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Economia

Indústria não parou e hoje tem incidência recorde de covid-19 em MS

Frigoríficos e setor de celulose falharam no controle e terão de rever plano de biossegurança

Tainá Jara | 20/05/2020 21:57
Trabalhadores em unidade da JBS antes da pandemia, empresa com foco da covid atualmente em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)
Trabalhadores em unidade da JBS antes da pandemia, empresa com foco da covid atualmente em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)

Por, pelo menos, duas semanas, o comércio foi obrigado a fechar as portas em vários municípios de Mato Grosso do Sul. A indústria não. Ao contrário, desde o início da pandemia tem conquistado incentivos estaduais para "segurar empregos". Por ironia, o setor apontado como indispensável na crise é hoje foco da covid-19 no Estado.

Se os frigoríficos sul-mato-grossenses fossem uma cidade, a taxa de incidência da doença entre os funcionários seria maior que a verificada na quase totalidade dos municípios sul-mato-grossenses.

São mais de 100 trabalhadores contaminados até agora em três unidades, no universo de 30 mil espalhados em indústrias. Pelo menos oito municípios são diretamente impactados pelos casos verificados no setor.

Isso sem contar outras pessoas infectadas a partir de um caso que surgiu em frigorífico, como o que ocorreu em Dourados, onde um empregado da JBS/Seara levou a doença a mais 31 indígenas e colocou as aldeias no mapa da covid-19.

A Bororó, onde eles vivem, é lar de mais de 9 mil habitantes. O risco de contaminação, entretanto, é ainda maior, já que não existe um limite físico para a aldeia vizinha, a Jaguapiru. Juntas, as aldeias que compõem a Reserva Indígena de Dourados somam população de 18 mil indígenas.

A escalada de infecções pelo novo coronavírus entre funcionários de frigoríficos do Estado chamou a atenção do MPT (Ministério Público do Trabalho), que em abril alertou para essa possibilidade de disseminação descontrolada.

Além de compartilhar espaços com dezenas de colegas em todos os setores da produção, o funcionário também divide ônibus para ir e voltar do trabalho e nem sempre mora no mesmo município onde cumpre jornada, o que aumenta o risco do vírus se proliferar pela região.

No início da pandemia, o MPT notificou 31 indústrias para que seguissem recomendação específica sobre práticas sanitárias, contra a disseminação da covid-19, tanto em relação aos empregados diretamente contratados, quanto aos demais prestadores de serviços internos e externos.

Frigoríficos continuaram funcionando durante a pandemia sob justificativa de evitar o desabastecimento (Foto: Divulgação/JBS)
Frigoríficos continuaram funcionando durante a pandemia sob justificativa de evitar o desabastecimento (Foto: Divulgação/JBS)


Maior surto de MS - Em Guia Lopes da Laguna, hoje em 7º lugar no País em incidência de coronavírus, a falta de barreiras sanitárias nessas unidades ou medidas efetivas de prevenção provocaram a contaminação indireta de 118 pessoas, entre empregados e moradores. O surto que se intensificou nas últimas semanas começou no Frigorífico Brasil Global Agroindustrial.

Ali, ficou claro o risco desse tipo de atividade para a proliferação da doença. Com o entra e sai intenso de veículos para transporte de insumos e carne, um caminhoneiro de São Paulo, epicentro da covid-19, entrou na unidade com o vírus e logo cinco trabalhadores testaram positivo. A situação resultou na contaminação de um total de 61 funcionários. Outros 190 ainda esperam o resultado do exame.

Na contramão de Dourados, a unidade com 311 funcionários decidiu suspender as atividades por 15 dias desde 8 de maio. Elas serão retomadas no próximo dia 22, de forma gradual, inicialmente, com metade do quadro de trabalhadores.

Bonito - Casos entre funcionários do Frigorífico Franca Comércio de Alimentos levaram as primeiras confirmações no principal destino turístico do Estado, o município de Bonito, distante 265 quilômetros da Capital. Inicialmente, três trabalhadores testaram positivo para a covid-19.

As atividades do estabelecimento foram interditadas por sete dias, contados do dia 10 de maio, e todas as pessoas que dividiam ambientes das mulheres ou compartilharam o transporte coletivo da empresa foram isoladas, assim como familiares.

