezes, desagradar os outros”.

O “sim”, nas relações sociais, sai na frente, mas, nos consultórios, a busca pelo “não” ganha em disparada. É comum, bastante frequente, os psicólogos se depararem com casos assim. O atendimento vai do ludoterápico, que é a psicoterapia infantil, até as sessões com adultos e casais, prosseguiu.

Nos casais, esclareceu, “isso reflete, muitas vezes, no silêncio da relação, nas brigas e na comunicação truncada pela dificuldade de expressar os sentimentos com clareza”.

Nas crianças, a dificuldade aparece com frequência, já que elas são, nas palavras da psicóloga, “o reflexo da cultura e da educação familiar”, onde se concentra nossas origens e desenvolvimento emocional, social e físico. A forma de cuidar, amar e estimular influencia, portanto, no comportamento do adolescente e adulto do futuro.

Psicóloga Adriane Rita Lobo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Psicóloga Adriane Rita Lobo. (Foto: Arquivo Pessoal)

A psicóloga explica, ainda, que, em crianças cuja educação foi feita de maneira rígida, ou pior, indiferente, sem espaço para expressar seus sentimentos, emoções e desejos, o não provoca medo. A reação dos adultos é ameaçadora.

“Com o passar do tempo, a possibilidade de aprender e de se permitir dizer não sem sentir-se “malvado” vai se tornando mais difícil, visto que a espontaneidade da infância foi tolhida. A tendência é crescer sem o compromisso com as nossas próprias verdades e viver de uma forma que traga menos sofrimento”, explicou.

Essa dificuldade, acrescentou, é mais comum entre mulheres que já carregam, da infância à fase adulta, um histórico permeado por idealizações. Quando meninas, elas precisaram ser “boazinhas”. Quando adulta, tiveram, por muito tempo, que dizer sim em todas as relações, das familiares às sexuais.

A punição sempre esteve presente, por isso, afirmou Adriane, o aprendizado do não, no caso delas, tornou-se mais penoso e necessário, ao contrário dos meninos que “foram educados para discussões, brigas, embates, tendo, desde cedo, o direito de escolha a as possibilidades dos nãos”.

Mas é preciso considerar, ponderou a profissional, que o não, na infância, independente do gênero, tem como consequência as punições ou ridicularizações. “Tanto para menina ou menino, apresenta sequelas psíquicas e emocionais na fase adulta”, destacou.

E é na fase adulto que tudo se aflora. A boa notícia é isso pode ser identificado e resolvido. Tem tratamento. A psicoterapia é um caminho. “A maioria dessas situações pode ser trazida à consciência, descobertas, amadurecidas e transformadas”, disse. Ouvir e dizer não, completou, é entender que nem tudo é rejeição, mas, sim, escolha.

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