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Licença menstrual: promoção da igualdade ou aumento do estigma?

Por Fernanda de Carvalho Serra (*) | 30/03/2024 13:30

Tramitam no Brasil dois projetos de lei (PLs 1.143/19 e 1.249/22) que visam acrescentar à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) uma licença de três dias consecutivos, a cada mês, às mulheres que comprovem sintomas graves associados ao fluxo menstrual, sem prejuízo do salário ou com direito à compensação dos dias.

Se não bastassem todos os obstáculos enfrentados ao gênero feminino para o pleno acesso ao emprego, as alarmantes críticas a cada avanço social e a desigualdade de remuneração, certamente teremos que nos desafiar, mais uma vez, a pensarmos se a proposta cumprirá seu papel de acolhimento as mulheres que sofrem no período menstrual.

O fato é que para a maioria das pessoas que menstruam o período não passa de um desconforto, sendo que para 15%, segundo texto do PL nº 1.249/22 há sintomas severos e incapacitantes temporariamente como fortes cólicas, contrações intensas e enxaquecas. Segundo a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), esta parcela social sofre com dismenorreia e mastalgia, por exemplo.

Nesse cenário, servidoras públicas do Distrito Federal recentemente conseguiram esse direito, até então inédito em nosso país, que foi incluído na legislação que rege os servidores públicos civis das autarquias e das fundações públicas locais. No Pará, temos o PL nº 49/2023 que segue o mesmo caminho.

Iniciativas similares - No âmbito internacional, a saúde menstrual também é debatida. Podemos citar de forma ilustrativa países que já possuem algum tipo de garantia, como Espanha, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Zâmbia, China (algumas províncias), e França, que hoje, apesar de ainda não ter uma lei especifica, enfrenta este mesmo debate.

Não olvidamos que já existem empresas que, por liberalidade e por meio de uma boa política interna, independentemente do Estado, já adotam licenças mediante compensação de dias ou home office e, asseguram, dessa forma, a paridade de gênero e a redução do absenteísmo.

Na Espanha, segundo a legislação em vigor (artigo 5º da “Ley Orgánica 1/2023”) buscou-se propiciar uma regulação adequada a situações patológicas a fim de eliminar qualquer tipo de preconceito no ambiente de trabalho, concedendo à mulher o direito à licença remunerada pelo período de incapacidade temporal, mediante atestado médico.

O avanço nessa lei também pode ser sinalizado quando prevê o mesmo direito à pessoa trans com capacidade de gestar.

Já na Zâmbia, o direito à licença de um dia é previsto dentro do Employment Law e apelidada de “Dia das Mães”, vigente desde 2015, e que, apesar do nome, é plenamente aplicada a mulheres que não querem ou não têm filhos, sem a necessidade de comprovação por atestado médico.

No Japão, não há previsão de pagamento de salários, mas possibilidade de folgas não remuneradas. Segundo o artigo 68º do Labor Standards Act, se uma mulher considerar extremamente difícil trabalhar durante algum dia do seu período menstrual e solicitar licença, o empregador não deverá obrigá-la a trabalhar.

Paradoxo - O fato é que direitos sexuais e reprodutivos estão sendo cada vez mais vistos pela comunidade internacional e surgem em resposta às demandas principalmente do movimento feminista e certamente estão alinhadas à contemporânea e necessária visão de um novo mundo sustentável e igualitário.

Todavia, a despeito do que pensam os homens, não há unanimidade entre as próprias mulheres sobre esse direito, haja vista que, além de gerar uma suposta “disfuncionalidade” da mulher, nosso gênero também enfrentaria repercussões negativas sobre a demanda de emprego ou penalização em termos de salário e oportunidades na carreira e, até mesmo, assédio no ambiente de trabalho. Seria, portanto, um paradoxo em benefício de um Patriarcado 4.0?

Por ora, não há uma resposta final ao tema, mas certo é que qualquer avanço que combata retrocessos sobre gênero merece nossa atenção e reflexão.

Especialmente, para nós mulheres, entender que a história já nos demonstrou repetidas vezes que não há garantias e nem direitos absolutos, os nossos progressos sempre devem ser recepcionados positivamente, mormente considerando um mundo corporativo cuja gestão segue uma abordagem majoritariamente masculina.

(*) Fernanda de Carvalho Serra é advogada, especialista em direito do trabalho, LGPD e Compliance.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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