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Capital

Psiquiatra sugere marcha pela "não violência" em Campo Grande

Viviane Oliveira | 16/12/2012 09:49
Psiquiatra Marcos Estevão (Foto: Simão Nogueira)
Psiquiatra Marcos Estevão (Foto: Simão Nogueira)

A morte de Lawrence Corrêa Biancão, 20 anos, por dois adolescentes de 15 anos que declararam que assassinaram o universitário para roubar e por homofobia, provocou revolta, e, com certeza reacendeu a luz de preocupação que já está mais forte desde que casos de um tipo de violência antes não vista tem acontecido. Este ano, os exemplos vêm fácil à memória, como o assassinato dos amigos Breno e Leonardo, ou ainda o atropelamento, por um traficante, de uma menina de 6 anos, de propósito.  Como fica a cabeça de quem vê a cidade que antes era uma ilha de relativa tranquilidade, sucumbir a casos que provocam medo de sair à rua.

Lawrence, que era acadêmico de publicidade e propaganda, foi encontrado estrangulado dentro do carro, um Fiesta prata, no início da tarde do último domingo (9), estacionado na Orla Morena, no bairro Cabreúva. Breno e Leonardo foram assassinados, depois de torturados, por bandidos, todos jovens, que queriam roubar a camionete dos rapazes, no dia 30 de agosto. Bem antes, no dia 28 de fevereiro, a menina Rayanne foi morta atropelada por um traficante, que jogou a moto sobre a criança para fugir da Polícia.

O Campo Grande News traz, a seguir, a conversa com o psiquiatra Marcos Estevão Moura, que lida, no dia a dia, com um dos fatores desencadeadores da violência, a dependência químida por drogas ilícitas e lícitas. Ele fala sobre a violência que não para de crescer, de crimes contra jovens que já viraram rotina, cometidos por outros jovens, do impacto sobre a sociedade, e defende a prisão perpétua para crimes bárbaros como estes.  Defende, ainda, que em vez de marcha pela liberação da maconha, se faça uma marcha pela "não violência'.

Campo Grande News: O Senhor já considera a violência em Campo Grande um fator preocupante do ponto de vista psicológico?

Marcos Estevão Moura - Campo Grande já é considerada uma cidade grande e a violência começa a fazer parte desse crescimento. A violência não está ligada intimamente a psiquiatra, não é o doente mental que é violento. Violento do modo geral é uma pessoa considerada dentro da normalidade psíquica. Agora, os aspectos psicológicos eles têm importância na violência. A pessoa violenta tem características genéticas, o temperamento as coisas inatas e o meio contribui para isso, então o desenvolvimento da personalidade tem a ver com os aspectos psicológicos que a pessoa vai receber durante a formação dessa personalidade. Porém, a violência tem um ponto de vista psicológico sim, mas ela também tem um ponto de vista biológico. A pessoa já tem esse comportamento violento. Para ter condições de saber exatamente como é a personalidade de um criminoso, a gente tem que analisá-la antes do crime, como foi executado e como se comporta depois, por exemplo, com a punição. Ai sim você tem condições de mostrar exatamente como é a personalidade da pessoa.

Lawrence  foi encontrado morto no último domingo, na Orla Morena. (Foto: arquivo pessoal/facebook)
Lawrence foi encontrado morto no último domingo, na Orla Morena. (Foto: arquivo pessoal/facebook)

Campo Grande News: Que tipo de transtornos a violência pode provocar?

Marcos Estevão - A pessoa que está sofrendo uma violência ou sofreu, ela vai ter primeiro um transtorno de estresse agudo, mas de um modo geral não significa que ela vai ter isso. Ela pode ser psiquicamente muito bem preparada para não ter esse sintoma, mas se esse preparo não for adequado ela vai ter de forma imediata uma reação de medo, de ansiedade e de fuga. Depois de algum tempo ela vai ter o chamado transtorno de estresse pós-traumático, que é toda essa manifestação psíquica caracterizada por ansiedade, medo e depressão, relacionada ao estresse que passou. Então a pessoa não consegue dormir adequadamente, não consegue conviver com a sociedade, por medo. O transtorno de estresse pós-traumático quando é muito prolongado pode resultar em um quadro depressivo ou outras situações psicológicas graves que precisam ser tratados. Do modo geral a reação aguda ao estresse pode por si só desaparecer. Já o transtorno de estresse pós-traumático precisa de uma ajuda profissional e o transtorno depressivo que pode se instalar depois de um transtorno pós-traumático, por exemplo, esse então precisa de uma intervenção maior.

