ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  18    CAMPO GRANDE 18º

Cidades

No adeus ao TJ, Santini defende vale-caviar, rebate críticas e prepara retorno

Aline dos Santos | 31/03/2012 08:57

“Não sou pessoa de ficar parada”, diz, ao anunciar volta à área privada

O presidente do TJ, Luis Carlos Santini, se aposenta da Magistratura esta semana. (Foto: João Garrigó)
O presidente do TJ, Luis Carlos Santini, se aposenta da Magistratura esta semana. (Foto: João Garrigó)

Às vésperas de completar 70 anos e dar adeus à presidência do TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o desembargador Luiz Carlos Santini se prepara para voltar ao começo.

No dia 3 de abril, data do aniversário, segue para uma viagem de uma semana. No retorno, vai atuar como advogado tributarista comercial, função que exerceu no início da carreira em Bauru (SP), sua cidade natal. “Não sou pessoa de ficar parada”, diz, ao anunciar o retorno à área privada.

No comando do tribunal, o ainda “dono da caneta” conheceu opostos: enfrentou a vistoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e, depois de um acirrada briga judicial, conseguiu colocar no comando dos cartórios titulares aprovado em concurso.

Também sob sua tutela, os magistrados ganharam direito ao auxílio-alimentação, em torno de R$ 940. O benefício, que foi taxado de regalia, ganhou até apelido: vale-caviar. Enquanto os outros servidores recebem o vale-coxinha.

Quanto à vistoria, critica o CNJ. “Das observações que eles fizeram, grande parte delas não tem fundamento, foi por uma visão não completa, não tiveram tempo de ver tudo”, afirma o entrevistado que, quando o assunto é lei, não dá resposta evasiva, checando cada artigo nos livros, sempre ao alcance das mãos.

Sobre o Judiciário, justifica que o Poder está, desde a década de 90, na berlinda. Quando ganhou projeção, mas, não soube, segundo ele, se explicar ao seu novo grande público: a população. “Em outras palavras, não soubemos nos comunicar, a ideia de que o juiz só fala nos autos ficou exageradamente sedimentado”, diz.

Em ano eleitoral, Santini, que também foi presidente do TRE/MS (Tribunal Regional Eleitoral), aponta que o sistema é falho e sugere a adoção do sistema distrital para atenuar o impacto do poder financeiro dos candidatos concorrentes.

Na despedida, há espaço para um pai orgulhoso e boas histórias. Como a audiência em que o fórum de Aquidauana foi cercado por homens armados.

Campo Grande News - Durante a administração do senhor, o CNJ fez uma vistoria no TJ/MS e surgiram denúncias até de enriquecimento ilícito. Os procedimentos já foram concluídos?

Eles viram várias coisas aqui; por exemplo, eles levaram varias decisões nossas. Esse relatório é publico, viram várias coisas em relação à administração do tribunal. Algumas coisas nós corrigimos, outras coisas ainda estão pendentes.

Enriquecimento até hoje ninguém discutiu nada sobre isso e nem provou nada e nem falou nada. O que posso dizer é que as observações que eles fizeram, grande parte delas não tem fundamento.

São por uma visão não completa, não tiveram tempo de ver tudo. Algumas tinham fundamento e corrigimos, como, por exemplo, nomeações de servidores. Estamos corrigindo cargo de provimento em comissão.

Para você ter uma ideia, há um limite de 50% do cargo de provimento em comissão para efetivo e para pessoas não efetivas, fora do quadro. Em 2010, nós tínhamos, além do limite, 38. Em 2009, nós passamos a ter 20 e hoje temos 18. Tenho servidor aqui que foi nomeado antes da Constituição de 1988, sem concurso.

Ele está, portanto, com 30 anos. Vamos com calma, não vamos jogar esse individuo na rua. Isso esta sendo consertado. O CNJ está vendo isso. Agora uma coisa é certa, o CNJ disse que o Mato Grosso do Sul é o segundo poder judiciário do país em julgamento, isso é da Justiça em Números.

Em termos de acórdão, só o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul produz mais do que o nosso tribunal. Em termos totais, tribunal e primeiro grau, só o Rio de Janeiro julgou mais do que o Mato Grosso do Sul.

