ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 24º

Comportamento

É mais fácil ser bandido do que ser gordo! Desabafa quem cansou de ser criticado

Paula Maciulevicius | 11/09/2014 06:43
Os quilos a mais renderam às personagens respaldo para a afirmação: "está mais fácil ser bandido do que ser gordo".  (Foto: Marcelo Victor)
Os quilos a mais renderam às personagens respaldo para a afirmação: "está mais fácil ser bandido do que ser gordo". (Foto: Marcelo Victor)

"Está mais fácil ser bandido do que ser gordo". Quando tal afirmação é dita por uma mulher, visivelmente nervosa, a primeira reação é de espanto. Mas depois se entende que as palavras de "peso" foram mais um desabafo dos comentários e até ressalvas contratuais impostas aos gordos. Sem que ninguém perguntasse sobre o excesso de peso e nem abrisse qualquer margem para o assunto, os "outros" têm se apossado do direito de dizer o que bem entendem, como se estar fora dos padrões de beleza fosse um crime.

Os relatos mostram que aquela coisa de perguntar: "Você está grávida?" é fichinha perto de outras gracinhas constrangedoras, inclusive, de profissionais da saúde.

Dona de casa, Genecí Alves Cardoso perdeu, por segundos, a fala, diante da explosão de ironia num posto de saúde da Capital. Obesa, aos 46 anos, ela ouviu as congratulações. "A médica me deu parabéns por eu ter adquirido mais uma doença", resume.

Em detalhes, o que era para ser uma consulta de retorno virou cenário de constrangimento. "Ela me passou um monte de exames, eu fiz e quando levei pra ela, a médica bateu palma e disse: Parabéns, você conseguiu mais uma doença. A senhora tem pressão alta, bronquite, obesidade e agora adquiriu colesterol. Está faltando só a diabetes". Como se não bastasse, a ironia foi aplaudida pela profissional.

A paciente esperou a fala terminar para soltar o verbo. Já que a consulta tinha virado palco de sinceridades, ela não viu porque não abrir a boca. "Eu bati na mesa dela. Falei ninguém gosta de você, pergunta qual paciente seu que gosta de você? As pessoas falam, todo mundo fala. Aí eu contei as verdades, que eu queria com a receita na minha posse já", descreve. Geneci entende que a médica foi firme no que disse, mas que o problema estava no modo de falar. "Se é melhor ser bandido do que ser gordo? Com certeza, só humilham e criticam a gente".

Prisão de hoje não está mais nas grades e sim nas dezenas que a balança apresenta. (Foto: Marcelo Victor)
Prisão de hoje não está mais nas grades e sim nas dezenas que a balança apresenta. (Foto: Marcelo Victor)

A jornalista de 44 anos que nos cede o segundo depoimento prefere não se identificar. Ela toma a iniciativa não por medo de represálias, mas para contar como às vezes ser bandido está mais fácil do que ser gordo. Bandido ainda tem direito ao advogado. Gente com excesso de peso, ao que tudo indica, não. Pelo contrário, está ainda mais sujeito a ser culpado.

No ano passado, ao renovar a Carteira de Habilitação, ela se deparou com uma consulta inesperada. O exame era apenas para avaliar a vista, mas como até hoje ela lembra, parecia que era por causa do "olho gordo". "Eu cheguei e ele me pesou, achei estranho, porque normalmente não se pesa e, começou a falar que eu era obesa, precisava emagrecer, iria ter problemas coronários, ou seja, tudo que eu já sabia", relata.

Gorda desde os 5 anos de idade, foram várias, centenas de dietas testadas ao lado de quatro décadas. "Tenho pressão boa, não tenho diabetes, a gordura nunca me incomodou", pontua a mulher.

O avaliador continuou o discurso e ela, por medo de ser reprovada no exame que parecia ser do peso e não da vista, não falou nada. "Foram uns 15 minutos. Eu saí deprimida, não falei nada. Não entendi exatamente o que o exame de vista tinha a ver com a gordura, mas também não tive coragem de perguntar".

A mulher nunca havia passado por isso, situação de tamanho embaraço. "Eu sei que todo mundo olha quando a gente está num fast food, que fica deselegante passar no meio de cadeira, que é apertado. Eu até já pensei em fazer cirurgia de redução de estômago, porque a sociedade te impõe tanta coisa, mas eu me olho no espelho e me sinto bem. Sou bem resolvida e bem casada".

A 'dona' da frase que inicia a matéria justifica o porque do desabafo. Profissional liberal, ao tentar contratar um plano de saúde, aos 41 anos, foi orientada a preencher em detalhes os itens peso e altura, para deixar claro que tinha obesidade. "Porque caso contrário, o formulário é devolvido", recorda a explicação que recebeu na empresa. A justificativa foi de que os planos andam rejeitando pessoas com risco de cirurgia de redução de estômago, apesar dela estar muito longe disso.

A vida acima do peso lhe ensinou reflexões que passam despercebidas por muita gente. "O que eu acho é que as pessoas, quando se trata de julgamento alheio, elas são muito 'sem noção'. Invasivas, inconvenientes e isso vale para tudo que é diferente: o gordo, o gay, o deficiente", relaciona.

Na visão dela, as pessoas não são educadas para lidar com o diferente, o que é fora do que ela acha que seja o padrão. "Primeiro era a ditadura da beleza, agora é a ditadura do: tem que ser saudável e ser saudável pressupõe ser magro. Há gente que diga até que gordo sequer é confiável, já ouvi isso. Que não consegue nem parecer saudável, como vai ser confiável?"

A balança mostrou um peso mais acentuado nos últimos anos. Os quilos lhe renderam histórias e uma coleção de situações - algumas engraçadas, outras constrangedoras - que dão respaldo para ela soltar "está mais fácil ser bandido do que ser gordo".

Nos siga no Google Notícias