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Entenda a leptospirose para proteger seus animais

Cynthia Escócio Fernandes (*) | 10/03/2011 10:05

Em tempos de chuvas são lembradas as doenças que ocorrem com maior freqüência nesta época. A leptospirose é uma dessas enfermidades, que aparece não só nos centros urbanos com problemas de enchentes, mas também nas zonas rurais. Existe a preocupação com a saúde pública pela leptospirose desenvolver nos casos sem tratamento prévio uma progressão clínica grave em seres humanos. Para a pecuária há o prejuízo econômico, por também atingir os animais de produção.

Com distribuição mundial, a leptospirose é uma enfermidade de maior ocorrência em regiões de clima tropical e subtropical por reunir condições climáticas favoráveis ao aparecimento da doença. No Brasil, apresenta-se em todos os meses do ano, principalmente naqueles com alto índice pluviométrico e em centros urbanos com aglomerações de população de baixa renda, em condições inadequadas de saneamento e alta infestação de roedores.

Por ser uma doença de notificação compulsória em todo o país, todos os casos suspeitos em humanos devem ser notificados ao SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) por permitir o desencadeamento de medidas de prevenção e controle da doença. Até o presente momento, na última atualização do SINAN para o ano de 2010, 1.997 casos foram notificados para leptospirose em todo o território nacional. Pela evolução dos casos confirmados, ocorreram 223 óbitos por leptospirose e 1.560 casos evoluíram para a cura. Com relação à localização, 1.081 casos pertenciam à área urbana, 403 casos na área rural e 65 casos localizavam-se em região periurbana. Estes dados são parciais, o que significa que ainda serão atualizados pelo sistema do SINAN.

A leptospirose é uma antropozoonose cujo agente etiológico é uma bactéria helicoidal (espiroqueta) do gênero Leptospira spp., longa, fina e ativamente móvel. As leptospiras são conhecidas como patogênicas (albergam-se nos túbulos renais de seus hospedeiros e possuem potencial para provocar a doença em animais e no homem) e saprófitas (vivem no meio ambiente, geralmente consideradas não causadoras da doença). Na divisão taxonômica, o sorovar é a unidade básica para classificação destas bactérias, onde foram identificados mais de 200 sorovares e cada um tem seu hospedeiro preferencial. No entanto, uma espécie animal pode abrigar mais de um sorovar.

Os animais sinantrópicos, como ratos e camundongos, domésticos (cães, bovinos, suínos, eqüinos, ovinos e caprinos) e silvestres são considerados hospedeiros primários da leptospirose e representam focos importantes da infecção. Répteis e anfíbios também podem carregar leptospiras e transmitir para outros indivíduos. O homem caracteriza-se como hospedeiro acidental e terminal na cadeia de transmissão.

Determinadas leptospiras não causam sinais clínicos em algumas espécies animais, sendo estes considerados hospedeiros naturais de manutenção. Quando hospedeiros de manutenção para um determinado sorovar se infectam com outro, poderão desenvolver manifestações clínicas de leptospirose e passam a se caracterizar como hospedeiros acidentais para tal sorovar.

Os roedores (ratos, camundongos) são os hospedeiros naturais mais importantes na epidemiologia da leptospirose por serem fontes de infecção para os animais de companhia, para os de produção e para o homem. Quando infectados, os roedores não manifestam sinais de leptospirose e, portanto, são portadores sadios, albergando a leptospira nos rins e eliminando-a de forma contínua ou intermitente no meio ambiente, desta forma contaminando água, solo e alimentos. O Rattus novergicus é o portador principal da Leptospira interrogans sorovar Icterohaemorraghiae, uma das mais patogênicas para o homem.

Leptospiras sobrevivem no meio ambiente, dependendo de uma combinação de fatores como umidade e textura do solo. As características do solo e das águas de superfície assumem grande importância na perpetuação de focos de leptospirose numa região. Solos coloidas retêm umidade e microorganismos; assim permitem a sobrevivência de leptospiras. Em épocas de chuvas, as águas atingem as rachaduras do solo e leptospiras podem emergir para as águas de superfície, fechando o ciclo de infecção.

