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O ano do Facebook, de invasões hackers e ciberprotestos

Por Por Omar Kaminski* | 29/12/2011 11:30

2011 foi o ano dos manifestos na internet, que se firma definitivamente como instrumento de protestos e reclamações. Sejam em 140 caracteres ou por meio de imagens com fotos, desenhos e sátiras, tudo de relevante (ou nem tanto), foi objeto de elogios, críticas e debates, muitas vezes acalorados, nas redes sociais. Há quem fale em “Orkutização” do Facebook pelo excesso de superficialidades, mas é fato que a rede do Mark Zuckemberg se torna cada vez mais onipresente, inclusive no Brasil.

Prova disso é que os principais tribunais também já se renderam ao fenômeno das mídias sociais, especialmente Facebook, Twitter e YouTube. E não só os tribunais como a classe política em geral. Com isso, vem aumentando a participação popular no processo legislativo, incentivada pelo próprio Congresso.

Claro, tudo tem um preço. A privacidade é cada vez mais relativizada, gostos e preferências pessoais continuam sendo expostos publicamente, dando vazão a golpes e boatos, que são replicados como verdades — o fenômeno chamado “meme”, ou “viral”, ampliando seu alcance com todas as implicações jurídicas que já sabemos, e com todas as dificuldades e a demora em obter providências.

Virou lugar comum o ato de repassar uma informação sem que haja um mínimo de visão crítica — já que divulgar um crime na rede gera ainda mais publicidade ao fato e notoriedade ao praticante —, acreditando e julgando sumariamente, quando não condenando a violência física ou moral praticando, paradoxalmente, mais violência em resposta.

Mesmo com tantas notícias evidenciando a evolução tecnológica e a inovação, não se pode deixar de notar o alto grau de intolerância e insatisfação resultante de atos talvez banais ou isolados, resultando em um “efeito manada” ou “mentalidade de rebanho”, em reações coletivas (e de certa forma histéricas) na Rede e fora dela.

Algumas situações recentes balizam esse entendimento: as mais de quatro milhões visualizações do vídeo composto por “globais” que se firmaram contra a construção da usina de Belo Monte; a criação de perfis falsos nas redes sociais para incitar o ódio e a discriminação contra determinado grupo de pessoas (no caso os nordestinos), motivando milhares de denúncias aos órgãos competentes e iniciativas judiciais que podem se mostrar redundantes ou desencontradas; e mais recentemente, o caso do cão maltratado e morto por sua dona, que mereceu ampla divulgação e virulentas reações por parte dos amantes de animais mais radicais, que pregavam inclusive a aplicação da Lei do Talião: “olho por olho, dente por dente”.

Ou seja, e de forma simplista, se o governo e o Judiciário não oferecem respostas céleres, resta fazer “mimimi” na Rede e denunciar como uma espécie de dever cívico, ou “pelo menos fiz minha parte”. Desde o leite que comprou estragado, até a corrupção generalizada.

Informatização

Mesmo com as dificuldades operacionais e de ambientação, os tribunais seguem cada vez mais informatizados. Em abril, o TST ultrapassou os 100 mil processos eletrônicos, e em outubro, 200 mil; em junho o STJ começou a receber processos que já nasceram eletrônicos, e assim por diante. Os tribunais continuam em uma competição saudável pelo pionerismo e melhor prestação de serviços aos jurisdicionados, por meio do processo eletrônico.

A saga do fim do papel continua, agora influenciando o novo Código de Processo Civil. Revolução ou simplificação? Pelo jeito, nenhum dos dois, por enquanto, em um sistema jurídico 1.0 será apenas um “patch” para dar nuances “eletrônicas” ao procedimento pela internet. Sem que haja uma necessária padronização nas ferramentas de acesso e nos sites dos tribunais, a tarefa continuará árdua. Na ausência, permanece a “briga” entre Projudi, PJe, e-Proc e e-SAJ, entre outros, e a tão propagada celeridade permanece mais promessa que realidade, embora há quem declare haver redução de 80% no tempo de tramitação.

Na padronização, o software livre ou aberto é uma opção desejável e já prevista na Lei 11.419. A propósito, o Projeto de Lei 2.289/99, o primeiro federal sobre software livre ou aberto, está completando 12 anos em tramitação. Após notável hiato, passou por duas comissões este ano, incorporando o projeto de lei sobre padrões abertos, que vem sendo adotado por meio de leis estaduais, a mais recente no Rio de Janeiro.

