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Comportamento

De um jeito doce, Neusa parava discussões falando de flores e passarinhos

Paula Maciulevicius | 30/10/2016 07:07
Neusa partiu aos 72 anos, em janeiro de 2013, deixando muitas histórias. (Foto: Arquivo Pessoal)
Neusa partiu aos 72 anos, em janeiro de 2013, deixando muitas histórias. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Vamos falar de flores e passarinhos". 

O que a frase tem de doce, traduz o jeito de viver de dona Neusa. Mãe de sete, avó de 20, é ela quem ensina até hoje que o amor pode ser o ponto final em uma calorosa discussão. Entre os álbuns de família e as poesias escritas à próprio punho, que a família só achou depois que dona Neusa se despediu da vida, recordar as falas dela é de fazer a saudade chorar. 

E quem conta é a filha e a neta, Zaira e Gabriela. Dona Neusa nasceu em Promissão, no interior de São Paulo, em 1940. "E pelo que ela contava e ela contava muitas histórias, entre 6 e 8 anos ela veio para Nioaque, já aqui, em Mato Grosso do Sul", conta a psicóloga Zaira de Andrade Lopes, de 54 anos.  

O pai era marceneiro e veio formar fazendas no Estado. O trabalho era construir curral, cerca e o que de mais houvesse de madeiramento e a mãe trouxe consigo a alfaiataria. "Meu avô acabou não voltando para São Paulo, ficaram por aqui mesmo e viveram a vida toda em Nioaque. Meu pai também era de lá, eles se conheceram na adolescência e se casaram", completa Zaira. 

Do casamento nasceram os sete filhos e 20 netos. Ainda não há bisneto que tenha ouvido falar das flores e passarinhos de Neusa. "A mamãe era uma pessoa muito guerreira, batalhadora. A gente até estava lendo poemas que ela escrevia e já pensava na Justiça, no bem comum e no amor, acima de tudo", descreve a filha. "E sem deixar de lutar pelos direitos, Justiça? Ela era muito justa", acrescenta a neta, Gabriela de Andrade Lopes, também psicóloga, de 28 anos.

Zaira, a filha, recorda as histórias da mãe. (Foto: Fernando Antunes)
Zaira, a filha, recorda as histórias da mãe. (Foto: Fernando Antunes)
Gabriela, a neta que cresceu ouvindo sobre flores e passarinhos. (Foto: Fernando Antunes)
Gabriela, a neta que cresceu ouvindo sobre flores e passarinhos. (Foto: Fernando Antunes)
Dona Neusa e quase todos os netos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Neusa e quase todos os netos. (Foto: Arquivo Pessoal)

A capacidade que tinha de amar ao próximo era a mesma para se reinventar. Ainda quando menina, Neusa perdeu dois dedos da mão direita no engenho e aprendeu a fazer tudo com a esquerda com tamanha destreza que ninguém dizia que ela não havia nascido canhota. 

A frase "famosa" que ouvida por filhos e netos, se espalhou entre amigos e diz tanto de Neusa, saía de dentro da avó quando a discussão ganhava mais calor, fosse ela de política ou qualquer outro posicionamento. "Sete filhos, brigando por política, cada um querendo se posicionar ou mesmo outra briga por alguma questão em que o assunto não estava agradando, ela dizia: chega! Vamos falar de flores e passarinhos", recorda a filha.

"E era assim uma marca dela e ela quebrava, todo mundo parava. Vamos falar de flores e passarinhos", repete a neta. Dona Neusa não gostava de brigas, se dizia politicamente de esquerda, mas sempre indo pela via do amor.

"Ela sempre foi muito carinhosa com todo mundo. Ela era costureira, então chegava uma pessoa que não tinha como pagar, ela cobrava o mínimo possível, para ser acessível ou se não tivesse mesmo, ela dava também. Ficava de doação, ela se importava muito com o outro", narra Gabriela. 

Uma das poesias que ela escrevia e que só foi encontrada depois da despedida. (Foto: Fernando Antunes)
Uma das poesias que ela escrevia e que só foi encontrada depois da despedida. (Foto: Fernando Antunes)

Em casa, a avó que vivia das flores e passarinhos, não tinha apego aos bens materiais. Na verdade, até poderia ter, mas se alguém dissesse, de longe, que gostaria de ter algo parecido, ganhava de presente. "Ela dava assim: ah não, tenho dois, você leva um..." 

A saúde era debilitada, com a idade vieram diabetes, hipertensão e problemas cardíacos. Em 2012, uma parada cardíaca a levou para o CTI e foram sete meses internada, até que dona Neusa levou sua bondade em janeiro de 2013, aos 72 anos. 

"Eu acho que ela ensinou mais essa questão do senso de justiça. Eu sou psicóloga social, trabalho com a violência contra a mulher e minha também é. Todos trabalhamos com as questões sociais, o amor e as flores e passarinhos...", diz Zaira. 

Da neta, as lição está em se doar às pessoas. Desde o almoço em casa, com toda família, onde dona Neusa fazia um verdadeiro banquete para agradar todo mundo. "A vontade de viver dela e da melhor forma possível... Você via ela cantando, sempre de bem com a vida. Dos sete meses no CTI, ela lutou todos os dias. Não se entregou em momento algum", conta Gabriela.

E depois da partida, é que a família descobriu a quantidade de pessoas que dona Neusa ajudava, que voltaram a bater à porta dela. "Ela fazia o bem, mas não queria que ninguém soubesse", justifica a filha.

Os familiares sabiam que volta e meia, Neusa encontrava o papel e a caneta e rascunhava algumas frases, mas também só após a despedida, é que vieram a conhecer a Neusa poetisa, que falava muito de flores e passarinhos e versos tão singelos.

"Nasci num mundo humano.
Estou aqui para servir,
Útil ou apenas companheira.
Zás... a vida é tão ligeira
Amo tudo em volta de mim..."

"Até a poesia dela era assim: estou aqui para servir", lê Gabriela em voz alta. 

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Dona Neusa era poetisa, que falava muito de flores e passarinhos e versos tão singelos. (Foto: Fernando Antunes)
Dona Neusa era poetisa, que falava muito de flores e passarinhos e versos tão singelos. (Foto: Fernando Antunes)
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