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Comportamento

No lombo do cavalo, pantaneiro percorrerá 40 fazendas em aventura solitária

Paula Maciulevicius | 17/09/2012 16:15
Mais forte e mais feliz quem sabe. Luiz Otávio Barboza Carneiro segue o caminho devagar porque já teve pressa, em busca de si mesmo, por todo um Pantanal. (Fotos: Paula Maciulevicius)
Mais forte e mais feliz quem sabe. Luiz Otávio Barboza Carneiro segue o caminho devagar porque já teve pressa, em busca de si mesmo, por todo um Pantanal. (Fotos: Paula Maciulevicius)

Como um velho boiadeiro levando a boiada, ele vai tocando os dias pela longa estrada. Andando devagar porque já teve pressa e levando consigo só a certeza de que muito pouco sabe.

Para conhecer as manhas e as manhãs, ele, dois cavalos pantaneiros, dois burros e o sonho de encontrar o Pantanal e se encontrar nele vão percorrer a rota pioneira em uma cavalgada pelo Pantanal.

Um dos personagens que o Lado B teve a felicidade de encontrar na 5ª Cavalgada no Pantanal é o protagonista desta história. Em novembro ele passa a reviver o papel do pantaneiro já vivido e percorrido pelos seus ancestrais. Trineto de Nheco, que dá o nome à Nhecolândia, Luiz Otávio Barboza Carneiro, vai realizar o sonho de menino, aos 58 anos, de galopar por onde passaram os cavalos de seus bisa e trisavós. Sozinho, revivendo o Pantanal e descobrindo o que a interferência do tempo transformou.

“Depois que criei os filhos, eu passei muitos anos querendo fazer isso. Hoje, não tenho compromisso, eles estão tudo criado. Vou fazer meu sonho que é só de andar a cavalo”. Médico veterinário por formação e leiloeiro rural durante boa parte da vida, o amadurecimento e a aposentadoria lhe dão o fôlego para galopar.

A partida tem data. Dia 12 de novembro, mas a volta não. A cavalgada será dividida em duas partes, saindo da cidade Nossa Senhora do Livramento, no Pantanal mato-grossense até a Fazenda Firme, na Nhecolândia. Aí serão 45 dias, em média, para uma cavalgada estimada em 900 quilômetros.

O segundo trecho é saindo da Fazenda Firme até o Leilão Corixão. Restante que o ‘seo’ Luiz Otávio diz não poder contabilizar por conta dos desvios. É um dos motivos dele estar indo todo aparelhado com GPS que pode dar à família a localização exata e transcrever em números a experiência que a vida pantaneira lhe trouxer.

Quando ele falou da ideia, a família, claro, impôs restrições. Principalmente para os cuidados com a saúde. “Não tinha como falar não vai. Então tá. Mas vai se comunicando com a gente”, conta a filha Renata Carneiro, 28 anos.

Preparando a sela como quem prepara as malas para uma viagem de descobertas e redescobertas de um Pantanal vivido pelos ancestrais.
Preparando a sela como quem prepara as malas para uma viagem de descobertas e redescobertas de um Pantanal vivido pelos ancestrais.

O sonho foi todo posto no papel e em formato de projeto mesmo. Com a justificativa histórica e pessoal, os pontos de apoio e abastecimento durante a viagem, o mapa da rota nas duas fases e o projeto piloto, desenvolvido durante a 5ª Cavalgada no Pantanal. Aquela realizada entre os dias 6 e 9 de setembro, na Nhecolândia, que mostraram o dia-a-dia de quem resolveu se aventurar em meio aos pantaneiros.

A aventura de Luiz Otávio promete mais. Ele tem a intenção de registrar tudo. Onde for bem-vindo fica. Fotografa, conta, escreve, vive o modo de viver daquele povo. Uma história para mais de uma série de reportagens. Uma história para uma vida toda.

Na fase piloto foram cinco dias de estrada, saindo da fazenda Nhuporã, já na Nhecolândia, até a sede do evento, na Baía das Pedras. Dentro desta trajetória, a dificuldade foi encontrar água, o que resultou em dois dias sem banho.

A chegada na fazenda foi receptiva. “Em 28 anos, ela nunca me deu um abraço tão apertado como quando eu cheguei”. Ele se referia à filha Renata. A preocupação foi um pouco maior porque o GPS marcou a localização errada de seo Luiz Otávio em todo o trajeto. “Não vai ser fácil, mas coisa fácil não tem graça”, conta já aos risos.

“É com coragem e amor que eu estou fazendo isso. Pode durar um ano. Eu posso ficar uma semana, um dia, como três em um lugar”, vai depender do que mandar o coração.

