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Interior

Droga domina fronteira, manchada com sangue da guerra de facções

Todo dia polícia apreende carregamentos de drogas em MS; PCC e CV mudaram “cara” do crime na região e fuzilamentos se espalham

Helio de Freitas, de Dourados | 28/05/2019 06:04
Jarvis Pavão (à esquerda) e Minotauro estão em presídios federais, mas grupos liderados por eles continuam em guerra (Foto: Arquivo/Montagem)
Jarvis Pavão (à esquerda) e Minotauro estão em presídios federais, mas grupos liderados por eles continuam em guerra (Foto: Arquivo/Montagem)

Nunca se aprendeu tanta droga como atualmente na fronteira do Brasil com o Paraguai, em território sul-mato-grossense. Também nunca se viu tanta gente sendo morta em chacinas, execuções a qualquer hora do dia, roubos a bancos, assaltos com reféns em residência e bandido colocando a arma na cara de gente de bem para levar o carro ou a moto.

O Campo Grande News começa a publicar hoje (28) a série de reportagens “MS nas mãos do crime”, que vai mostrar ao longo desta semana dados estatísticos, depoimentos e análises de especialistas sobre a escalada da criminalidade em Mato Grosso do Sul, onde as execuções com armamento de guerra se tornaram rotineiras e chegam até mesmo em cidades mais distantes geograficamente da fronteira, como a capital Campo Grande.

A produção de maconha está em franca expansão do lado paraguaio, mesmo com todo o apoio financeiro e treinamento da DEA, a agência norte-americana de combate às drogas.

Também sai do Paraguai por Mato Grosso do Sul boa parte da cocaína que entra no Brasil para abastecer o mercado interno e para ser mandada de navio para a Europa.

A coca, planta usada para produzir cocaína, não nasce em terras paraguaias, mas com boa parte da polícia na folha de pagamento do crime organizado e com uma fronteira seca gigantesca e abandonada, o Paraguai se tornou entreposto do pó branco produzido na Bolívia e trazido pelas quadrilhas internacionais para o território brasileiro.

Como tanta facilidade, não é se espantar que a Linha Internacional entre Mato Grosso do Sul e o departamento (equivalente a estado) de Amambay se tornasse o paraíso para os narcotraficantes, que não são mais os barões da droga das antigas – homens da sociedade que frequentavam eventos sociais e se misturavam com autoridades políticas, muitas vezes se tornando uma delas.

Agência do Sicredi arrombada a tiros de fuzil em Coronel Sapucaia, em 5 de abril deste ano (Foto: Arquivo)
Agência do Sicredi arrombada a tiros de fuzil em Coronel Sapucaia, em 5 de abril deste ano (Foto: Arquivo)

As facções na fronteira – Agora quem dá as cartas na fronteira são as organizações criminosas, mais precisamente o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. São essas duas quadrilhas que estão patrocinando a matança em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã.

Essa é a leitura que fazem policiais da linha de frente do combate ao crime organizado em Mato Grosso do Sul. Vários foram ouvidos pelo Campo Grande News. Muitos aceitam falar, mas pedem o anonimato, para não se tornarem também alvos das balas de fuzil que mancham a fronteira de sangue.

Na semana passada, o ministro-chefe da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) do Paraguai Arnaldo Giuzzio disse que os brasileiros Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”, e Jarvis Gimenes Pavão, mesmo recolhidos em presídios federais, continuam lutando pelo controle do crime organizado na Linha Internacional.

O mais recente banho de sangue na fronteira ocorreu na madrugada de 22 deste mês. Seis pessoas, entre elas uma adolescente de 16 anos, foram executadas a tiros de fuzil e pistola em Pedro Juan Caballero. A polícia paraguaia acusou o PCC e disse que os mortos eram ligados à quadrilha de Jarvis Pavão.

Jorge Rafaat – PCC e Comando Vermelho são atuantes na fronteira há pelo menos dez anos. Mas foi nos últimos cinco que os grupos intensificaram a presença em Ponta Porã-Pedro Juan Caballero e Coronel Sapucaia-Capitán Bado.

“As facções perceberam que tinham um filão na fronteira e decidiram cortar o atravessador, o intermediário. Decidiram fazer no crime organizado o que em mercados formais se chama de verticalização, ou seja, você ser dono de toda a escala de produção”, afirma um experiente policial com atuação na fronteira.

