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Comportamento

Últimos lambe-lambe da cidade estão prestes a abandonar ofício

Ângela Kempfer | 19/09/2011 08:10
Luis e o equipamento que já não funciona. (Foto: Simão Nogueira)
Luis e o equipamento que já não funciona. (Foto: Simão Nogueira)

Na praça, a caixa de madeira é o sinal do lambe-lambe. Mas a estrutura no tripé é só propaganda. A foto mesmo é tirada com máquina mais moderna (apesar de analógica) e a revelação feita na hora, dentro de um baú.

Os últimos dois lambe-lambe de Campo Grande têm mais de 70 anos e uma energia abalada não pela idade, mas pela paradeira na pracinha da Igreja Santo Antônio.

“Tem semana que não faço uma foto. Tô quase parando”, conta o fotógrafo Luis, de 76 anos, que desde 1971 trabalha como lambe-lambe.

O único colega de profissão, Roque Mendes, nem apareceu na tarde de sexta-feira na praça. “Ele está há mais tempo na fotografia do que eu, mas tem dia que nem vem”.

Bravo, Luis reluta bastante em conversar comigo. “Já dei um monte de entrevistas, mas não muda nada para a gente, não melhora”, reclama apontando para o carrinho de mão ao lado. “É o único carro que tive até hoje, ando é de ônibus”.

Como sempre contribuiu com o INSS, conseguiu se aposentar, mas não consegue ficar longe da praça.

Lambe-lambe fechado em plena sexta-feira.
Lambe-lambe fechado em plena sexta-feira.

A conversa flui quando ele é desafiado a falar do passado. “Comecei quando só tinha asfalto ali na 14 de Julho. A praça a gente chamava de jardim, tinha gente que vinha do interior só para ver a fonte luminosa”.

As criticas também fazem o fotógrafo falar mais. “Fecharam a praça (Ary Coelho) e a gente teve de vir para cá, um canteirinho perto do que a gente tinha lá”.

Na era digital, com concorrentes na foto 3X4 espalhados por laboratórios no centro da cidade, o jeito é passar o tempo conversando com os amigos.

Ao lado do companheiro Eduardo, de 82 anos, ele muda o semblante e ri a cada frase do amigo.

“A gente é feliz porque não faz conta, não faz crediário, só paga à vista, daí não tem dívida, né. Fica com a consciência tranquila”, explica a gargalhadas o aposentado Eduardo.

Eduardo procura, não acha...
Eduardo procura, não acha...
e depois mostra foto digital do neto, "ruim".
e depois mostra foto digital do neto, "ruim".

Os dois se conhecem há mais de 60 anos, são amigos desde a adolescência, em Camapuã, onde trabalhavam em fazenda.

“Ei, aquele ali não é o Antonhozinho?”, pergunta Eduardo ao ver um senhor grisalho, passando com dificuldades do outro lado da rua 7 de Setembro. “É nada, o Antonhozinho já nem anda, não sai de casa”, responde Luis.

O amigo procura na carteira uma foto, feita há 40 anos pelo lambe-lambe Luis, para mostrar a qualidade do “retrato”. “Era 5X7, coisa boa, que nunca estraga, mas não acho não”. A prova fica para a fotocópia da carteira de identidade, com seu Eduardo de bigodão e cabelos ainda negros.

De repente ele encontra na carteira outra foto, mas do netinho, feita com câmera digital. “Olha só que ruim, é cinza, logo, logo acaba. Eu sou da época do retrato ”, compara.

Luis emenda a prosa contando que o filho é tapeceiro e também “vê cada coisa”. “Ele abre os sofás e vê que tudo é feito com madeira ruim, só para acabar mesmo, para o cliente ter de comprar outro uma vez por ano”.

Na caixa do lambe-lambe, produzida por ele mesmo, Luis exibe fotos de um casamento no cartório, um protesto contra o que considera desrespeito generalizado pela profissão de fotógrafo.

“Foi um amigo meu que fez, mas o casal nunca pagou. Você vê né, o cara vai lá, trabalha e o cliente nem quer saber, não paga”.

Sobre a extinção do ofício de lambe-lambe, seu Luis fala revoltado. “Uma Capital pequena como essa quer ser melhor do que as outras e fica copiando essas coisas que dizem que são modernas, mas não prestam não”.

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