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Caminhos para democratizar as comunicações

Por José Dirceu (*) | 11/05/2013 12:00

O debate sobre a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil sempre alcança pontos essenciais como a desconcentração dos meios, o fim da propriedade cruzada e a promoção de pluralidade de vozes.

Porém, é imprescindível ampliar a discussão para outros aspectos desta agenda, uma vez que a democratização da informação também passa necessariamente por questões como o fortalecimento do sistema público de radiodifusão, a desconcentração das verbas publicitárias e a promoção de mídias alternativas que possam propagar a diversidade.

Apesar dos intensos debates e dos esforços feitos por vários movimentos representativos da sociedade, continuamos na contramão do mundo em termos de democratização e regulamentação da mídia.

Recentemente, até o governo do México, que não é exatamente um exemplo de progressismo, propôs um projeto de alterações no marco regulatório das comunicações do país, com vistas a quebrar o oligopólio de conglomerados como América Móvil e a Televisa, e promover a concorrência no setor.

Isso sem falar dos exemplos vindos da Inglaterra e da Argentina e até mesmo de países como EUA, Canadá, França e Portugal, que há anos adotam medidas regulatórias para seus meios de comunicação audiovisuais e impressos. Ou seja, parece que só no Brasil a questão não avança.

Mas o atraso em relação aos outros países não deve esmorecer a luta daqueles que acreditam na pluralidade de opiniões e na afirmação de formas alternativas de informação e comunicação.

Ao contrário, devemos continuar forçando o debate -- do qual a grande mídia brasileira continua esquivando-se, sempre blindada pelo seu falso argumento de que a regulamentação impõe censura e limites à liberdade de expressão -- e aprofundá-lo o quanto mais possível.

Não é admissível que, depois dos inúmeros avanços tecnológicos nas últimas décadas, da tecnologia digital, das redes virtuais de onde se pode emitir conteúdo de qualquer parte do globo, e da confluência de mídias cada vez mais apoiada em plataformas comuns, continuemos tendo como referência o obsoleto Código Nacional de Telecomunicações de 1962.

Como continuar convivendo com leis que impedem a participação de grupos estrangeiros no segmento de mídia, se as empresas de telefonia, privatizadas e desnacionalizadas, estão não apenas no mercado de internet, mas no de televisão, de radiofonia e de produção de conteúdos? Como submeter tais empresas às jurisdições nacionais?

Apesar da Lei do Cabo (1994) e da Lei da TV Paga (2011), é premente estabelecer novas regras de funcionamento a um setor que se modifica rapidamente.

As empresas de telefonia, por exemplo, que nos anos 1990 tinham a seu cargo apenas a comunicação de voz à distância, consolidaram-se como os maiores provedores de internet e apresentam um poder de fogo dificilmente igualado por qualquer rede de TV tradicional.

As respostas e propostas para tornar a nossa mídia mais democrática são muitas. Não podemos negar que a constituição de um serviço público de rádio e televisão capaz de competir com a mídia comercial seria um avanço.

O princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal), contido no artigo 223 da Constituição, exige um novo modelo, para além do paradigma clássico voltado apenas ao serviço público de televisão associado à reserva em favor do Estado.

Até porque, sem regulamentação, a natureza pública da comunicação tende a ser desfigurada, incorporando mecanismos burocráticos que impedem a sua execução, fazendo com que as poucas emissoras públicas sejam pressionadas a adotar práticas privadas.

O sistema público de radiodifusão precisa ser fortalecido com recursos e espaços, de forma que possa oferecer conteúdos de qualidade, promover Educação, Cultura e a diversidade regional e, ao mesmo tempo, conquistar a audiência. Como bem apontou o professor Laurindo Leal Filho, um dos principais obstáculos da TV pública está na forma como o telespectador sintoniza essas emissoras.

Enquanto as grandes redes comerciais são sintonizadas nos canais tradicionais de números baixos (hoje, vão do 2 ao 13), restam os mais longínquos para as redes públicas. E, para que o telespectador possa comparar os programas e escolher os que lhe interessam, é fundamental que públicas e privadas estejam lado a lado, e também que haja mais opções de canais públicos, capazes de dar conta da grandeza territorial do nosso país, mostrando as nossas múltiplas realidades, diferentemente do que fazem as emissoras comerciais que mostram, todas elas, a mesma coisa.