A intenção de realizar o piloto era anotar o que fosse preciso mudar. A única coisa que a pré-experiência mostrou é que seo Luiz precisa ter um cargueiro a mais. Um só burro, como o feito até a Baía das Pedras, pode não dar conta de conhecer junto do dono, o Pantanal.

“Vim aproveitando a data para testar tudo. Cavalo, equipamento. Era para anotar o que não deu, mas eu não anotei nada”, diz reforçando que tudo estava indo como o esperado.

Durante 5ª Cavalgada no Pantanal, ele ainda tinha a companhia da aprendiz. A neta Luana, de 7 anos.
Durante 5ª Cavalgada no Pantanal, ele ainda tinha a companhia da aprendiz. A neta Luana, de 7 anos.

É que a vontade e o planejamento de fazer tudo dar certo falaram mais alto. Luiz Otávio espera há 35 anos para galopar pela rota pioneira. Ainda tinha o pai vivo quando falava de cavalgar. Segundo ele, deu a hora que deu. Mesmo levando quase quatro décadas para isso acontecer.

“Vou falar uma coisa, você que não conhece, mas fique só aqui, o Pantanal é apaixonante. Você larga tudo o que tem no mundo e vem pra Nhecolândia. Me chamam de louco, mas por que? O povo vai a pé para o Caminho de Santiago. A única coisa que eu quero é pegar o meu cabalo e vim de Livramento, como meus ancestrais”.

O galopar dos cavalos só começa mesmo é depois da benção que o cavaleiro vai pegar na igreja Matriz de Nossa Senhora do Livramento. É o homem pantaneiro que tira o chapéu para pedir proteção.

Luiz Otávio fala com alegria da rota. Veste a camisa do sonho, literalmente. A blusa azul mostra ‘Cavalgando pelo Pantanal – Percorrendo a Rota Pioneira’. E nele há também um misto de ansiedade e de realização nos olhos que parece os de um menino criança que acabou de ganhar um brinquedo muito esperado.

“Nestes cinco dias eu vim conversando com os anjos. Encontrei um amigo que aqui me disse que ele entendeu toda a cavalgada. Ele fala que eu disse a ele se conhecer minha dona, fala que eu estou indo ao encontro dela. Mas quem é a sua dona? Ele me perguntou. É a felicidade”.

A esta frase ele atribui que este espírito aventureiro é o maior antidepressivo. A viagem nem começou e a alma de Luiz Otávio já reflete o que os olhos viram. É de se imaginar que riqueza de experiência cavalgar só, pelo Pantanal não vai lhe trazer.

No livreto, onde está toda a explicação teórica da cavalgada, ele descreve “Mil vezes tenho me indagado das razões para realizar essa jornada, muitas vezes me surpreendido indagando a mim mesmo para quem a faria”.

“Vou falar uma coisa, você que não conhece, mas fique só aqui, o Pantanal é apaixonante. Você larga tudo o que tem no mundo e vem pra Nhecolândia”. Este será um dos vários pôr-do-sol vistos no seio da vida pantaneira, pelo cavaleiro Luiz Otávio.
“Vou falar uma coisa, você que não conhece, mas fique só aqui, o Pantanal é apaixonante. Você larga tudo o que tem no mundo e vem pra Nhecolândia”. Este será um dos vários pôr-do-sol vistos no seio da vida pantaneira, pelo cavaleiro Luiz Otávio.

Ao todo serão mais de 40 fazendas e pontos de história, como a travessia do rio São Lourenço, na divisa dos dois estados de Mato Grosso. O caminho todo saiu do próprio bolso. Ainda não houve pantaneiro disposto a ajudar a reconstruir a história. Seo Luiz Otávio prefere não tocar no assunto, mas o sonho vai custar caro e sem patrocínio ele vai desembolsar R$ 45 mil.

A trajetória, já dita aqui, começa em novembro. Apesar de ir só, seo Luiz Otávio pode dar um gostinho do que é viver a cavalgar no Pantanal. Com a ajuda da filha, ele promete ir alimentando a página no facebook “Cavalgando pelo Pantanal a rota pioneira”, mostrando que valeu a pena.

Um dia chegando e no outro indo embora. No meio tempo, conhecendo as terras pantaneiras no sentido oeste-leste. Registrando mais do que em fotos e textos, na alma, a realidade atual. Imaginando dentro de si, como seria ali num passado de seu trisavô, mas principalmente verificando com os olhos de menino, o presente.

Se Almir Sater diz que cada um de nós compõe a sua história e carrega em si o dom de ser capaz e ser feliz, Luiz Otávio está fazendo sua parte. Talvez mais forte e mais feliz, quem sabe.

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