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Capital

Entre depredação e desperdício de dinheiro público, obra completa 3 décadas

Prefeitura pretende iniciar reforma da ala cultural até março de 2022

Cleber Gellio | 01/01/2022 11:35
Detonada, obra do Belas Artes fica na Avenida Ernesto Geisel, no Bairro Cabreúva (Foto: Kísie Ainoã)
Detonada, obra do Belas Artes fica na Avenida Ernesto Geisel, no Bairro Cabreúva (Foto: Kísie Ainoã)

Localizada na Avenida Ernesto Geisel com a Rua Plutão, no Bairro Cabreúva, a obra do Centro de Belas Artes, há 30 anos em 'andamento', tornou-se o maior símbolo do desperdício de dinheiro público em Campo Grande.

Iniciada em 1991, no governo de Pedro Pedrossian, previa a construção de uma nova rodoviária na Capital e chegou a ser anunciada sem estar concluída. E assim seriam as décadas seguintes, com atos de publicidade ao projeto inacabado e jamais entregue. De lá para cá, nenhum gestor - entre governadores e prefeitos - foi capaz de concluir a obra.

Em 2006 a obra saiu das ‘mãos’ do Governo do Estado e passou a ser administrada pelo Município. Sob administração municipal, há 14 anos, o Centro de Belas Artes virou, durante gestões anteriores, palco da mesma retórica do passado, de noticiar sucessivos prazos de inauguração, captação de recursos federais e processos de licitação.

O que seria o hall de entrada do espaço destinado ao setor de cultura (Foto: Kisie Ainoã)
O que seria o hall de entrada do espaço destinado ao setor de cultura (Foto: Kisie Ainoã)

Atualmente a situação é semelhante, só este ano foram inúmeras discussões entorno do tema e mais aberturas de concorrência. A última delas, no mês de outubro, com serviço estimado em R$ 5,1 milhões, para retomar e concluir a primeira etapa, correspondente a 28% de toda a área da estrutura que tem 16 mil metros e que abrigaria o espaço voltado às atividades culturais. Sete empresas estão habilitadas, conforme publicado na edição de 23 de novembro do Diário Oficial da União, e continuam na disputa.

No mesmo mês, de acordo com o secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos, Rude Fiorese, se a obra não for retomada, a Prefeitura teria que devolver ao Ministério do Turismo, aproximadamente, R$ 10 milhões, em valores corrigidos. “Em 2018 foi firmado compromisso com o Ministério de concluir parte do prédio, com recursos próprios. Em contrapartida, seria encerrado o convênio sem necessidade de ressarcimento do dinheiro liberado”, explicou Rude.

Segundo noticiado pela Secretaria, durante o processo para retomada das obras, o prefeito Marquinhos Trad reuniu-se com vários ministros para garantir uma solução que não trouxesse prejuízo à cidade. No entanto, a conclusão para o restante da estrutura, de 11.642 metros quadrados, dependerão da efetivação de parceria público-privada. Ou seja, mais uma vez parte da obra será retomada e o restante ficará na incerteza de quando será entregue. Novas possibilidades são cogitadas para utilização do local, como instalação de um complexo de sedes administrativas.

Cerca de 12 mil metros da estrutura inacabada ainda aguardam por definição de uso (Foto: Kisie Ianoã)
Cerca de 12 mil metros da estrutura inacabada ainda aguardam por definição de uso (Foto: Kisie Ianoã)

Futuro - Pronto para colocar os pés na Governadoria, quando provocado pela reportagem sobre nenhum dos chefes do executivo ter conseguido entregar, de fato, um metro de obra concluída à população, Marquinhos disse que com ele vai ser diferente. "Nós vamos entregar. Deus é pai", pontuou, acrescentando o prazo de três meses para o início das obras do setor cultural. Segundo Fiorese, o prazo de conclusão é de oito meses.

Já referente aos quase 12 mil metros restantes da construção, a destinação mais provável é de abrigar uma nova sede da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). "Temos [Município] que consultar os órgãos de controle para ver a possibilidade de um novo processo licitatório, em que a empresa vencedora do certame ficaria com o prédio da atual Sesau, na Avenida Afonso Pena, e construiria uma nova secretaria de saúde, completa, para o município", disse Marquinhos Trad.

Para quem gosta de arte, o que está acontecendo é muito triste. Dá vontade de chorar", diz Eduardo Cabral.