Não podemos perder de vista que a comunicação é um bem público e um direito de todos. Direito esse que não será respeitado, enquanto o mercado continuar concentrado nas mãos de poucos grupos, que ditam as regras, impõem suas agendas e fazem do espectro concedido palanques para os seus interesses políticos e econômicos.

A outorga não é uma licença para fazer o que se bem entende e é preciso que isso fique claro para a sociedade. O que dizer do absurdo das subconcessões -- o arrendamento a terceiros promovido por concessionários do setor sem a autorização competente? Trata-se de um mercado que só agrava o quadro atual de dominação pelas oligarquias políticas proprietárias e no comando de emissoras de rádio e TVs regionais, religiosas e políticas.

Em 2012 o governo federal anunciou novas regras para o setor e a elaboração de um plano de outorgas para o lançamento dos editais de licitação. A renovação das concessões seria um bom começo e uma ótima oportunidade para discutir o que o radiodifusor fez e como atuará na vigência de sua concessão.

Também seria importante para conferir ao processo maior transparência e ampliação da concorrência, a fim de que tenhamos mais pluralismo e diversidade de atores com direito de antena.

Outro ponto que precisa ser revisto e que pode contribuir para desconcentrar o mercado e promover as mídias alternativas é a destinação das verbas publicitárias federais. A Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) tem defendido, entre outros pontos, que se estabeleça como política a destinação de 30% das verbas publicitárias às micro e pequenas empresas de comunicação.

Esse tratamento diferenciado já existe para outros setores da economia e está previsto na Lei de Licitações, de 1993, e também na Lei Complementar nº 123, de 2006, que regulamentou artigo da Constituição que permite a reserva de 25% do valor das licitações de bens e serviços divisíveis às MPE's.

Em 2012, cerca de 62% das verbas de publicidade federais foram programadas para o meio televisão, sendo que desse total 43% foram investidos na emissora líder, a qual, como é de conhecimento público, tem registrado acentuado declínio.

Ainda que fosse diferente, não é razoável que o principal critério para a destinação de recursos seja audiência quantitativa, já que a legislação atual não restringe a distribuição das verbas de mídia ao critério exclusivo de quantidade de pessoas atingidas. É preciso combinar fatores que garantam o alcance, considerando também a qualidade do veículo programado e a promoção da diversidade e do pluralismo informativo.

É verdade que houve ampliação do número de veículos programados de 2000 para 2012, mas a quantidade de veículos na internet ainda está bem abaixo de meios como jornal e rádio.

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, inclusive, admite que está entre os objetivos estratégicos da atual gestão utilizar o maior número possível de veículos em suas campanhas, evitando a concentração. Portanto, é hora de reverter esse jogo e rediscutir a distribuição dos recursos, levando em conta a multiplicidade de canais de informação existentes hoje, cada dia mais acessíveis à população.

Para não dizer que não há nenhum avanço, existe uma boa proposta em discussão na Câmara dos Deputados. A Comissão de Cultura da Casa, presidida pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), propôs a criação de uma linha de financiamento para mídias alternativas como blogues, rádios e TVs comunitárias, com condições especiais disponibilizada pelo BNDES.

Trata-se de um instrumento importante, pois embora a tecnologia seja um facilitador para a mídia alternativa, existem desafios de infraestrutura para manter a longevidade desses veículos. Na nova era da Internet, que mexe fortemente com todo o cenário de comunicação no mundo, não podemos fechar os olhos para isso.

Como se vê, além da urgente necessidade de procedermos a uma regulamentação dos meios de comunicação, precisamos também de uma política de governo para o setor e da criação de instrumentos que inibam os monopólios e as reservas de mercado. Assim, apesar dos percalços, resta à sociedade civil continuar mobilizando-se e trabalhando por uma mídia democrática e plural.

Além da campanha liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e do esforço para elaborar uma proposta que possa ser transformada em Projeto de Lei de Iniciativa Popular, é preciso que os partidos políticos e o Congresso Nacional se engajem nessa luta.

O Brasil precisa de um marco regulatório para suas comunicações e não é mais possível esquivar-se a um posicionamento claro sobre isso. Ou se está do lado daqueles que acreditam na qualidade e pluralidade informativa como direito e como mecanismo imprescindível ao aperfeiçoamento da nossa democracia, ou se está do outro lado.

(*) José Dirceu é ex-deputado federal e ex-chefe da Casa Civil do governo Lula.

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