“Esses grupos se instalaram no Paraguai para assumir o controle da produção de droga e do fornecimento de armas. Mas quando chegaram lá se depararam grupos locais e travaram uma disputa velada. Essa disputa continuou até chegar ao Rafaat [Jorge Rafaat Toumani], que era dono de tudo e já estava brigado com o Jarvis [Jarvis Gimenes Pavão]”, conta a fonte.

Segundo o policial ouvido pela reportagem, Pavão decidiu aproveitar o momento para se livrar do antigo sócio e naquele momento concorrente e inimigo no submundo do crime.

“Ele se aliou ao PCC para matar o Rafaat. Com apoio do Comando Vermelho, a facção paulista decidiu eliminar o Rafaat porque ele começou a vender droga diretamente para o Brasil, traindo um acordo que tinham de repassar para o PCC e ficar com a Europa e outros mercados”, afirma o policial.

Apontado como um dos maiores narcotraficantes da América do Sul, o brasileiro Jorge Rafaat Toumani comandou o crime organizado na fronteira até ser morto a tiros de metralhadora calibre 50 em um ataque cinematográfico, na noite de 15 de junho de 2016.

Policial paraguaio observa caminhonete onde estava gerente de Jarvis Pavão, executado no início deste mês (Foto: Arquivo)
Policial paraguaio observa caminhonete onde estava gerente de Jarvis Pavão, executado no início deste mês (Foto: Arquivo)

Sem cabeça – Apesar de oficialmente poucas autoridades admitirem publicamente que a morte de Rafaat piorou a situação na fronteira, nos bastidores policiais não resta dúvida: ruim com ele, pior sem ele, já que a falta de uma única liderança tornou a disputa ainda mais sangrenta.

“Logo depois os três [PCC, Comando Vermelho e Pavão] romperam a aliança e ficou cada um por si. Aí começaram a matar todo mundo. Quase toda a família do Jarvis Pavão e seus aliados foram mortos”, revela a fonte. Entre os parentes de Pavão executados estão o irmão dele, em 2017, e o tio, o ex-vereador de Ponta Porã Francisco Novais Gimenez, o Chico Gimenez, em dezembro do ano passado.

“Sem comando, bandidos de todos os tipos e de todos os lados começaram a vir para a fronteira, porque antes eles não podiam agir como vêm agindo”, afirma o policial.

Ele continua: “com dólar nas alturas que prejudica a economia da fronteira e a crise na segurança pública dos dois países, todo dia tem gente procurando uma forma alternativa de ganhar dinheiro e muitas vezes encontra no tráfico e no contrabando”.

Violência se espalha – Outro policial ouvido pelo Campo Grande News avalia que os tentáculos do crime organizado fronteiriço estão espalhados por várias cidades de Mato Grosso do Sul.

Dourados, a segunda maior cidade, com 215 mil habitantes, é considerada pela Polícia Federal um “ponto nevrálgico” do crime organizado, por ficar em ponto estratégico da rota da droga e do contrabando.

Campo Grande também se tornou palco das execuções a mando do crime organizado. Entre os casos mais recentes estão as mortes do chefe da segurança da Assembleia Legislativa, o subtenente Ilson Martins Figueiredo; de Orlando Silva Fernandes, o “Bomba”; e de Matheus Coutinho Xavier, filho de um capitão reformado da Polícia Militar.

“Muita gente ligada ao crime da fronteira vai para a Capital, para se manter no anonimato ou para não ficar muito exposto nessa guerra. O Bomba, por exemplo, era segurança do Rafaat, traiu o patrão. Era questão de tempo para ele morrer. Ainda sobreviveu dois anos depois da traição, mas foi morto”.

O policial afirma que a guerra está perto do fim. Ainda não existe um único chefe, mas logo deve surgir. “A briga agora não é mais de soco nem de pistolinha, é de fuzil. Mas a guerra não é interessante para ninguém, nem para eles. Em breve, um ou no máximo dois grupos vão assumir o controle, para lucrar também com o contrabando e com a segurança das lojas, como o Rafaat fazia antes”.

Metralhadora usada para matar Jorge Rafaat; crime faz três anos no mês que vem (Foto: Arquivo)
Metralhadora usada para matar Jorge Rafaat; crime faz três anos no mês que vem (Foto: Arquivo)
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