Rapidamente a doença se alastrou e hoje o município tem 17 casos confirmados. Segundo a secretaria municipal de Saúde, até o momento "14 infectados são diretamente vinculados ao frigorífico, entre funcionários e respectivos parentes".

Além de Guia Lopes, Dourados e Bonito, casos envolvendo funcionários de frigoríficos foram confirmados nos municípios de Vicentina, Fátima do Sul e Glória de Dourados. Dos 20 contabilizados nestas três cidades, nove são trabalhadores.

Ontem, 16 funcionários da JBS de Dourados, residentes em Rio Brilhante, também entraram em isolamento, depois que quatro deles apresentaram sintomas característicos para novo coronavírus. Eles estavam em dois ônibus que seguiam para a empresa.

“Estamos numa ilha, pois há casos em Nova Alvorada, Douradina, Juti. A gente sabe que vai chegar”, comentou o prefeito de Rio Brilhante, Donato Lopes da Silva.

Celulose - No município de Ribas do Rio Pardo, onde há 10 casos confirmados da doença, houve outro surto envolvendo funcionários da indústria, desta vez na Eldorado Celulose, que tem sede em Três Lagoas.

Os infectados foram trabalhar na plantação de eucalipto na Frigg Florestal, na Fazenda Pântano. O deslocamento resultou em pelo menos seis casos confirmados de covid-19. Mais de 30 pessoas chegaram a ficar isoladas no município.

Em Brasilândia, a secretaria de Saúde investiga ainda a contaminação de um funcionário da Suzano, indústria de papel e celulose, instalada no município.

Revisão de protocolos - A situação escancara falhas nos planos de biossegurança adotados pelas indústrias do Estado. Mesmo depois dos surtos em vários municípios, a maioria das unidades foram mantidas em funcionamento sob a justificativa de evitar o desabastecimento dos açougues e supermercados.

Agora, o governo rediscute protocolos de prevenção e planeja testagem entre os funcionários. De acordo com o secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, a preocupação existe, mas o governo está "tentando evitar o alastramento da doença, conter surto e evitar colapso na economia do Estado”, afirmou.

O infectologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Júlio Croda, lembra que na pandemia, fiscalização das medidas de biossegurança são vitais.

“As atividades vão ser retomadas e a empresa se preparou para esse novo normal? É necessário que exista realmente uma cobrança mais específica relacionada ao coronavírus”, diz o especialista.

O médico ressalta ainda a necessidade de avaliação técnica das medidas por outros órgãos responsáveis, antes da retomada das atividades nos frigoríficos que pretendem reabrir nos próximos dias, especialmente da vigilância sanitária.

Diante da confirmação de casos não há muito o que se fazer, além de isolar os contaminados durante 14 dias, mapear as pessoas com quem eles tiveram contato e, se não for possível fazer a testagem, aplicar o isolamento pelo mesmo período.

Ele, no entanto, lembra que a indústria é um risco muito maior do que cidades onde a economia tem como base serviços e comércio, onde o contato com trabalhadores de outros estados é muito menor.

Funcionários de frigorífico durante a rotina antes da covid-19 (Foto: Divulgação/Semagro)
Funcionários de frigorífico durante a rotina antes da covid-19 (Foto: Divulgação/Semagro)


Novo plano - Na tentativa de evitar um colapso simultâneo dos sistemas de saúde e da atividade econômica, o MPT está orientando as indústrias frigoríficas a reorganizar todas as suas plantas, estabelecendo uma distância mínima de 1,8 metro entre os trabalhadores.

Nos refeitórios e vestiários, a sugestão é que sejam feitas escalas de empregados por horários de entradas e saídas. Já as superfícies de trabalho e os equipamentos devem ser regularmente higienizados com produtos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Quanto aos ambientes administrativos, as indústrias precisam providenciar a instalação de filtros de alta eficiência e garantir a renovação de ar que atenda às prescrições da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

É importante também que os empregados não compartilhem armários, tanto para guarda de pertences pessoais como de equipamentos de proteção individual. Os trabalhadores que estiverem com sintomas da doença devem ser afastados.

Com as notificações recomendatórias, o órgão ainda espera saber se houve negociação com o sindicato profissional para reduzir a atividade frigorífica apenas a sua essencialidade, em termos de abastecimento da população, e quais outras providências estão sendo tomadas para proteger a saúde dos trabalhadores próprios e dos prestadores de serviços.

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