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Artes

Busto da Tia Eva teve 2 inaugurações e até hoje placa política apaga assinatura

Ângela Kempfer | 02/05/2012 10:55
A artista plástica Maria Naves, que fez o busto da Tia Eva, trabalha em outra obra. (Foto: Reprodução Facebook)
A artista plástica Maria Naves, que fez o busto da Tia Eva, trabalha em outra obra. (Foto: Reprodução Facebook)

Lá se vão dez anos e até hoje Maria Naves ainda não conseguiu o que parecia óbvio para qualquer artista, ter a assinatura em uma de suas obras. Na Comunidade São Benedito, o busto da Tia Eva recentemente foi alvo de vândalos, o que trouxe à tona a indignação de Maria, a autora do trabalho.

"Acho que foi uma reação contra as cotas, porque foi na mesma semana que foi aprovada a política de cotas no Brasil. A tinta branca que jogaram não foi à toa", argumenta

Além da revolta diante do crime contra o patrimônio, ela reclama que luta há anos para ter o reconhecimento, com placa indicativa no busto. “Quando inauguraram, colocaram a placa do governo sobre a minha assinatura. É um absurdo, apagaram o nome do artista”, protesta.

Maria Naves conta que o lançamento da homenagem a mulher que criou a comunidade foi uma sucessão de equívocos. “Primeira porque inauguraram duas vezes e ainda queriam inaugurar a terceira. Disse que isso era um absurdo, porque só queriam promover um governo que não deu um centavo para o trabalho”, diz.

O busto ficou pronto no governo passado, depois de uma pesquisa intensa coordenada pelo Departamento de Jornalismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Maria Naves participou do projeto por escolheu o assunto como tema da monografia. Em 2000 ficou dentro da igrejinha de São Benedito e em 2002 passou para o lado de fora.

A briga entre a autora e a Fundação de Cultura começou já no dia da inauguração. Maria viu que uma placa institucional do governo do estado foi colocado sobre a assinatura dela e ficou revoltada. “Disse que eu nunca tinha visto isso. Como apagam o nome da artista”.

Briguenta, ela ameaçou arrancar a placa institucional na mesma hora, mas desistiu. “Disseram que se eu fizesse isso seria processada por crime contra o patrimônio. Já pensou?”.

Foram meses de conversas com gente mais velha da comunidade, para recordar as feições da ex-escrava e terminar a homenagem. Depois de 50 retratos falados, Maria Naves conseguiu transformar o mármore resinado na imagem de Tia Eva. “Quando uma das senhoras que a conheceu viu o busto ela ficou muito emocionada e começou a dizer: parece que é a Eva que está aqui”, lembra a artista que também é arte educadora.

Tinta branca foi jogada no busto na semana passada e comunidade se uniu para recuperar a obra. Abaixo, a placa institucional do governo.
Tinta branca foi jogada no busto na semana passada e comunidade se uniu para recuperar a obra. Abaixo, a placa institucional do governo.

Outra frustração é o fim do projeto, que também buscava recordar e registrar a história da comunidade, além de retomar atividades tradicionais, como a produção de cerâmica. “Durante a pesquisa, descobri tinha um rio, hoje poluído, de onde os antigos tiravam barro e faziam potes e fui resgatar isso”.

Em torno do artesanato, ela conseguia avançar na pesquisa. “Nós criamos um forno para a cerâmica e era lindo ver gente de todas as idades produzindo. Na hora da queima, que durava 8 anos, todos ficavam ali, contando as histórias, muitas delas desconhecidas pelos mais novos”.

Em 2005, Maria Naves mudou de endereço e agora vive no interior de São Paulo, mas nunca esqueceu do que considera “desrespeito”. “Desde então venho tentando colocar meu nome lá e só prometiam: essa semana a gente coloca placa. Falo com a Fundação de Cultura, até cheguei a fazer uma placa e entregar para colocarem lá, mas nada até hoje”.

A obra virou símbolo não só da comunidade negra, mas de Campo Grande. Vira e mexe, a imagem aparece em propagandas institucionais e políticas, mas Maria Naves nunca é citada, reclama. “É o fim da picada, saber que no Brasil não existe ética cultural, que a arte não tem autoria”.

O presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Américo Calheiros, lembra que a confusão ocorreu no governo Zeca do PT e garante que na administração atual nunca foi procurado por Maria Naves. “Ela tem de entrar em contato com a gerência do Patrimônio Histórico para a gente ver o que faz”, explica.

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