Pelo aparecimento da leptospirose ocorrer mais nos meses chuvosos, não se deve esquecer que o agente sobrevive por muito tempo no meio ambiente com condições favoráveis à sua sobrevivência. Isso serve de alerta para as pessoas que estão mais expostas aos riscos da doença. Atividades recreativas, esportes aquáticos e outras atividades em contato com águas que recebem dejetos de animais constituem riscos para os indivíduos. No entanto, o grupo de maior atenção constitui os trabalhadores que lidam diretamente com animais como veterinários, magarefes e produtores rurais.

Para entender como é a disseminação de leptospiras no meio ambiente, é necessário conhecer a epidemiologia da doença. A transmissão ocorre de forma direta ou indireta, principalmente de animais para o homem; entre humanos é muito rara. Os indivíduos infectados eliminam leptospiras viáveis por meio de urina, sêmen, secreções vaginais e produtos de abortamento. A porta de entrada num indivíduo suscetível é a penetração dos microorganismos em pele lesionada, mucosas ocular, genital, oral e nasal. Nas inundações, a imersão em águas contaminadas com leptospiras favorece a penetração devido à eliminação de barreiras naturais protetoras da pele. A transmissão via venérea também é possível e, portanto, animais doadores de sêmen, principalmente touros de Centrais de Inseminação Artificial devem ser previamente avaliados e monitorados para leptospirose.

Após a penetração no indivíduo, seja ele animal ou o homem, as leptospiras alcançam a corrente sanguínea e vias linfáticas, multiplicam-se nos órgãos como rins, fígado, pulmão e baço, dando início ao estágio febril. O período de incubação no organismo é de 2 a 20 dias, em média entre 7 a 14 dias. A leptospirose é caracterizada pelo desenvolvimento de vasculites, dano endotelial e infiltração de células inflamatórias. Da fase aguda ou septicêmica (leptospiremia – leptospiras circulantes no organismo), que pode durar aproximadamente uma semana, segue para fase imune com estímulo do sistema imunológico a produzir anticorpos, os quais eliminam as leptospiras circulantes, conduzindo-as para a colonização dos túbulos renais e eliminação de leptospiras na urina, denominando leptospiúria.

No homem, a leptospirose manifesta-se de duas formas: a anictérica, com sinais leves, moderados ou graves, e a ictérica, também conhecida como Síndrome de Weil, que é a forma mais severa da doença, causando falência renal e hepática, hemorragias e óbito. Os sintomas iniciais são cefaléia, febre, dores musculares, náuseas e/ou vômitos, semelhante aos de outras enfermidades, o que pode ser diferenciado pelo histórico de exposição direta ou indireta a coleções hídricas e contato com animal infectado. Geralmente é autolimitante, depois de alguns dias; nas infecções mais graves desencadeará complicações mais específicas.

Nem todos os animais tornam-se doentes por leptospirose por serem hospedeiros naturais de determinados sorovares. No entanto, sendo infectados por outro sorovar, podem desencadear os sinais clínicos da doença, sendo fatal em determinados casos. Na leptospirose canina, por exemplo, cães infectados pelos sorovares Icterohaemorrhagiae, Copenhageni e Canicola podem sofrer de um quadro crônico, com lesão renal e hepática, desenvolvendo a Síndrome de Weil, certamente fatal para o cão que a adquiriu. Entretanto, os sobreviventes são considerados fontes de infecção importantes para o homem e outros animais por disseminarem leptospiras no meio ambiente na condição de portadores sadios.

