Luxo é ostentar saúde mental
Durante muito tempo, o conceito de luxo foi associado a bens materiais. Relógios caros, carros importados, viagens exclusivas, jantares em lugares badalados. Tudo isso era (e ainda é, para muitos) símbolo de sucesso, de status, de uma vida invejável. No entanto, há algo que vem ganhando valor silenciosamente, algo que não se ostenta com uma foto no feed, mas que carrega um peso imensurável na qualidade da vida: a saúde mental.
O novo luxo é silencioso, invisível aos olhos desatentos. Está na paz de espírito, no sono tranquilo, no coração que não dispara por ansiedade. Está na capacidade de dizer “não” sem culpa, de reconhecer os próprios limites, de não precisar provar nada a ninguém. Em tempos de pressa, cobrança e esgotamento emocional, estar bem da cabeça é um privilégio raro — e por isso, luxuoso.
O luxo que não se compra
Diferente de qualquer item de grife, saúde mental não se adquire com dinheiro. É um trabalho interno, contínuo, muitas vezes doloroso. Requer autoconhecimento, disciplina emocional, apoio e, muitas vezes, terapia. Requer coragem para olhar para dentro, para enfrentar traumas, rever padrões, desfazer pactos silenciosos com o sofrimento.
Enquanto o luxo tradicional está na vitrine, a saúde mental está nos bastidores. Poucos veem o esforço que existe para manter-se em equilíbrio. Quem ostenta saúde mental normalmente já teve que abrir mão de muitas coisas: de relacionamentos tóxicos, de ambientes abusivos, de hábitos autodestrutivos. E tudo isso tem um preço alto — mas que vale cada centavo simbólico de esforço.
Estar bem virou exceção
Vivemos em uma era em que estar esgotado é quase uma medalha. Quem não está sobrecarregado, parece que está fazendo algo errado. Há uma glamourização do excesso: de trabalho, de produtividade, de positividade. Como se sentir-se mal fosse uma fraqueza. Como se parar para respirar fosse perda de tempo. Nesse cenário, manter a sanidade virou um ato de resistência.
A saúde mental virou, paradoxalmente, um luxo porque é escassa. Porque poucos conseguem se desligar do celular, dormir sem remédio, viver relacionamentos saudáveis, ter tempo para si. Porque muitos estão emocionalmente no piloto automático, anestesiados ou em constante estado de alerta. Porque o mundo não para — e quem para, muitas vezes, se sente culpado.
O valor do invisível
Quem está bem consigo mesmo não precisa provar nada a ninguém. Não precisa se exibir, não precisa de plateia. A ostentação aqui é outra: é o silêncio confortável, é o sorriso sincero, é a conversa leve, é o domingo sem crise de ansiedade. É o prazer de estar consigo mesmo, sem se sentir incompleto.
Luxo é poder desligar o celular sem culpa. Luxo é ter uma rotina que respeita seu ritmo. Luxo é saber dizer “chega”. É ter discernimento para escolher onde vale a pena gastar energia. É conseguir estar presente no agora. É ter um coração em paz, mesmo que o mundo esteja em guerra.
Uma nova definição de sucesso
Talvez seja hora de redefinir o que é ter sucesso. Talvez sucesso seja não precisar fugir de si mesmo. Seja conseguir se olhar no espelho com gentileza. Seja manter relacionamentos baseados em respeito, não em dependência. Seja poder viver uma vida que não precisa de férias constantes para fazer sentido.
O luxo do futuro — e já do presente — é emocional. É mental. É estar inteiro num mundo que insiste em nos fragmentar. É não adoecer para atender expectativas alheias. É resistir à lógica da exaustão. É cuidar da mente com o mesmo zelo com que se cuida do corpo — ou do que se posta nas redes.
Ostente paz, equilíbrio e consciência
Se for para ostentar algo, que seja a leveza de uma mente em paz. Que seja a habilidade de se comunicar sem agressividade, de fazer escolhas com clareza, de descansar sem culpa. Ostente a coragem de pedir ajuda, o discernimento de se afastar de quem suga sua energia, a maturidade de não querer vencer todas as discussões.
O mundo precisa de mais gente saudável emocionalmente. Gente que saiba ouvir, que saiba esperar, que saiba viver. Gente que, antes de querer ser importante, quer ser inteira.
Porque luxo mesmo é ser livre por dentro. E isso, ninguém pode comprar por você.
(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia
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