Campo Grande News: Em casos do estudante Lawrence, morto por adolescentes que fizeram afirmações homofóbicas, há um impacto de que tipo no imaginário?

Marcos Estevão - Nós estamos no momento que a gente chama das fobias, eu até não acho um termo certo, mas nós temos as homofóbicas, psicofobias, termos que eu discordo deles, porque o que acontece é a violência do homem contra o homem, ou seja, do ser humano contra o ser humano. É claro que algumas pessoas por transtorno de personalidade elegem um grupo para ser violentado por eles. Então podem violentar idosos, crianças, brancos, negros, índios e pode violentar homossexuais, por exemplo, mas é importante que a gente saiba que a violência está disseminada. Eu não sei dizer estaticamente se há uma violência maior contra o homossexual, porém é muito grande a violência na sociedade, contra o jovem principalmente porque é ele que vai para as baladas, que está na noite, que não fica em casa longe da violência. Há pouco tempo dois foram mortos num furto de caminhonete e eles não eram homossexuais, eram jovens como esse outro que era homossexual. Então eu acredito que a violência está contra o heterossexual e homossexual. A violência está disseminada e nós precisamos fazer algo para combater essa violência. Nós precisamos acionar o poder público para coibir isso que não está nascendo, mas já nasceu. Nós temos de fazer alguma coisa para acabar com isso de uma vez por todas para que possamos sair como no passado, tranquilamente pelas ruas, colocar cadeiras na porta de casa e tomar um tereré com calma e tranquilidade com os vizinhos, parentes e amigos.


Campo Grande News: E como ficam os pais de uma vítima de violência assim?

Marcos Estevão - Olha é muito difícil para um pai e uma mãe perder um filho. A violência é difícil em todos os sentidos. Se o filho perdesse o pai ou a mãe seria muito triste é claro, porém para os pais a dor é muito maior. Eles jamais imaginariam que a sociedade permitiria que alguém tirasse a vida do filho deles. O pai espera a proteção social dos filhos, mas não que a sociedade seja uma arma contra eles. Então isso cria uma revolta muito grande nos pais, um descrédito na sociedade, no poder público e nas pessoas. Na verdade eles morrem com os filhos e nunca mais vão ser os mesmos. Para os pais não interessa qual é a preferência sexual do filho, não interessa nem um tipo de comportamento que ele tenha adquirido. O que importa e apenas que era um filho e amado como qualquer outro. Hoje nós temos que acabar com todos os ciclos de preconceito e amar os filhos como eles são desde que esses tenham boa índole e não sejam o lado mal da história. Se forem, nós temos que fazer algo contra eles para evitar o mal que possam fazer ao outro. Então se os pais observarem uma índole má nos filhos e se de alguma forma não forem passíveis de tratamento precisam ser entregues as autoridades policiais porque não se pode permitir que eles venham a cometer crimes contra outras pessoas. Existem dois tipos de pais: os pais do adolescente morto que hoje não acreditam mais no poder público, na sociedade e nem nas pessoas em geral e os pais dos assassinos que tem que fazer algo contra isso. O que eles têm que fazer para diminuir sua própria culpa? Não concordando com o que os filhos fizeram e ajudar a Polícia no controle deles e da violência geral.

Campo Grande News: Os colegas também precisam de um apoio?

Marcos Estevão - Nós temos colegas e amigos. Os colegas vão ter uma reação psicológica e vão se questionar se estão livres desse tipo de violência. Já os amigos são pessoas muito próximas e vão sentir a dor dessa perda, não tanto talvez como os pais, porém são pessoas que podem vir a precisar de apoio. Se realmente for comprovada essa questão do homossexualismo, os colegas homossexuais vão ter um medo muito grande de que isso aconteça com eles, mas a não ser que nós tenhamos um psicopata, por exemplo, solto com essa finalidade de matar homossexual ou então esse temor não se justificaria. A violência é contra o ser humano e eles têm que lutar junto com a sociedade contra essa violência que está instalada.

