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Rompendo a ignorância pluralística: análise do "sai do facebook e vem pra rua"

Por Fabio Iglesias e Ronaldo Pilati (*) | 21/06/2013 15:12

As manifestações populares que tomaram várias cidades do país nas últimas semanas deixaram todos perplexos, especialmente porque não são muito características do brasileiro. Somos tipicamente retratados como passivos, evitadores de desavenças e confrontos e, de forma geral, conformados às mazelas sociais. Salvo em alguns eventos mais emblemáticos, como o "Diretas Já" ou o processo que culminou no impeachment de Fernando Collor, as grandes multidões ocupam as ruas de maneira organizada por motivos que são normalmente festivos.

A análise do que ocorreu mais notoriamente no dia 17 de junho de 2013 revela uma multiplicidade de causas que são históricas, econômicas e culturais, entre diversas outras que poderiam ser elencadas. Mas há um elemento que chama muito a atenção, neste caso específico, que é da Psicologia Social, a ciência que estuda os fenômenos de influência social.

O movimento de ocupação das ruas, aparentemente, ganhou muita força por meio da Internet, que ajudou a romper com o que os psicólogos sociais chamam de ignorância pluralística. A despeito do nome pomposo, é um estado psicológico corriqueiro e manifesta-se em inúmeras situações sociais. Diz respeito à nossa incapacidade de conhecer o que realmente ‘está na cabeça’ de nossos concidadãos, colegas estudantes ou de trabalho, e constitui-se um inibidor poderoso do comportamento.

Por exemplo, é comum que estudantes decidam não externar sua dúvida em sala de aula, por concluírem que, como nenhum outro colega está se manifestando, eles provavelmente não têm dúvidas! "Por que eu levantaria a mão se ninguém mais parece ter dúvidas?". O usuário do transporte coletivo quer reclamar, mas como não observa reações negativas nos outros, acaba se conformando. "Por que passar vergonha reclamando se parece que sou o único incomodado?"

Como nessas situações a única forma de termos acesso ao que as pessoas acreditam é observando seu comportamento, a ausência de reações visíveis faz com que muitos pensem, erroneamente, que não haveria aprovação social de sua queixa. Isso leva a um forte ciclo vicioso, que mantém a conformidade da maioria, como naquilo que Noelle-Neuman chamou de "espiral de silêncio".

Os gestores públicos federais, estaduais e municipais agora parecem estar perdidos, tentam entender um movimento que não tem lideranças com quem se negociar. A base organizativa destes protestos é a mesma que nos ajuda a entender porque a ignorância pluralística foi rompida de forma extraordinária. As redes sociais e os meios digitais de comunicação possibilitaram a socialização desta avaliação negativa das mazelas sociais, da elevação da tarifa de ônibus, da política e da educação.

O caráter de conexão em rede desta estrutura de comunicação permite o acesso a inúmeros conteúdos, de milhares de pessoas diferentes, que trazem uma clara e poderosa sinalização de que a insatisfação é compartilhada, produzindo um efeito cascata e sem precedentes de rompimento do padrão conformista. "Não estou me incomodando sozinho, mas com outras milhares de pessoas!". Isso gera um conjunto de padrões de comportamento anti-normativo (neste caso, a norma seria não se manifestar), produzindo efeitos de mudança e criando pressões na direção de novos padrões normativos de comportamento.

Com consequências ainda imprevisíveis, de alguma maneira, chegou a hora de o Brasil ter o seu ‘rompimento extraordinário’, graças a ferramentas que nos permitem conhecer, mais acuradamente, o que nossos pares pensam sobre o que ocorre no país. Que nossos representantes, governantes e formadores de opinião se preparem para compreender os novos tempos, pois essa forma de redução da ignorância pluralística parece que veio para ficar.

(*) Fabio Iglesias e Ronaldo Pilati são professores do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e coordenadores do Laboratório de Psicologia Social da Universidade de Brasília.

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