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Quem bate é a mão do pai ou a fábrica da violência?

Por Guto Dobes (*) | 17/04/2012 17:35

Eu sempre fui consciente de que há três coisas que, juntas, me fazem sentar em frente a um computador e digitar algo. São elas: a tristeza, a indignação e o desânimo. Gostaria de escrever de felicidade, mas, infelizmente não é do estado de alegria que surgem minhas inspirações para ensaiar algumas mal traçadas linhas.

Pois bem, se é por causa da tristeza que escrevo, o dia é hoje. Vi estarrecido, e depois fiquei até arrependido de ter visto, o vídeo que está disponível nas redes sociais, de um pai espancando a filha com um chinelo por causa de um erro “gravíssimo” cometido pela menina: ela quebrou três imãs que estavam grudados na geladeira.

Fiquei triste como ficaram milhares de pessoas que tiveram acesso à cena dantesca, desproporcional, descontrolada e acima de tudo covarde. Fiquei triste porque tenho dois filhos e, como todo pai que se preze, os coloquei sob aquelas chineladas que faziam um barulho que soava a muitos metros de distância, sempre acompanhado dos gritos de “para, pai”, “deixa eu falar” e outros pedidos desesperados. Ver aquilo me deixou realmente triste.

Mas existiu um fato que me deixou não só triste, mas indignado. Então, minha reação - como a da maioria das pessoas - foi de executar o pai, devolver com a mesma moeda, arrancar-lhe uma das mãos talvez, ou, como é mais politicamente correto, mandá-lo para a cadeia e fazê-lo pagar no xilindró o que fez com a própria filha.

A indignação veio porque não é possível entender de imediato como alguém pôde, além de tudo, dividir aquela seção gratuita de espancamento em duas. A oportunidade que ele teve de sair, voltar e começar de novo, foi a mesma que ele teve de pensar duas vezes, admitir a transgressão aos limites do minimamente razoável, contar até dez, reconciliar, reconhecer o abuso. Mas ele não fez isso, e vê-lo recomeçar doeu com aspecto de ponta de faca. Foi assim que a tristeza deu lugar à indignação.

O chato é que nem só de tristeza e indignação vive esse pretenso escritor. E posso dizer com certeza que, dos três sentimentos que me fazem usar meu teclado qwert, o desânimo é o mais desesperador, o mais contundente. Principalmente porque ele, para mim, é o sentimento da perda da esperança.

É quando você percebe que prender o pai não vai adiantar. É quando você chega à conclusão de que ninguém sabe, nem quer saber por que ele chegou a esse ponto. E mais: visto o sistema carcerário do Brasil, ele vai sair da cadeia com mais ódio ainda, porque lá é que ele não vai aprender mesmo. E a menina, pobre menina, que será provavelmente criada em um abrigo antes de ir para as ruas, terá grandes chances de repetir os atos do pai. Afinal, ela sempre foi “educada” para isso.

Causa desânimo perceber que a fábrica da violência não está nas mãos de quem bate, mas nas mãos de quem devia cuidar do coletivo e não cuida. Tenho convicção de que se eu parar pra analisar o dia a dia de cem pessoas verei que noventa delas são massacradas pela injustiça, pela corrupção desmedida, pelo desprezo, pela violência moral no trabalho, pela violência inescrupulosa vivida por quem vê seu dinheiro indo parar nas mãos de vagabundos, principalmente aqueles que usam tribunas para execrar seus pares corruptos e depois são pegos fazendo muito pior.

Sei que os motivos de meu desânimo não justificam a violência vista no vídeo em questão. Esse pai covarde terá que ser punido. Mas sei também que tratar só as doenças não resolve os problemas que as causam. E antes que me critiquem, eu reconheço que muitos escapam desse massacre diário e conseguem não transformar seus dissabores em violência contra crianças ou qualquer outro inocente.

Mas, outra consciência todos podemos também ter: enquanto não tomarmos atitudes e começarmos a cuidar do interesse coletivo; enquanto não pararmos de fazer vistas grossas às cachoeiras de escândalos às quais estamos expostos; e enquanto não agirmos pensando que esse país é nosso e não dos canalhas que nos dão sempre migalhas em troca de silêncio, principalmente nos dias três de outubro da vida, casos como esse se tornarão cada vez mais comuns. Estou triste, indignado e desanimado.

(*)Guto Dobes. Administrador, Comunicador e Palestrante. Email: gutodobes@gmail.com

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