Campo Grande News - Recentemente foi aprovado o vale-alimentação de 5% para os juízes. Para alguns, é regalia. Para outros, uma questão de Justiça pela função que desempenha. Qual a análise do senhor?

A Constituição estabelece dentre o Judiciário como poder e as carreiras essenciais à função da Justiça. Existe na constituição determinação de isonomia de tratamento, não igualdade, isonomia de tratamento. E os promotores e procuradores da República têm desde 2005.

Então o CNJ disse: ‘espera um pouco, precisa’. Os defensores ganham mais do que o juiz, nós temos um limite, eles não tem. Caíram de pau em cima de nós.

Saiu o vale-caviar e vale-coxinha dos servidores.

Aí eu falei, vou aplicar o vale-caviar para o sindicato. Ah não, não quero. Porque tem servidor que ganha 10%, 15% de auxílio-alimentação. O auxílio é R$ 374, quem ganha R$ 2.800, R$2.500, tinha R$ 312 de alimentação. Agora como ia fazer para o magistrado? Segui o que todo mundo estabelecia, os 5%.

Campo Grande News - O senhor acompanhou a polêmica na imprensa?

Eu falei na imprensa, vou dar o vale-caviar. Aí pararam, o servidor ia ganhar menos. O juiz tem uma função diferente, como o presidente da República, o governador. Seja ele federal ou estadual, ele é juiz 24 horas. Ele não tem horário de trabalho, ele tem horário de atendimento ao público.

Se você chegar em minha casa às 3 horas da manhã e eu estiver de plantão sou obrigado a atender, sob pena de responsabilidade funcional. O juiz é o que o americano chama de full time.

Campo Grande News - Mas o juiz inicial ingressa na carreira com salário de 18 mil?

É o inicial bruto, mas desconta o Imposto de Renda, a Previdência. O juiz inicial hoje não aposenta como eu, porque a reforma da previdência ressalvou quem já tinha tempo de se aposentar, como eu. Se ficasse, teria abono permanência.

A Constituição diz que os que entraram depois da emenda constitucional vão aposentar com teto limite da previdência, vai ter que ter previdência suplementar. Agora, ele não pode fazer mais nada. Não pode ter uma loja, um restaurante, uma empresa. É a única carreira que exige dedicação exclusiva.

Por exemplo, tenho um monte de juízes aqui, de assessores, que almoçam no restaurante. Então há esse fator, poderia até ser um privilégio do juiz, é um modo de pensar, eu não tiro. Mas também é a única profissão do Estado que está desde 2007 sem qualquer reajuste.

Campo Grande News - Para o senhor, que foi presidente do TRE/MS, a legislação eleitoral deveria abolir o período pré-eleitoral, pois está claro que a eleição começa muito antes do previsto no calendário, ou tornar a lei mais rígida?

A reeleição do Obama foi pensada desde o primeiro dia que ele assumiu. Você não pode desconhecer isso. Vou falar de maneira geral, como professor. Acontece que o sistema eleitoral a meu ver é falho. Não o sistema de votação, a urna eletrônica nem a Justiça Eleitoral, mas o sistema.

A legislação brasileira é arcaica, ultrapassada, não serve para escolher os representantes, principalmente do Legislativo. O melhor seria o voto distrital. Entenda, o Sarkozy quando assumiu a presidência da França já iniciou a sua campanha para reeleição.

Isso faz parte do jogo, é questão política, mas você tem que estabelecer determinadas circunstâncias e regras para que isso se faça de maneira a não impedir quem não está no poder.

Essas reuniões, você não consegue impedir. Proibiu o jogo do bicho em 1945, pararam o jogo do bicho, não. Então, você não consegue fazer uma lei para mudar um comportamento sedimentado do ser humano.

A Justiça Eleitoral precisa ter elementos, que muitas vezes lhe faltam, para punir adequadamente em termos do uso do poder econômico e do poder político na eleição.

Agora, dizer que o Obama quando assumiu já não começou a trabalhar para a reeleição é mais ou menos tapar o sol com a peneira. Dizer que o Sarkozy já não começou a trabalhar para voltar, é ilusão, mais ou menos acreditar que ovo possa ter pelo.

Isso é natural do ser humano, o ser humano é político. Tenho que encontrar os parâmetros, impedir que quem ocupe o cargo público utilize o seu cargo de poder para impedir o outro de tentar assumir o cargo de poder. Mas eu não posso impedir a vida íntima das pessoas.

