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Comportamento

Ao perderem os cabelos, elas reencontraram a vaidade nas estampas dos lenços

Paula Maciulevicius | 09/11/2013 11:45
Olga e Dorilde. A beleza dos cabelos ao vento foi substituída pelas estampas dos lenços. (Fotos: Marcos Ermínio)
Olga e Dorilde. A beleza dos cabelos ao vento foi substituída pelas estampas dos lenços. (Fotos: Marcos Ermínio)

Os cabelos eram no meio das costas. Na cor loiro escuro natural. Sem uma gota de tinta, sem um fio de cabelo branco. Era liso, mas quando chegava num certo cumprimento virava ondulado. A descrição contrasta com a pele branca e os olhos verdes de dona Dorilde Corbari, paciente de radioterapia por um nódulo no seio. A idade é segredo guardado a sete chaves, segunda exceção para a entrevista: que os anos fossem sigilo e o rosto ficasse só na memória da repórter.

O lenço de oncinha, em tons marrom e preto, um dos preferidos, vivia no armário como composição de roupa, para usar no pescoço. Antes do final de 2012, ela nunca imaginou que a estampa esconderia ou traria charme no lugar dos cabelos que se foram.

A percepção de que a vaidade fugia entre os dedos para o ralo foi durante o banho. “Ele começou a cair, mas não como normalmente. Ficava inosado, não conseguia pentear, era só cortando mesmo”.

Quando ela admitiu para si que teria de baixar a cabeça às consequências do tratamento, primeiro com quimioterapia e posteriormente com a radio, foi levada por uma amiga até o salão de belezas em Amambai, cidade onde mora.

“Eu não tinha coragem, mas ela me levou e repiquei o cabelo até o ombro, mas não durou três dias. Eu convidei uma amiga para ir na minha casa e passar a maquininha. Achei menos dolorido do que ir caindo aos poucos”.

A opção por tirar as madeixas de uma vez era o mesmo que ver a angústia e a dor sendo eliminadas pela raiz. Doeu. Dói até hoje. Na alma, na vaidade, no espelho, no próprio reflexo.

Para evitar perguntas, ela decidiu raspar o cabelo no barbeiro. Entrou e saiu sem falar uma palavra e nem derramar lágrimas.
Para evitar perguntas, ela decidiu raspar o cabelo no barbeiro. Entrou e saiu sem falar uma palavra e nem derramar lágrimas.

“Eu jamais esqueço. Eu comecei a chorar e essa amiga chorava comigo. Que missão, que tarefa difícil você me deu ela dizia. Olha, eu sempre fui forte, sabia que esse dia ia chegar, mas até então não tinha caído a ficha”.

Ela raspou. Só a amiga viu. A primeira atitude como careca foi de tomar banho. Mas ela só encarou o espelho três dias depois. “Eu entrei no banho normal, saí, amarrei o lenço e não me olhei no espelho. Não tinha coragem”.

Hoje, quase na reta final de tratamento e de malas semi-prontas para voltar para casa, ela conseguiu ver a beleza nos lenços, combinar estampas ou inventar moda na própria cabeça. “Eu tento combinar com a roupa porque fica mais bonito, mas hoje tudo vale”.

Dorilde tinha a opção pela peruca, mas preferiu seguir “ao natural”. A vaidade hoje é vista de perto. Olhos pintados com lápis preto, sobrancelhas retocadas, rímel e batom. “Eu passo tudo, para me sentir bonita. Não é porque eu estou sem cabelo que vou me descuidar. Eu sei que vou me curar e ele vai crescer de volta”.

De Rio Verde, Olga da Silva Brandão, 32 anos, funcionária de serviços gerais, só aparenta timidez. Também em processo de radioterapia, ela teve nódulo no seio e viu os cabelos pretos, na altura dos ombros, se despedir aos poucos logo na primeira semana.

O primeiro ciclo de quimioterapia incluía seis sessões. Quando ela percebeu que perdia as mexas, a decisão foi radical. “Eu optei por raspar e fui no barbeiro. Homem mesmo. Preferi cortar lá, porque ele faz menos pergunta. Cheguei, só tinham homens no salão. Falei que queria raspar, ele raspou e não me perguntou nada”.

Sozinha, era só ela, o barbeiro, o espelho e o barulho da máquina. Do salão, ela teve todo apoio das cinco irmãs para comprar lenços, acessório que viraria parte dela.

Dos três lencinhos iniciais guardados na gaveta, hoje ela já tem 10. Os preferidos é o que usa na entrevista e um pretinho.

Maquiada, de unhas feitas, batom reforçado, sorriso no rosto ela fala que o medo não era o cabelo, mas sim a doença em si. “De ter complicação, saber qual estágio está, o que vai enfrentar pela frente... Eu acho que você tem que se achar bonita mesmo careca, existem outros valores dentro de você e quem gosta, vai gostar de você de qualquer jeito”.

Dos lenços elas exibem a vaidade pelo reflexo do espelho.
Dos lenços elas exibem a vaidade pelo reflexo do espelho.
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