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Relação entre protesto e violência

Por Bruno Peron (*) | 10/02/2014 13:57

Entre os ditos “Deus escreve certo em linhas tortas” e “Deus é brasileiro”, não sei qual é mais suscetível a ser mal interpretado no Brasil. Eles diferem em que o primeiro é consolador diante das dores infindáveis, enquanto o segundo, bajulador porque massageia nosso ego. Mas também se assemelham: o Brasil é o lugar onde o erro e o acerto, a dor e o prazer, desde sempre se alternam em seu território.

Passada a euforia do fim do mundo, que de fato pegou muita gente de assombro e precaução, no Brasil o melhor e o pior do mundo acontecem. Tendo recebido o cetro da modernidade europeia, o decurso de poucos séculos tem mostrado combinações étnicas, culturais e sociais que nenhum outro país experimenta. Contudo, estamos ainda por auferir o resultado das expansões ultramarinas enquanto civilização nova, distinta e imprevista; temos tido motivo para crer que “Deus é brasileiro” como resultado do orgulho da terra nova e do sangue novo.

Mas a pior parte deste relato histórico ficaria ainda devedora de explicação: por que, numa terra de gente alegre e terra fértil, reside também o pior do mundo, onde a violência tem expressões também criativas? Como contrariedade de todo progresso, as promessas da modernidade alongam-se diante das sombras. Não se oculta a existência de um lado sombrio que aturde as expectativas e os otimismos.

O objetivo deste texto é propor uma discussão sobre a relação ilegítima e nebulosa que se estabelece no Brasil entre protesto e violência. As demandas de protestos não só ocorrem de forma lúdica, ao som de tambores e “brados retumbantes”. Não é à toa que a população deste país vive num cenário frequente do pior do mundo. Narrativas jornalísticas revelam os êxitos e os malogros do crime em aspectos variados: estações de bicicletas do Bike Sampa fecham devido ao vandalismo, arrastões amedrontam donos e frequentadores de restaurantes, motoristas tomam tiro dentro de seus veículos após assaltos, índios desaparecem de suas aldeias.

Há uma crise de competências (quem faz o que, quem é responsável por fazer o que) na qual a pólvora dispersa-se com rapidez, mas todos tiram o corpo quando acende uma faísca. Deveres laborais viram luta pela garantia de sobrevivência. Não é por força do acaso que ônibus continuam sendo queimados em várias cidades brasileiras como forma de protesto em estilo “tiro no pé”. Ou seja, vândalos fumigam bens necessários a eles próprios e deixam centenas de pessoas sem transporte público para chamar atenção de autoridades que não andam de ônibus.

Porque as formas de protesto têm variado de acordo com a criatividade, temos exemplos desde os cartazes de brasileiros contra sexismo e xenofobia na Universidade de Coimbra até os “rolezinhos” nos shoppings. Esta modalidade última de protesto é tudo o que as classes médias e altas não queriam: jovens da periferia frequentando os mesmos espaços de consumo das madames e socialites.

Na medida em que os protestos assumem contornos novos de acordo com a criatividade – o que brasileiros temos em excesso, é certo –, acompanhamos a falácia dos discursos oficiais e a revelação de uma crise de governança no Brasil.
Há que primeiramente entender o motivo dos protestos para, em seguida, propor medidas que atendam às necessidades de quem protesta e não às suas veleidades. Isto significa que nem todo protesto é cabido e pertinente; assim um “rolezinho” pelas escolas brasileiras seria mais interessante que pelos shoppings a fim de promover espaços educativos para todos em vez de celular caro para muitos.

Neste ínterim, labora-se para reduzir a violência nos movimentos de protesto a despeito da dificuldade de evitar a infiltração de pessoas mal-intencionadas. A justiça e a paz imperarão onde o desejo do bem coletivo seja maior que o de saciar instintos primitivos. Logo que se dissipem as trevas, acredito que o Brasil triunfará como cenário do melhor do mundo, onde qualquer Deus vai querer ser brasileiro.

(*) Bruno Peron, acadêmico e articulista

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