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Comportamento

Depois que os pais se foram, carta e bilhete inéditos são tesouro dos filhos

Paula Maciulevicius | 25/10/2014 07:12
"Carinho não é o suficiente mas é o que eu tenho para dar-te." Palavras do Coroa à mulher, Jane.
"Carinho não é o suficiente mas é o que eu tenho para dar-te." Palavras do Coroa à mulher, Jane.

"Jane! O nosso amor, agora fortalecido pelo amor de Cláudia e de João Gerd, fará com que em cada flor que desabrocha, que em cada raio de sol ou luar que ilumine nossa casa, sintamos a presença efetiva do Luiz que cumprindo desígnios do alto, não poderá nos acompanhar fisicamente pra casa, mas que nos deu e recebeu muito amor quando em teu ventre viveu junto de nós. Carinho não é o suficiente mas é o que eu tenho para dar-te." Assinado: Coroa.

A carta data o dia 18 de dezembro de 1985. Um dia depois do nascimento de Cláudia e João Gerd. Os escritos eram direcionados para a esposa Jane que se recuperava da cesariana que trouxe à vida os trigêmeos e que também levou o menino Luiz, que nasceu só de passagem. Não veio para ficar.

As palavras são de um homem apaixonado. De um pai que dividiu a alegria com a infelicidade. Quando nasceram dois filhos, a vida lhe tirou um. Na tentativa de consolar a mulher ele tentou buscar na natureza o que pudesse ser comparado ao amor que eles não presenciariam do filho que se foi: carinho não é o suficiente, mas é o que Luiz, o Coroa, dispunha naquele momento.

O Coroa que escreveu a carta morreu cinco anos depois, quando Cláudia e João Gerd ainda eram pequeninos. O manuscrito ficou guardado por anos, até que na morte da mãe, Jane, a história de amor viesse à tona revelando um pai que eles só tiveram referências pela fotografia.

As palavras são de um homem apaixonado. De um pai que dividiu a alegria com a infelicidade.
As palavras são de um homem apaixonado. De um pai que dividiu a alegria com a infelicidade.

"A gente sempre cresceu escutando os outros falarem. E lendo, eu tive a sensação como se ele tivesse contado a história. É diferente, é caloroso. É assim que eu me sinto", descreve Cláudia Prado Pachaly, hoje com 28 anos.

As palavras que lê, Cláudia imagina sendo ditas pelo pai. A voz ela não se recorda, nem tampouco as expressões que usava. Do dia-a-dia, o que ficaram foram as lembranças. "Eu tenho bastante recordação dele. Todo dia de manhã, antes de ir para o trabalho, ele deixava a mamadeira pronta. Ele tinha também a mão muito grande. Tenho as alianças dos dois guardadas até hoje", relata a filha.

O passado escrito já bateu à porta de Cláudia uma outra vez. No luto pela mãe, ela se viu organizando caixas, papeis, os pertences de Jane. "A primeira vez foi há uns 6 anos. Quando encontrei a carta, a única pessoa que podia me explicar ela já não estava mais aqui", recorda. 

Seu Luiz era gaúcho, natural de Dona Francisca. Foi o primeiro prefeito da cidade. Era carinhoso e 27 anos mais velho que Jane. Morreu pouco tempo antes das crianças fazerem aniversário, bem próximo ao dia em que a carta foi escrita, de complicações após uma cirurgia cardíaca. 

Na semana que passou, a filha se reencontrou com o passado. Mexendo na mudança, abriu uma pasta e entre certificados de cursos, lá estava a lembrança física do pai que pouco conviveu. "Sem dúvida, todas as vezes que eu leio, me emociono. Quem era meu pai? O que ele tinha feito? Minha mãe não estava mais aqui para contar e neste momento parece que gera mais uma intimidade com uma pessoa que você conviveu tão pouco tempo e ama incondicionalmente. Não tem como não se emocionar".

Na imaginação dela, a carta foi entregue no hospital, junto de rosas, flores que Jane tanto gostava. 

Na foto, Cláudia no colo do pai e João com a mãe.
Na foto, Cláudia no colo do pai e João com a mãe.

Para o irmão, o encontro é inédito agora. "Eu fiquei bastante emocionado pela demonstração de carinho e afeto mesmo. Pelo que eu sei, ele sempre foi muito carinhoso com a família. Veio para Mato Grosso do Sul, conheceu a minha mãe e casou. Ele tinha 58 e a minha mãe 31", narra João Gerd, de 28 anos. 

Luiz era o nome do Coroa e que daria ao filho que não ficou. O texto desperta em João uma saudade de um tempo que se foi tão rápido e ele mal pode viver.

"A carta foi uma forma de consolo para a minha mãe. E ele acabou dizendo de uma forma bastante simples e singela o quanto de importância tinha tido para eles o meu nascimento e o da minha irmã". 

No livrinho de receitas - O caderninho de anotações começou listando os itens a serem comprados no supermercado. Há seis anos, a contadora Juliana Morellin Rezende, de 23 anos, teve de assumir as rédeas da casa. A mãe, Maria Lúcia, descobriu tardiamente um câncer e acamada, cabia à jovem fazer as compras.

A primeira página significa a vida da mãe para a jovem a ponto de não deixar ninguém pegar.
A primeira página significa a vida da mãe para a jovem a ponto de não deixar ninguém pegar.

"Eu não tinha muito a noção do que comprar e quanto comprar, então eu perguntava para ela. E num minuto de bobeira, eu larguei o caderninho e a caneta no meio, perto dela. Ela pegou, escreveu na primeira página e devolveu no mesmo lugar", descreve. 

Sem perceber que as folhas haviam sido mexidas, ela tomou a listinha e fez as compras. Um mês depois, a mãe se despediu. Dona Maria Lúcia tinha personalidade fechada, de quem se alegrava e sofria para si, entre si. Ela não costumava externar os sentimentos, quando muito, se resumia a dizer "você sabe minha filha, você sabe". Mas a frase nunca terminava com um eu te amo.

"Num belo dia, me deu vontade de comer um bolo mármore, a receita estava nele e foi aí que eu vi a primeira página: 'Parabéns Juliana, você é uma ótima filha'. É o meu tesouro".

Seis meses depois da morte da mãe é que ela encontrou o recado. "Eu ainda acho que não fiz tudo o que podia ter feito por ela e ela me deixou esse presente. Ela falava que não ia me ver casando e nem conhecer os meus filhos, mas eles vãoo conhecer um pouquinho dela aqui".

A primeira página significa a vida da mãe para a jovem a ponto de não deixar ninguém pegar. Super fechada, a mãe nunca havia dito o quanto amava e admirava a filha até deixar no caderno, talvez como despedida para si e um tesouro à filha.

O amor saiu nas palavras de despedida.
O amor saiu nas palavras de despedida.
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