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Capital

Em 9 meses, 46 guardas pediram afastamento por sofrimento psicológico

Corporação participa de curso, nesta terça (22) e quarta (23), para prevenir suicídio que já levou embora colega de 32 anos

Izabela Sanchez | 22/10/2019 13:41
Guardas Municipais lotaram auditório da OAB na manhã desta terça-feira (22) para curso que previne suicídio (Foto: Marcos Maluf)
Guardas Municipais lotaram auditório da OAB na manhã desta terça-feira (22) para curso que previne suicídio (Foto: Marcos Maluf)

De janeiro a setembro de 2017, 142 guardas municipais tiveram de pedir afastamento da corporação para tratar sofrimentos psicológicos e mentais. Em 2018, foram 70 pedidos e até setembro desse ano, 46. Os números são da Sesdes (Secretaria Especial de Segurança e Defesa Social) e a queda pode ser reflexo de cursos de prevenção para acabar com o tabu de falar sobre saúde mental na corporação.

Nesta terça (22) e quarta-feira (23), a CGM (Guarda Civil Metropolitana) participa de um curso de prevenção daquela que pode ser a última etapa de uma série de fases do sofrimento mental e psicológico: o suicídio. O curso com psicóloga e psiquiatra ocorre no auditório da OAB-MS (Ordem dos Advogados Seccional Mato Grosso do Sul).

Em auditório lotado, nesta terça-feira os guardas ouviram o chefe do núcleo de atenção biopsicossocial da GCM, Guilherme Gonçalves de Oliveira, teólogo e “futuro psicanalista” e o médico psiquiatra da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) Eduardo Gomes de Araújo. Amanhã a palestra é da psicóloga Adriana Freixo.

Valério Azambuja, secretário de segurança da Capital, abriu evento nesta terça-feira (Foto: Marcos Maluf)
Valério Azambuja, secretário de segurança da Capital, abriu evento nesta terça-feira (Foto: Marcos Maluf)

Remuneração – É mais barato sofrer o desconto por falta no salário do que faltar a um dos bicos que os servidores pegam para reforçar a renda todo mês. O motivo, segundo o titular da Sesdes Valério Azambuja, é o que está por trás do número recorrente de sindicâncias contra os guardas publicadas todos os dias em Diário Oficial.

“Acontece o seguinte. Eles, ainda hoje, tem 2 ou 3 bicos, aí, por exemplo, eles estão naquele horário de folga deles, eles pegam para fazer bicos de pedreiro, pintor, carpinteiro, eletricista, enfim. Naquele dia que ele está escalado para plantão, ele pegou um servicinho de 1 dia, 2 dias, que ele ganhou lá uns R$ 400, ele prefere faltar. Porque ele é penalizado administrativamente e dá um desconto no salário dele, vai dar lá R$ 70, R$ 80, mas ele ganha mais fazendo bico, por isso que ainda tem muito [sindicância]”, disse o secretário.

De modo geral, comunga análise do secretário com a dos guardas: é o tipo de trabalho, a exposição diária à violência, a maior responsável pelo estresse, ansiedade, depressão e dependência química.

Auditório da OAB nesta terça (Foto: Marcos Maluf)
Auditório da OAB nesta terça (Foto: Marcos Maluf)

“Isso não é só na guarda, você tem a doença da atividade do dia-a-dia, principalmente os que trabalham na rua, trabalho mais operacional, com bandido, com traficante, com estupradores, toda essa gama de carga, com o passar do tempo, o servidor acaba absorvendo, não importa se ele ganha R$ 20 mil, R$ 10 mil”, afirma Azambuja.

Para o guarda municipal Ideu Vilela, integrante da corporação há 10 anos, o campo afetivo, junto à família, também contribui. “A gente trabalha com atendimento ao público então no seu dia-a-dia, você lida com vários problemas diferentes. Tem que dar um atendimento a uma pessoa, vamos supor, uma mulher que foi espancada pelo marido, você lida com ladrão que está roubando, então cada caso desse você tem que estar com esse pensamento bom para fazer um bom atendimento. Estresse, não só na parte de trabalho, mas também familiar. Eles têm um segundo trabalho, devido a questão financeira, para sustentar suas famílias, fazem bico, como se diz né”, comentou.

Este ano, um dos colegas, de 32 anos, cometeu acabou tirando a própria vida e o caso foi lembrado com pesar durante o curso. “Nos últimos 5 anos esse ano foi o único que foi registrado caso de suicídio, mas uso de bebida alcoólica é muito alto, alguns com envolvimento de substância entorpecente, baixo, mas tem, a gente tem que admitir. Tem que identificar e tem que tratar”, comentou Valério.

“Esse é o papel desse tipo de capacitação. É a possibilidade de eles terem um contato com profissional, psicólogo e psiquiatra, para ele verem, ouvirem, se identificarem com algum tipo de problema e procurar ajuda. Porque não basta, por exemplo, no IMPCG que tem psicólogo e psiquiatra, mas se eles não se identificarem eles não procuram ajuda”, opina.

Ideu Vilela é guarda municipal há 10 anos (Foto: Marcos Maluf)
Ideu Vilela é guarda municipal há 10 anos (Foto: Marcos Maluf)

Ainda é tabu – Pedir ajuda ou fazer terapia ainda é tabu na corporação. Além do medo de parecer “fraco” ou até “louco”, quem carrega um sofrimento e procura ajuda tem, muitas vezes, que aguentar as piadas dos colegas. “Ainda tem muita resistência. A pessoa ainda é muito receosa de procurar ajuda, tem medo de ser prejudicada talvez no trabalho. Dos colegas fazerem piada”, comenta Ideu.

Para o secretário de segurança, o curso democratiza o problema e incentiva a busca por ajuda. Apesar da rotina pesar mais que o salário, ganhar pouco e não conseguir sustentar a família não ajuda quem está sofrendo.

Segundo o chefe da guarda, em janeiro “mais de 50%” dos guardas terão aumento de salário por conta do plano de cargos e carreiras publicado em agosto. Azambuja ainda promete, em “uma ou duas semanas” a publicação do edital para o concurso da GCM.

“A partir de janeiro vamos fazer o reenquadramento. Tem que aguardar porque está saindo estudos agora em novembro, mas vai ter uma melhora para mais de 50% deles, vai ter uma melhora bastante razoável. Até o final dessa semana e da próxima provavelmente vai estar saindo o edital”, prometeu.

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