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Regras podem tornar execução fiscal mais lenta

Por Demetrius Nichele Macei* | 17/11/2011 15:07

Não é tarefa fácil utilizar algo que “não existe” no ordenamento jurídico, sob o ponto de vista da validade das normas, como objeto de estudo científico. A primeira dificuldade é preexistente, isto é, o caráter de instabilidade do texto e as questões políticas — extrajurídicas — que se põem diante do objeto são indesejáveis, especialmente quando se postulam reflexões jurídicas.

Exemplo disso ocorreu quando publicamos nossas Considerações sobre o Anteprojeto de Lei de Execuções Fiscais [1]. Desde então, vem surgindo projetos outros, propondo novas formas para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública.

Assim, este estudo tem por objetivo analisar as principais modificações propostas desde então, não só na intenção de identificar as tendências atuais, mas principalmente, despertar nos estudiosos do Direito o interesse pelo estudo de questões não apenas após a edição da legislação, como é de costume, mas também neste exato momento, ou seja, enquanto a comunidade jurídica organizada pode colaborar cientificamente para corrigir distorções do passado e evitar a criação de outras, igualmente indesejáveis.

Pois bem. Estabelecido o consenso de que “a justiça tardia é injustiça”, os operadores do direito vivenciam, de tempos em tempos, reformas legislativas tendentes a abreviar a duração do Processo sem, no entanto, minimizar os direitos materiais subjetivos dos envolvidos em litígios.

Agora a sociedade brasileira vive outro importante momento de discussão a respeito da celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Relativamente ao Processo de Execução, nasceram anteprojetos já convertidos em Lei, como é o caso da Lei 11.232, de 22/12/2005, que instituiu a polêmica sistemática do chamado cumprimento da sentença.

Na mesma trilha, logo em seguida, caminham e se multiplicam os estudos quanto às alterações na execução de títulos da Fazenda Pública, hoje tratados por legislação extravagante, considerando as profundas inovações ocorridas no Processo de Execução, relativamente aos títulos judiciais e extrajudiciais gerais.

A Lei de Execuções Fiscais

Mesmo enfrentando as duras críticas da doutrina, a Lei 6.830, de 22/09/1980, também chamada de Lei de Execuções Fiscais (LEF) já completou 31 anos de plena vigência, com modestas alterações. À época de sua edição, a sua dissociação “topográfica” do contexto do Código de Processo Civil (CPC) e o evidente privilégio processual auferido pela Fazenda Pública na cobrança de seus créditos, foram os principais alvos do debate.

Cândido Rangel Dinamarco, em apropriado desabafo, observou que a LEF é resultado de profunda inspiração autoritária, feita por agentes do Poder Executivo, por este proposta ao Congresso Nacional e ali aprovada às pressas, sem a participação dos especialistas, advogados e magistrados. Acrescentou ainda que as arestas de seus defeitos técnicos e políticos vão sendo aparadas pela obra dos doutrinadores e tribunais.[2]

O fato de se tornar “legislação extravagante” foi aos poucos superado, na medida em que sua eficácia e aplicação tornaram-se inquestionáveis.

Contudo, a questão dos notáveis “privilégios” ainda causa alguma ressonância. Dentre eles, destacam-se: I) a citação ficta do devedor; II) a substituição facilitada da garantia, por parte da Fazenda; III) a necessidade de intimação pessoal do credor; IV) a imprescritibilidade do crédito, e; V) a possibilidade de substituição do título até a decisão resolutiva de 1º grau.

Humberto Theodoro Júnior observou que a Lei 6.830/80 foi editada com “o claro e expresso propósito de agilizar a execução fiscal, criando um procedimento especial diverso do da execução forçada comum de quantia certa, regulado pelo Código de Processo Civil.”[6] .

Ora, se o propósito do legislador em 1980 era “agilizar” a execução fiscal, é presumível que a regra contida no Código de Processo Civil não era suficiente para atender as expectativas da Fazenda Pública, especialmente porque a cobrança do crédito tributário estaria revestida de maior relevância que as demais, posto o interesse público envolvido [4][7].