Depredação - Enquanto isso não ocorre, o estacionamento do local tem sido utilizado como canteiros de obras da empresa que presta serviço no centro da Capital, “por isso, o espaço tem segurança 24h, o que impede a depredação, como ocorreram durante décadas”, declarou a subsecretaria adjunta da Sugepe (Subsecretaria de Gestão e Projetos), Ana Virgínia Knauer, durante audiência na Câmara Municipal, no mesmo mês de outubro. A informação é ratificada pelo prefeito, que disse não haver ocupação atualmente no local pelo fato da construtora inibir os que queiram depredar o patrimônio. Porém, o Campo Grande News foi ao local e verificou que a vigilância ocorre somente na área em que se encontram equipamentos e maquinários, os demais pisos podem ser acessados livremente.

Do lado de fora, a parte destinada à calçada está tomada por entulhos e sem nenhum tipo de fiscalização. Sob os morros de terra, que ocupam a frente do prédio, pedras portuguesas instaladas em etapas anteriores estão sendo misturadas aos entulhos.

Eduardo Cabral, presidente da Associação de moradores do Bairro Cabreúva (Foto: Kisie Ainoã)
Eduardo Cabral, presidente da Associação de moradores do Bairro Cabreúva (Foto: Kisie Ainoã)

“Embaixo do entulho tem uma calçada que está sendo removida sem a percepção dos órgãos responsáveis. É um crime o que está acontecendo, pois ao retirar o entulho, as máquinas arrastam tudo o que tem pela frente”, denuncia Eduardo Cabral, 60 anos, presidente da Associação e morador do bairro Cabreúva, desde 1993.

Fotógrafo há 38 anos, Cabral tem registrado, a partir de 2015, a depredação e furtos de materiais abandonados na construção. Curioso que é, chegou a estudar o projeto arquitetônico para conseguir identificar cada sala e suas possíveis instalações. Como um ‘guia turístico do descaso', ele nos leva para ver o que restou dos 80% executados, quando a empresa desistiu da obra.

“Realmente a ala da cultura estava em estágio bastante avançado, mas como a justiça determinou uma inspeção, o poder público não cuidou do que estava pronto e vandalizaram a construção. Para quem gosta de arte, o que está acontecendo aqui é muito triste. Dá vontade de chorar”, lamentou.

Sobre as pedras –  o secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos, Rude Fiorese, disse que tem acompanhado a situação e que a empresa é responsável pelo ocorrido e quando deixar a área terá que devolver o espaço público da mesma forma que estava quando entrou. As obras do centro tem prazo de entrega o fim do primeiro semestre de 2022.

Exposição fotográfica de 2019, 'Liberte-se', do artista Pedro Pilar (Foto: Kisie Ainoã)
Exposição fotográfica de 2019, 'Liberte-se', do artista Pedro Pilar (Foto: Kisie Ainoã)

Arte presente – Quando o Campo Grande News visitou o espaço inacabado, verificou que quase nada pode-se aproveitar e do pouco que ainda resta é arte. Pelas paredes danificadas do local, as obras são um indício de que por algum período o Centro de Belas Artes cumpriu com sua finalidade.

Pinturas, intervenções e fotografias espalhadas por diferentes ambientes são resquícios da primeira Bienal do Centro do Mundo, evento incentivado pela professora de fotografia Patrícia Osses, que “inaugurou” o espaço, ocupando-o com diversas manifestações artísticas, em 2019.

Uma dessas exposições ainda está intacta no local, é a Liberte-se, do acadêmico, Pedro Pilar, que por meio de oito imagens, traz uma crítica ao ambiente “tóxico” urbano. Foi a primeira e única oportunidade do artista. “Expor lá foi uma forma de protesto para ver se chamava a atenção de alguma autoridade. Eu vejo que de tempos em tempos tem nova licitação, mas parece que nunca vai para frente”.

Mesmo ciente do lento ritmo burocrático do andamento da estrutura, o estudante não perde as esperanças. “Eu gostaria muito de expor lá novamente, ainda mais num ambiente construído para valorizar às obras artísticas. Meu projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) vai ser uma exposição fotográfica e seria incrível expor nesse local, caso ele já tenha passado pela reforma”, conclui.

Galeria - Confira as imagens de, Eduardo Cabral e dos repórteres fotográficos do Campo Grande News, Kisie Ainoã e Paulo Francis, seguindo sempre um de antes e depois da depredação do local.

Confira a galeria de imagens:

  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Kisie Ainoã
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Kisie Ainoã
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Kisie Ainoã
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Kisie Ainoã
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Kisie Ainoã
  • Foto: Eduardo Cabral
  • Foto: Paulo Francis
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