Se tivéssemos sistema como nos países desenvolvidos, um sistema eleitoral distrital. Seria muito mais fácil o controle disso. Vamos pegar Campo Grande , que vai ter 29 vereadores, e dividir 29 distritos. Cada distrito com numero proporcional de votos.

Seria eleito o vereador do distrito, quem tiver o maior número de votos. Se começar a campanha antes, todo mundo vê, se começa a gastar dinheiro, todo mundo vê. Dá mais representatividade. Posso pegar voto aqui, voto lá, voto acolá, aí não tenho como controlar isso. Nos EUA e na Inglaterra é assim, mais justo.

Campo Grande News - Na gestão do senhor foi resolvida a questão do concurso público para cartórios, com a posse dos aprovados e também foi anunciado um novo concurso. Como está esse processo?

Tem cartórios vagos e vamos iniciar o edital, redividir as cidades, ver necessidade de cartório. Um edital sempre leva no mínimo um ano, se não tiver toda aquela briga judicial, com mandado de segurança para lá e para cá. O concurso deve levar um ano e meio.

O concurso de servidor, que é mais simples, leva um ano. E, provavelmente, vamos ter que abrir um concurso de servidor. Prorroguei [o último concurso], mas o CNJ tirou.

A Constituição estabelece limite de 4 anos, ficaram dois, prorroguei por mais dois. O concurso gasta dinheiro, mas o CNJ cortou. Morreu em 31 de janeiro. Às vezes, não entendem bem as coisas.

A Constituição Federal estabelece 4 anos, tenho discricionariedade, finalidade da eficiência, artigo 37 da Constituição. Eu posso fazer por mais dois anos, é interesse da população, mas o CNJ entendeu que não.

Campo Grande News - Como o senhor vê a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que manteve a competência do CNJ para investigar juízes?

Decisão judicial não se discute, a não ser com recurso. O CNJ estabeleceu algumas regras para o andamento dos processos administrativos. A discussão era se o CNJ podia isso ou não, diante das autonomias dos tribunais, e o Supremo entendeu que sim.

O CNJ foi um aperfeiçoamento ou uma tomada de decisão dos constituintes brasileiros, do Congresso. Dando prosseguimento como havia na lei orgânica da magistratura.

O poder judiciário encontra se desde a década de 1990 na berlinda no Brasil. Por quê? É bom que se esclareça. Porque até 1990, até o Collor, nunca haviam se preocupado com o Poder Judiciário, porque o Poder Judiciário julgava causas entre pessoas.

Entre o José e o Antônio, entre o Benedito e Sinfrônio, entre a Maria e a Heloisa e assim sucessivamente. Ou entre essas pessoas e o Estado, as decisões sempre eram individuais.

Então o Judiciário fazendo parte do governo, os três poderes, ficava numa situação que não era olhado pela mídia. A partir de 1990, quando o Collor resolve, isso é uma ideia minha, resolve discutir com o Congresso. Ele vai aonde? No outro poder do Estado.

Verificaram que as decisões do judiciário eram decisões que podiam ser coletivas. Até então o Brasil não conhecia isso. Só tinha uma ação coletiva no país, que era uma ação popular, muito pouco usada.

O Judiciário sendo exibido à população não soube explicar o seu funcionamento. Não soube explicar que para cada fato realizado entre os seres humanos, indivíduo ou Estado, Estado contra Estado, tem duas versões e você necessita, desde os tempos do julgamento de Cristo, ouvir os dois lados.

Por outro lado, o Judiciário também por tratar só de questões individuais anteriormente, isso é uma teoria minha, ele não se preocupava com o tempo de duração do processo. Ocorre o seguinte, foram jogando os encargos dessa ação coletiva e o Judiciário não teve o preparo para dizer por que demorava. A culpa não é minha.

Nós não exigimos dos advogados, a partir de um determinado momento, a responsabilidade. Você usava o Judiciário, simplesmente, para não cumprir obrigações, você ficava contestando, aproveitando todos os recursos possíveis. E o Judiciário não soube jogar a culpa em quem tinha culpa. Paralelamente a isso, nós passamos a ter no Brasil os chamados “movimentos sociais”.