Campo Grande News: O senhor lida com dependentes químicos o tempo todo. A dependência química e seus efeitos tornam a pessoa mais violenta?

Marcos Estevão - O dependente de drogas não é violento, mas o violento quase sempre está envolvido com drogas. A dependência de drogas é uma doença, o dependente químico não é marginal e nem criminoso, no entanto o criminoso quase sempre está associado a drogas. É importante que se faça essa diferença, não podemos ver o crime no dependente, porém podemos ver a droga no criminoso. O bandido ele usa a droga por diversão para facilitar o seu impulso agressivo. Enquanto o dependente usa a droga para combater a falta dela no organismo ou então que a droga mascare um sintoma depressivo ansioso que ele tem. Já o criminoso usa a droga para facilitar seu crime e muitas vezes eles usam pouca droga. Os grandes chefões fazem a sua gangue usar mais para facilitar o crime realizado por eles. Às vezes um chefão, um psicopata, por exemplo,  não usa muita droga e de um modo em geral não são dependentes.

Leonardo, à esquerda, e Breno, mortos com um tiro na cabeça após sequestro no dia 30 de agosto, em Campo Grande.(Foto: divulgação/aquivo)
Leonardo, à esquerda, e Breno, mortos com um tiro na cabeça após sequestro no dia 30 de agosto, em Campo Grande.(Foto: divulgação/aquivo)

Campo Grande News: Qual é o caminho para coibir essa violência que muitos atribuem a alteração mental provocada pela droga?

Marcos Estevão - É importante a gente ver quantas pessoas dependentes de drogas estão nos hospitais, clínicas, comunidades terapêuticas e nos grupos de tratamento e a gente não vê índole má na maioria delas, são poucos os criminosos que são dependentes de droga, que usam para facilitar o crime. O dependente não é um criminoso por si só. O doente mental não é um criminoso. As cadeias estão cheias de criminosos e você pode ir lá e não vai ver doentes mentais no meio deles. A maioria não tem doença mental, tem apenas uma índole má para cometer crimes, são pessoas perversas, personalidades que desde a infância vem se formando para o crime e quando começam não conseguem mais parar. Essas pessoas teriam que ter uma punição maior, nós teríamos que pensar, por exemplo, em prisão perpétua para essas pessoas. Muitas vezes são criminosos reincidentes em seus crimes e que eles não param quando começam. É uma escalada sem fim. A sociedade tem que se organizar no combate à violência e ir para as ruas protestar. Se nós temos marchas terríveis, insanas como a marcha da maconha, nós temos que ir para a marcha da não violência e pedir paz. Nós temos que exigir do poder público não que libere a maconha, mas que traga paz para as ruas, que aumente o policiamento, que treine bem os seus policiais e façam uma sociedade livre de criminosos, alguns países já mostraram isso no mundo, nós temos essa capacidade, mas falta vontade política.

Campo Grande News: O senhor defende a internação compulsória? Por quê?

Marcos Estevão - Sim. Eu defendo a internação compulsória para dependência química porque a droga tira o poder de ver o certo e o errado e o poder de decisão. Ela mexe naquilo que é mais importante na vida que é a célula nervosa do cérebro. E a partir do momento que se torna dependente, a pessoa vira escrava da droga, não faz mais nada para si mesma. Troca mulher, filho, trabalho, amigos e sociedade. O dependente troca tudo para se drogar, não para matar, mas para se drogar. Ele passa ser um farrapo humano e o tempo que nós permitimos que se mantenha nas ruas usando drogas, nós estamos aceitando que ele mate um pouco mais de neurônios. A internação compulsória e tratá-lo, fazê-lo sentir o que é sobriedade e a partir daí o individuo começa a pensar que é importante ser uma pessoa sóbria, ele começa a ter saudade da família e começa a pensar o que foi feito da vida dele. Se nós procedemos com a internação compulsória temos grandes chances de ter uma pessoa normal no futuro, que volte com o seu poder de decisão e volte a ser ainda uma pessoa importante para a sociedade. Se não ajudarmos vamos ver uma pessoa definhar até a morte. É importante dizer que o dependente de droga, a principio, ele mata sim: mas mata ele próprio. Além de ser um ato de humanidade, a internação compulsória pode ser uma medida heroica para evitar a morte.

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