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Desafios da judicialização da saúde na busca por tratamento de alto custo

Por Luciana Silva (*) | 17/04/2024 13:30

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) desempenha um papel crucial na garantia do direito à saúde para todos os cidadãos (artigo 6º, 196, 197, 198, II, CF/88). No entanto, um dos desafios enfrentados pelos pacientes é a dificuldade de acesso a tratamentos de alto custo, especialmente em casos de doenças raras ou medicamentos específicos. Diante dessa realidade, muitos indivíduos têm recorrido ao sistema judicial em busca de garantir o acesso aos tratamentos necessários.

O SUS é reconhecido internacionalmente como um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, porém enfrenta limitações financeiras e estruturais que impactam diretamente na oferta de tratamentos de alto custo. Medicamentos para doenças raras, por exemplo, muitas vezes não estão disponíveis nas farmácias populares ou hospitais públicos, tornando sua aquisição uma questão de grande dificuldade para os pacientes que dependem exclusivamente do sistema público de saúde.

Diante da negativa do SUS em fornecer determinado tratamento, os pacientes têm buscado na justiça uma solução para garantir seus direitos à saúde em face dos municípios, estados e União (Tema 6, Repercussão Geral, STF). A Justiça possui entendimento bastante consolidado no sentido de reconhecer o direito à vida e à saúde e que, havendo indicação médica, o paciente deve ter acesso ao tratamento proposto pelo médico.

Requisitos - Para isso, é necessário que sejam preenchidos requisitos específicos, como a comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico habilitado e que assiste o paciente, dos quadros da rede pública ou privada, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.

Também é preciso comprovar a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito e a existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência (Tema 106, Superior Tribunal de Justiça).

É possível solicitar, excepcionalmente, o fornecimento de medicamento sem o registro da Anvisa, desde que o órgão autorize a sua importação e se comprove a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS (Tema 1.161, Repercussão Geral, STF).

Também é possível perseguir o fornecimento para medicamentos experimentais, devendo-se comprovar a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. Neste caso, a União deve necessariamente ser chamada ao processo (Tema 500, Repercussão Geral, STF).

Como proceder - É recomendável que o paciente se informe sobre procedimentos de medicamentos experimentais, fora da lista da Anvisa e de alto custo pelos canais disponibilizados pelas Secretarias de Saúde municipais e federais e pelos canais do Sistema Único de Saúde, pois, por vezes, esses já dispõem de procedimentos para a concessão do fornecimento.

Para ingressar com uma ação judicial visando garantir o acesso a tratamentos de alto custo pelo SUS, o paciente deve estar representado por um advogado ou advogada. No caso de insuficiência de recursos, procurar a Defensoria Pública, Núcleos de Prática Jurídica ou até mesmo o Ministério Público (Tema 262, Repercussão Geral, STF). A demanda pode ser ajuizada em face do município, estado ou União; isoladamente ou em conjunto, pois a sua responsabilidade é solidária (Tema 763, Repercussão Geral, Supremo Tribunal Federal).

Não se trata de algo extremamente célere, normalmente envolvem prazos em dobro para o poder público, perícias técnicas, audiências e recursos. Por outro lado, o paciente tem à sua disposição mecanismos jurídicos para buscar uma liminar e antecipar o fornecimento ou o tratamento, especialmente quando consegue comprovar a urgência do tratamento, riscos à sua saúde e existência e a probabilidade de que, ao final, o SUS venha a ser condenado ao tratamento.

O juiz tem à sua disposição medidas como bloqueio de valores para proceder à aquisição do medicamento (Tema 289, Repercussão Geral, STF; Temas 84 e 98, STJ) e multa diária para que o SUS cumpra a sua determinação.

Desafios - A judicialização da saúde, embora possa proporcionar acesso aos tratamentos necessários quando negados pelo SUS, também apresenta desafios significativos. Há a sobrecarrega o sistema judicial e desorganiza a gestão recursos que poderiam ser investidos em melhorias estruturais no SUS.

Também traz consigo o aumento da judicialização como reflexo das deficiências do próprio sistema de saúde, a falta de igualdade no acesso aos tratamentos, disponíveis por vezes apenas para aqueles que dispõe de interesse, tempo e recursos para ir à Justiça e o impacto financeiro para o planejamento orçamentário dos estados, municípios e União.

Em conclusão, a judicialização da saúde permite que pacientes individuais obtenham acesso a tratamentos que podem salvar vidas ou melhorar sua qualidade de vida. Entre os principais benefícios da judicialização da saúde estão a garantia do acesso a tratamentos de alto custo, a proteção do direito à saúde como um direito fundamental e a possibilidade de responsabilização objetiva do Estado por falhas na prestação de serviços de saúde.

A judicialização da saúde, embora ofereça uma solução imediata para casos individuais, também evidencia as fragilidades do sistema de saúde brasileiro. Portanto, é necessário um esforço conjunto entre o poder público, a sociedade civil e o sistema judiciário para encontrar soluções que garantam o acesso equitativo a tratamentos de qualidade para todos os cidadãos, sem a necessidade de recorrer à Justiça.

(*) Luciana Silva é doutoranda em Processo Civil pela UFMG, professora de MBA da PUC-MG, coordenadora da Pós-Graduação em Licitações e Contratos Administrativos do Cedin.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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