Nestes movimentos sociais, vamos dar exemplo, o sem terra que invadia a determinado lugar. Então, os próceres dos movimentos, juristas famosos de São Paulo, diziam o seguinte: entre a vida e a propriedade, vale a vida. Começaram a pregar: o Judiciário tem que ser social. O Judiciário não soube se explicar, ficou acumulado de ações.

Por outro lado, foi o menos aquinhoado com os recursos da República. Essa minha tese tem um fundamento. Quando foi feita a CPI do Judiciário, falavam da caixa preta. O senador ACM disse que o Judiciário de 1988 até aquela época era o que mais tinha aumentado as despesas, ele tinha razão. As despesas em relação ao Executivo e ao Legislativo foram nesse período, de meados de 1990, infinitamente maior.

Porque a Constituição de 1988 criou vários tribunais, que tiveram que ser instalados, os Tribunais Regionais Federais, um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado. O senador Antônio Carlos Magalhães ficou como paladino da economia pública porque criticava o aumento do Judiciário. Por outro lado, diferentemente do poder Legislativo, é um poder que cresce sempre. Em outras palavras, não soubemos nos comunicar, a ideia de que o juiz só fala nos autos ficou exageradamente sedimentada.

Ficou como sendo um poder conservador, que garantia as “elites”. Diziam, cadeia só para os “3 p”. Mas o juiz não pode pôr na cadeia se não tem o inquérito. O homem é livre, não posso sair prendendo todo mundo. Não soube explicar isso a população. Olha essa quantidade de processo é absolutamente impossível decidir.

Campo Grande News - O senhor vai se aposentar em poucos dias. Que balanço faz da atuação da magistratura e como planeja o futuro? Pretende atuar na área privada?

Tinha escritório em Bauru e advogava pelo Brasil todo. Atuava nas áreas administrativa, tributária e comercial. Era advogado de empresas. Corri o Brasil todo, fui para o Mato Grosso e gostei. Fiz serviço em Cuiabá, a licitação de ônibus urbano no governo Fragelli, em 1971.

Santini conta que trocou a advocacia particular pela justiça no então Mato Grosso uno, primeiro em Cuiabá. (Foto: João Garrigó)
Santini conta que trocou a advocacia particular pela justiça no então Mato Grosso uno, primeiro em Cuiabá. (Foto: João Garrigó)

Resolvi descansar um pouco dessa corrida e vim para a magistratura do Mato Grosso. Realizei um sonho. Fui feliz na comarca de Aparecida do Taboado, Aquidauana. Depois Campo Grande e o tribunal. Cheguei ao ponto máximo da carreira, presidente do TJ.

Creio que fiz Justiça nas minhas decisões, cometi alguns erros que o tribunal corrigiu; na grande maioria, creio que acertei. Não fiquei milionário, pelo contrário, tinha mais bens em Bauru, quando era advogado, do que agora. Não estou reclamando, apesar de que dizem que a gente ganha uma fortuna.

Pretendo partir para a iniciativa privada, agora já livre das amarras que o Judiciário coloca às pessoas. Quero colaborar com alguma coisa, quem é juiz uma vez, sempre juiz.

Tenho dois filhos e um neto. Ele, engenheiro; ela é administradora, formada em Direito. Ele seguindo a carreira do pai, vamos fazer propaganda do filho. Já fez conferência em congresso americano, esteve uma semana em Washington, representando um trabalho da Enersul. Como o pai, que fez conferência na Espanha, Portugal, Chile, Uruguai, Paraguai.

Campo Grande News - Depois de tantos anos nas magistraturas, que casos ficam na memória?

Tem alguns que ficaram. Um engano meu em Aparecida do Taboado. O delegado pede para decretar uma preventiva e decreto. Veio o processo e vi que não era nada daquilo, aí pego e relaxo a prisão. A pessoa ficou presa por 10 dias, 15 dias por minha culpa, levado pelo delegado.

Têm coisas pitorescas. Estava fazendo audiência em Aquidauana e veio o promotor Valdir Bernardes me avisar que tinha gente armada. Era uma possessória envolvendo uma área grande.

E então encerro a audiência, sequestro a área dos dois, ponho um depositário e prende um monte de gente. Inclusive tinha nego armado na sala de audiência.

Nos siga no Google Notícias