Neste sentido é de se presumir também que, depois de concluída a atual reforma [5] a Fazenda Pública queira manter o procedimento especial existente, e em virtude da prevalência de seus interesses, deixá-lo ainda mais ágil, mais ágil inclusive que a modalidades de execução recém-nascidas.

O princípio da isonomia processual contido no artigo 125 do CPC dispõe que é assegurado às partes igualdade de tratamento no âmbito do processo judicial, princípio este decorrente do principio constitucional da igualdade (art. 5º caput e inciso II da CF/88).

A igualdade proclamada na Constituição se refere ao tratamento não discriminado entre pessoas componentes de um mesmo grupo. A lei, portanto, é que vai discriminar os seus destinatários (Estado e cidadãos) separando os grupos um do outro, de forma a estabelecer critérios em que a igualdade se opera, i.e., vai distinguir grupos de pessoas que serão entre si consideradas “iguais” ou em igual situação perante a lei [6]. A “desigualdade” que surgirá será entre os grupos, na medida das suas naturais diferenças.

A igualdade processual, por sua vez, se opera num grupo restrito (denominado de “partes do processo”) – fundamentalmente autor(es) e réu(s). Considerando que se trata de grupo bastante restrito, a discriminação neste pequeno universo será sempre duvidosa, especialmente quando se tratar do Estado como parte no processo.[7]

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) está permeada de normas de proteção de direitos dos cidadãos, cuja observância é mormente destinada ao legislador e aos governantes. No âmbito do processo, têm-se normas que vão desde o Princípio da Inafastabilidade da análise do Poder Judiciário [8] e do Direito de Petição [9], até as regras de proteção do trabalhador, das quais decorre o Princípio da Hiposuficiência do empregado no processo, no âmbito do Direito do Trabalho [10], entre outros.

Em matéria tributária (de que, aliás, se ocupa a Fazenda Pública na grande maioria das Execuções Fiscais em trâmite no Poder Judiciário), a Constituição impõe ao legislador a observância dos chamados “Princípios Constitucionais Tributários” que limitam o exercício do poder de instituir, aumentar e cobrar tributos, evitando excessos do Estado em sua atividade arrecadatória.

Ora, o mesmo potencial “excesso”, prudentemente evitado pelo Constituinte, é também passível de ser praticado pela via processual, pois os privilégios processuais de uma parte invariavelmente causam prejuízo à outra.

É neste contexto que a Lei de Execuções Fiscais, após a promulgação da Constituição de 1988, teve suas críticas renovadas sob o ponto de vista da igualdade.

James Marins, em outro viés, cita a necessidade de observância do principio da integridade do contribuinte, na medida em que a Lei de Execuções Fiscais deve, além de célere e eficaz, dar integral guarida aos direitos do contribuinte, constitucionalmente assegurados. [11] Não é possível confundir interesse público com interesse do governante, desconsiderando garantias individuais em nome de ocasionais interesses de Estado.

Nelson Nery Junior ao referir-se aos prazos especiais de que fazem jus a Fazenda Pública em juízo, tem opinião diversa. Ressalta o jurista que, antes de caracterizar-se ofensa ao princípio constitucional da igualdade de partes, o benefício de prazo vem constituir-se como medida de equidade, pois trata partes desiguais (Fazenda Pública e Ministério Público) desigualmente, atuando em prol da igualdade substancial [12].

É preciso salientar que o crédito tributário definitivamente constituído goza de presunção de liquidez e certeza (iuris tantum), e a constituição dessa modalidade de crédito independe do aceite da parte adversa. Assim, os excessos no exercício da atividade administrativa de cobrança judicial do crédito são efetivamente possíveis. No âmbito processual, as desigualdades têm sua medida no Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade, normas que aos poucos vêm sendo incorporadas à legislação processual nacional [13].

(*) Demetrius Nichele Macei é advogado, mestre em Direito Econômico pela PUC/PR, doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP.

Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2011

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