Consultas públicas

Além das diversas audiências públicas realizadas na Câmara e Senado, tivemos diversas consultas públicas em comunidades especialmente criadas para esse fim, sobre matérias que versam diretamente sobre direitos “digitais”, com destaque ao Marco Civil da Internet idealizado pelo Ministério da Justiça, que recebeu na Câmara o número 2.126/11, pretendendo consolidar princípios como da neutralidade da rede e da inimputabilidade tecnológica. Foi criada recentemente uma Comissão Especial para analisar o tema.

Assunto discutido desde pelo menos 2004, o Anteprojeto de Modernização da Lei Autoral do Ministério da Cultura também foi objeto de consulta pública, gerando muita polêmica antes mesmo de ser apresentado como Projeto de Lei. Ainda, o debate sobre a Proteção dos Dados Pessoais, que também aguarda submissão legislativa.

Cibercrimes

O famigerado PL 84/99, apelidado de Lei Azeredo ou AI5 Digital, continuou exaustivamente debatido, mas não conseguiu avançar ao Plenário da Câmara, com o número de críticos em franco crescimento. Novamente, os tipos excessivamente abertos e o risco de maior insegurança jurídica do que benefícios geraram entraves para uma possível aprovação.

Por volta do meio do ano o governo brasileiro colecionou invasões e ataques que pareciam coordenados, e que serviram para demonstrar a vulnerabilidade dos sistemas governamentais. Várias páginas do governo, quiçá também os bancos de dados contendo informações sensíveis e estratégicas, foram supostamente violados. Tal fato motivou, por exemplo, a criação de um Centro de Defesa Cibernético do Exército, já antevendo as complicações trazidas por uma guerra eletrônica. Até o presente momento não se tem notícia de prisões ou processos. Ausência de previsão legal, condescendência, ou ato válido de protesto? De forma ou outra essa tendência parece ser mundial.

Spam e golpes continuam se proliferando, e mesmo sem lei específica para os chamados cibercrimes continuam sendo descobertos e punidos com a legislação existente, seja pela via do estelionato, seja pela via do furto qualificado. Mesmo após tantas e insistentes campanhas para não se clicar em tudo que se vê, o número de incautos não parece diminuir, conforme demonstram as estatísticas, uma vez que o número de incluídos digitalmente continua aumentando.

A ICP-Brasil, criada pela MP 2.200-2 completou 10 anos, popularizada cada vez mais para comunicações com a Receita Federal, por exemplo. O RIC, ou Registro Único de Identidade, ainda em fase inicial, irá coroar a aplicação maciça da certificação digital adotando o modelo do “smartcard”, ou chip com o certificado. Já há quem questione as consequências do chamado número único, ou mesmo a dificuldade em se portar um documento com tamanho alcance, ou o que poderá acontecer se cair em mãos erradas juntamente com a senha.

Na esfera trabalhista, várias decisões sobre privacidade no ambiente de trabalho nos diversos tribunais superiores: empresa pode filmar empregado trabalhando desde que ele saiba; empresa é condenada por encaminhar e-mails de ex-funcionária; empresa é condenada por cobrar dívida de empregado por e-mail coletivo, condenação por assédio sexual via MSN é mantida; e-mail corporativo monitorado resulta em indenização, entre outras.

Leis importantes aprovadas este ano: 12.414, que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento (cadastro positivo); 12.485, da comunicação audiovisual de acesso condicionado; 12.507, que inclui no Programa de Inclusão Digital o “tablet” produzido no país; 12.527, que regula o direito constitucional de acesso a informações; e 12.551, que equipara os efeitos jurídicos da subordinação ao chamado teletrabalho.

O Google continua sendo, muito provavelmente, o maior réu de litígios em função do Orkut, com dezenas, senão centenas de casos que foram julgados neste ano pela segunda instância em função da criação de perfis falsos e crimes contra a honra. A 3ª Turma do STJ em sede de Recurso Especial decidiu que Google não pode ser responsabilizado por postagens no Orkut, embora haja entendimentos contrários nos tribunais estaduais.

Há quem pregue que rumamos para um status de inteligência coletiva, onde as informações ficariam na nuvem (a grande nuvem internet) e estão, ou deveriam estar disponíveis a todos e a todo tempo. Não sem consequências jurídicas, bem como a necessidade de sistemas de gestão e políticas de segurança mais efetivas vem se firmando.

É de se refletir para que tipo de consciência coletiva estamos rumando, uma vez que as más notícias (mortes, doenças, catástrofes) parecem dominar a mídia tradicional e a mídia digital em detrimento da educação e da cultura. Ou é mesmo essa a nossa cultura, a cultura que queremos?

(*) Omar Kaminski é advogado, presidente de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e responsável pelo site Internet Legal (http://www.internetlegal.com.br).

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