Dia das Mães: um olhar sincero sobre a dor invisível
O Dia das Mães é, para muitos, uma data de abraços apertados, mensagens emocionadas e cafés da manhã na cama. As vitrines se enchem de corações, os comerciais vendem laços perfeitos, e as redes sociais se tornam vitrines de famílias felizes. Mas nem todas as mães se veem nesses retratos idealizados. Para algumas, essa data traz à tona um silêncio ensurdecedor — aquele que existe entre elas e os próprios filhos
Há mães que, por diversos motivos, não têm mais contato com os filhos. Outras falam com eles, mas sentem a frieza da distância emocional. Há quem carregue culpa, mágoa, frustração, vergonha ou apenas a dor de não ter sido o tipo de mãe que os filhos precisavam. E há quem, mesmo tendo feito o melhor que pôde, ainda assim tenha sido afastada, rejeitada ou esquecida. Para essas mulheres, o Dia das Mães é tudo, menos fácil.
A maternidade real é complexa
A maternidade, longe do romantismo, é feita de erros, tentativas, acertos e contradições. Muitas mães criaram seus filhos em contextos adversos — falta de apoio, dificuldades financeiras, relacionamentos abusivos, exaustão emocional ou ausência de rede familiar. Outras foram criadas por mulheres igualmente feridas, que não souberam oferecer amor saudável, e repetiram padrões sem perceber.
Ser mãe não vem com manual. E apesar da expectativa social de perfeição, não existem mães impecáveis. Existe esforço. Existe cansaço. E existe, sobretudo, humanidade.
A culpa que corrói por dentro
Quando o vínculo com os filhos se rompe ou se torna frágil, muitas mães mergulham em um mar de culpa. Perguntam-se onde erraram. Reviram o passado em busca do ponto de ruptura. Algumas tentam reaproximações que são rejeitadas. Outras desistem, cansadas de tentar sozinhas. Há quem aceite a ausência como definitiva, mas isso não torna o buraco no peito menor.
É preciso dizer, com honestidade e compaixão: a culpa por não ter sido suficiente pode adoecer. E nem toda distância é sinal de falha. Às vezes, os filhos também têm seus processos, suas dores, suas interpretações do passado — e suas próprias incapacidades de perdoar ou compreender.
O direito de sentir
Se você é mãe e essa data te machuca, você tem o direito de sentir o que sente. Não é amargura, não é vitimismo, não é exagero. É luto. Luto por uma relação que talvez nunca tenha florescido. Luto por um amor que ficou atravessado. Luto por palavras que não foram ditas ou por gestos que nunca vieram.
É importante validar essa dor, sem precisar escondê-la para parecer forte. É legítimo chorar, se recolher, se proteger. Mas também é possível, aos poucos, transformar essa dor em aprendizado, em reflexão, em acolhimento próprio.
Abrir espaço para a compaixão
Embora algumas feridas pareçam irreparáveis, o tempo e o autoconhecimento podem abrir espaços. Às vezes, recomeçar não significa retomar o contato, mas aceitar o que foi possível dentro da realidade que se teve. Outras vezes, pode ser plantar uma nova forma de se comunicar, mesmo que tímida, mesmo que demore. E, em certos casos, pode significar apenas perdoar a si mesma.
Compaixão não é desculpa para erros, mas é um caminho para se enxergar com mais verdade e menos dureza. É possível reconhecer que, como mãe, você também era uma pessoa tentando sobreviver, aprender, amadurecer — talvez sem apoio, talvez em meio a seus próprios traumas.
E se nunca houver reconciliação?
Nem toda história terá reconciliação. Isso não anula o amor que existiu. Nem torna inútil a maternidade. A vida nem sempre devolve as relações que queremos, mas ela oferece a chance de redirecionar o afeto. De cuidar de outras pessoas, de si mesma, de causas, de projetos. Maternar não precisa se restringir ao sangue.
Muitas mulheres que não têm mais a presença dos filhos (por conflito, afastamento ou mesmo luto) encontram novas formas de significar a maternidade: com netos, com sobrinhos, com jovens que cruzam seus caminhos, com si mesmas.
Um convite à autoaceitação
O Dia das Mães, para quem carrega a dor do distanciamento dos filhos, é um lembrete duro. Mas pode também ser um convite à aceitação — não passiva, mas compassiva. Aceitar que nem sempre há conserto. Aceitar que o passado não muda. Aceitar que, apesar de tudo, você é digna de cuidado, de afeto e de paz.
Você não é a única. Muitas outras mulheres silenciam nesse dia. Muitas choram em silêncio. Mas talvez, se falássemos mais sobre isso, o Dia das Mães pudesse deixar de ser um palco de comparação e se tornar um espaço de escuta, de verdade e de humanidade.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.