Abortos, natimortos e infertilidade são achados clínicos mais freqüentes em bovinos, ovinos, caprinos, suínos e eqüinos acometidos pela leptospirose. Na forma aguda observa-se febre, depressão, anorexia, petéquias nas mucosas, icterícia, disfunções renais onde os animais mais jovens são os mais suscetíveis com alto índice de fatalidade. Entretanto, sobrevivendo à fase aguda, o período de convalescência é prolongado. Em eqüinos infectados de forma natural ou experimental pela leptospirose há o aparecimento da oftalmia periódica (cegueira noturna), uma complicação tardia com episódios recidivantes de fotofobia, lacrimejamento, ceratite, conjuntivite. Nos bovinos, a infertilidade e a Síndrome da Queda na produção de leite são os sinais mais observados nos animais infectados pelo sorovar Hardjo, responsável pelo prejuízo econômico nos rebanhos comerciais. Mastite flácida, leite de cor amarela e com aspecto de colostro são observados em vacas prenhes ou lactantes. Muitas vezes, a queda súbita da produção do leite pode ser o único sinal de leptospirose devido ao sorovar Hardjo em vacas lactantes. Os animais que se recuperam podem tornar-se portadores renais e genitais da bactéria e também disseminá-la no rebanho.

O diagnóstico de leptospirose se baseia em exames laboratoriais diretos, que detectam o agente etiológico, e os indiretos, pela detecção de anticorpos produzidos pelo sistema imunológico do hospedeiro. A soroaglutinação microscópica (SAM) é o teste padrão de referência para diagnóstico sorológico e para classificação de leptospiras como preconiza a Organização Mundial de Saúde, onde detecta tanto anticorpos IgM quanto IgG, sendo sorogrupo-específica, não especificando o sorovar da infecção. O provável sorovar infectante é o que aparece com maior freqüência em maior título.

A confirmação diagnóstica da leptospirose se faz pelo isolamento do agente em materiais clínicos com a presença de bactérias viáveis em amostras clínicas como urina, sangue, fetos abortados e sêmen, cultivados em meios apropriados ou a detecção de DNA da bactéria pela reação em cadeia pela polimerase (PCR).

Uma vez diagnosticado o agente, o tratamento nos rebanhos deve ser feito pelo uso de antimicrobianos antes que a infecção cause danos irreparáveis no fígado e rins. A diidroestreptomicina é o antimicrobiano mais utilizado em animais de produção. O objetivo principal do tratamento é o controle da doença e a interrupção da leptospiúria (eliminação de leptospiras pela urina) nos animais acometidos. Para o tratamento em cães com leptospiremia recomenda-se o uso de penicilina G e fluidoterapia para desidratação, insuficiência renal aguda, insuficiência hepática aguda e CID (coagulação intravascular disseminada). Os cães com leptospiúria recomenda-se o uso da diidroestreptomicia.

Com o tratamento de animais infectados e portadores é possível alcançar o controle da leptospirose numa fazenda ou até numa região. É importante observar os riscos aos animais sadios e adotar medidas de prevenção.

Conhecendo a cadeia de transmissão da leptospirose é possível obter o controle e prevenção através das fontes de infecção: identificação dos portadores (diagnóstico), controle de roedores e animais silvestres próximos aos animais de produção e de companhia, segregação do rebanho por categoria, tratamento dos animais portadores (produção e de companhia). Pelas vias de transmissão da bactéria é possível controlar pela higiene e desinfecção das instalações e equipamentos, destino adequado de excretas, restos de animais e cadáveres, drenagem do local, armazenamento adequado de alimentos, controle sanitário de doadores de sêmen e da inseminação artificial. A vacinação com os sorovares de leptospiras que mais se propagam na região garante a imunização de suscetíveis. É recomendável vacinar os animais situados em áreas endêmicas ou em situações de alto risco a cada 4 a 6 meses.

É possível obter o controle e até a erradicação da enfermidade nos animais agregando conhecimentos sobre a epidemiologia da leptospirose e adotando medidas de prevenção. Sendo assim recomenda-se sempre consultar um médico veterinário para atender estas especificações.

(*) Cynthia Escócio Fernandes é Médica Veterinária, M.Sc. - Sanidade Animal, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio pelo Instituto Biológico.

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