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Comportamento

Depois da morte do marido, ficaram: a Bíblia parcelada e o pedido de casamento

Paula Maciulevicius | 20/03/2015 06:55
O que fica? Para Maria ficaram uma Bíblia comprada à prazo, as canetas e cargas usadas para deixar bilhetes... (Foto: Marcelo Calazans)
O que fica? Para Maria ficaram uma Bíblia comprada à prazo, as canetas e cargas usadas para deixar bilhetes... (Foto: Marcelo Calazans)

O que fica de quem se vai além da saudade? No caso de dona Maria da Luz foi uma Bíblia comprada a prazo, as canetas e cargas usadas para deixar bilhetes e o pedido de casamento, feito no último dia em que Edil disse o quanto ela estava linda.

Dona Maria da Luz Pires de Ávila tem 67 anos e há seis ficou viúva. Pela casa onde mora, no bairro Santo Amaro, em Campo Grande, ainda estão as palavras de Edil, descritas numa bela letra na dedicatória ou num simples aviso de que iria à missa.

Os dois se casaram em junho de 1974 e ainda entre o final da década de 70 e início da próxima, Edil presenteou a família, já com dois filhos nascidos, com uma Bíblia ilustrada que foi paga em parcelas. "Ele comprou como presente de casamento, como um oferecimento para a gente comemorar o aniversário de casamento", conta. Das duas coisas que se comprava, na época, à prazo, a Bíblia e um aparelho de som, Edil teve as duas. "Ele gostava muito de música. Assim, ele era muito especial, muito presente e gostava de partilhar tudo o que fazia".

Ainda na gaveta, o instrumento usado por Edil para se despedir nos bilhetes. (Foto: Marcelo Calazans)
Ainda na gaveta, o instrumento usado por Edil para se despedir nos bilhetes. (Foto: Marcelo Calazans)

A dedicatória descreve um amor por Maria e pelos dois meninos. "Minha mulher e meus filhos por uma razão muito especial para nós, a infinita elevação. Maria da Luz Pires de Ávila, Luis Henrique Pires de Ávila e Ivan Marcelo Pires de Ávila. Do marido e amigo que os ama para sempre e eternamente, Edil".

O Lado B chegou até a história de saudade da família depois que o filho mais velho postou a dedicatória no Facebook, dizendo que em tempos em que se não conhece mais a "letra das pessoas", aquela era a do pai. "Algumas pessoas têm o dom de saberem se fazer eternas... E uma dessas pessoas, com certeza é o meu velho!!!", comentou o músico Luis Henrique.

Para a mãe, o amor que Edil tinha para com os filhos era um sentimento que existiria mesmo antes de eles nascerem. "Deus também já nos amou antes dos nossos pais nos gerarem, ele já nos amava eternamente. O amor é algo tão grande que se ama tudo, a vida e o que ela tem pela frente".

A escolha de palavras de Maria sugere uma mulher doce, que vive a saudade e busca no passado uma alegria para sorrir hoje. Portuguesa, Maria veio para o Brasil aos 15 anos e conheceu Edil em bailinhos organizados entre amigos em prédios na cidade de São Paulo. "A gente morava bem perto de casa, uma quadra de diferença. A gente se conheceu na época da juventude, em 71, 72... Depois nos casamos", narra Maria.

Com uma proposta de trabalho para Mato Grosso do Sul, a família chegou aqui em 1981, para que Edil trabalhasse no extinto Banco Nacional de Habitação. Aqui nasceu o caçula, André.

Edil com os filhos Luis Henrique e Ivan Marcelo. Os mesmos para quem dedicava Bíblia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Edil com os filhos Luis Henrique e Ivan Marcelo. Os mesmos para quem dedicava Bíblia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em janeiro de 2009, de repente, Edil se foi, mas dessa vez sem deixar um bilhete. "Estávamos num baile, comemorando uma festa de formatura de uns amigos. Estávamos dançando, aí a moça, a animadora da festa falou que ia por uma música bem agitada. Eu falei, vamos sentar que a gente não tem mais idade. Quando a gente sentou, ele pôs a mão na testa. Puxei, chamei... Ele nem falou 'estou passando mal' ou que estava sentindo dor. Só não respondeu mais".

No baile de formatura tinham dois médicos. Edil foi socorrido, mas não deu resposta. "Foi um choque e para você ver, quando a gente estava se arrumando, tivemos uma sexta-feira bem corrida, de bastante serviço. A gente devia ter deitado um pouco, descansado. Ele falou que teria muito tempo para descansar depois", reproduz.

Em frente ao espelho, Maria disse que não iria com aquele vestido, que estava justo, a deixava "gorda". "E ele me disse você está muito linda, muito bonita, tenho vontade de te convidar de novo para casar comigo. Naquela noite ele queria me pedir para casar de novo com ele".

O que ficou foi o pedido de casamento. O elogio e o mesmo amor como aquele nascido dos bailinhos na década de 70 em São Paulo. "Você falou da letra dele, e eu lembrei, é uma letra inconfundível. Quando ele era criança, tinha uma letra muito feia, que ninguém entendia, então o pai dele fez ele aprender a escrever bem", explica a caligrafia de Edil. O que ficou foi a despedida: "Do marido e amigo que os ama para sempre e eternamente, Edil".

"Do marido e amigo que os ama para sempre e eternamente, Edil". (Foto: Marcelo Calazans)
"Do marido e amigo que os ama para sempre e eternamente, Edil". (Foto: Marcelo Calazans)
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