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Capital

Posse de arma coloca juízes em lados divergentes em Campo Grande

Juízes do Tribunal do Júri e de Execução Penal tem opiniões divergentes, mas análises que se complementam

Tatiana Marin | 18/01/2019 08:23
Juízes avaliam a flexibilização da posse de arma de fogo. (Foto: Arquivo)
Juízes avaliam a flexibilização da posse de arma de fogo. (Foto: Arquivo)

Controvérsias cercam o decreto nº 9.685 de 15 de janeiro de 2019, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que flexibiliza a posse de armas de fogo no Brasil, responsáveis por 71% dos homicídios no País. Por aqui, juízes consultados pelo Campo Grande News se contrapõe, mas também se complementam em relação a essa flexibilização.

Ainda é cedo para projetar um crescimento da venda dos equipamentos, já que a compra e o processo de posse custa em torno de R$ 5.000,00, porém lojas já registraram aumento de consultas. Pelo decreto, agora o cidadão pode ter a posse de até 4 armas de fogo, mas a maior mudança está na regra para a compra, que exigia uma avaliação da Polícia Federal sobre a necessidade da posse da arma.

Perigo - Para o juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, “é uma medida extremamente perigosa para a sociedade. Vai fomentar a violência e o dolo”, diz ele, que atua no judiciário há 10 anos e é professor de processo penal há 15. Segundo ele, a grande maioria dos casos de homicídios são causados pelo “chamado criminoso eventual, como dito no direito penal”.

“É aquele sujeito que compra arma de fogo e mantém em casa e, no primeiro momento em que ele perde a cabeça, em momento de elevada alteração emocional, a arma de fogo é o elemento deflagrador da tragédia”, alerta. “Talvez todos nós, se tivéssemos um instrumento desses, seríamos capazes de fazer uma besteira. Tenho processos de pessoas de todos os níveis sociais”, adverte.

Juiz Carlos Alberto Garcete da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)
Juiz Carlos Alberto Garcete da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)

Razoável - Já o juiz Mário José Esbalqueiro, da 2ª Vara de Execução Penal, tem uma visão favorável à flexibilização do posse de armas no Brasil, pois pode coibir a criminalidade. “Em curto espaço de tempo creio não não vai piorar a situação. O que temos de números, com o Estatuto do Desarmamento, o fato de proibir a posse de arma não deu resultado esperado. Os homicídios subiram mesmo assim”, justifica.

Para ele, o reflexo positivo deve vir com o tempo: “É medida razoável. Só vamos ver resultado depois de anos”, analisa. “O que vemos nos crimes com uso da arma de fogo é que 95% são praticados com armas ilegais”, informa ele sobre os casos que passam em suas mãos.

Avaliação psicológica - “Para o cidadão de bem, que não tem processo, passou por exame psicológico e de aptidão, a legislação permite que tenha arma para se defender. As restrições são um tipo de controle”, avalia Esbalqueiro.

Já, para Garcete, os testes não garantem o controle emocional de quem vai pleitear a posse de uma arma. “Não acredito nos exames psicotécnicos, porque são falíveis. Na vara de homicídios, vejo vários exames de insanidade mental e vejo laudos de psiquiátricos que dizem que são problemas altamente complexos e difícil detecção”, declara.

Pelo decreto, cidadão pode ter posse de até quatro armas. (Foto: Marina Pacheco)
Pelo decreto, cidadão pode ter posse de até quatro armas. (Foto: Marina Pacheco)

Punição - Tendo em vista a legislação americana que é permissiva tanto quanto à posse como ao porte de arma, os dois magistrados teceram comparações com a realidade brasileira. Nos Estados Unidos, os diversos estados possuem regras de posse e porte diferentes e punições distintas.

Garcete leva em consideração o rigor das penas, segundo ele, nos estados em que os castigos são mais brandos, os condenados devem cumprir pelo menos trinta anos de prisão. Outros estados tem a prisão perpétua e até a pena de morte para homicídios.

“O cidadão americano tem direito de se defender. Pelo sistema americano, de fato, pode-se comprar arma em qualquer estabelecimento, mas o sistema tem tolerância zero e tem penas altíssimas. Ele (sistema americano) te dá (o direito de posse e porte) mas joga uma responsabilidade pesadíssima”, afirma, o que, segundo ele, o que não ocorre no Brasil.

Juiz Mário José Esbalquiero da 2ª Vara de Execução Penal. (Foto: Tatiana Marin)
Juiz Mário José Esbalquiero da 2ª Vara de Execução Penal. (Foto: Tatiana Marin)

Na opinião de Esbalqueiro, não é o tamanho da pena que pode coibir o crime, mas a certeza da punição. “Temos uma das legislações mais ‘boazinhas’ do mundo, a nossa é a das mais tranquilas. A legislação tem que ser repensada em outros pontos. O que assusta não é tanto o tamanho da pena. Se é 20 ou 15 anos, não faz diferença. Mas se sabe que vai ser condenado, faz diferença. A impunidade gera mais crime”, defende.

Para diminuir a impunidade, Esbalqueiro acredita que é necessária toda uma reformulação nas diversas fases de um caso criminal. “Tem que ter melhor estrutura de investigação policial, agilidade na justiça, o que não é julgar rápido, o tempo é necessário. Acho indispensável cumprimento de pena após condenação em segunda instância”, avalia. Ainda, Esbalqueiro acredita que o problema do Brasil seja cultural.

“Se comparar com outros países, Japão tem índice baixo de criminalidade e não tem posse de arma. Na questão americana, tem população maior, tem posse liberado e índice de criminalidade menor que o do Brasil. Se a arma gera mais crime ou menos crime é uma premissa falsa. É um problema cultural. Temos um sério problema cultural. Temos que aprender que o que ‘é errado é errado’, ‘não posso dar jeitinho’, ‘ser corrupto’. Ficamos vendo situações como se a culpa fosse da arma”, adiciona.

Legítima defesa - Adicional às comemorações de parte da população em relação à flexibilização da posse de armas, Garcete alerta algo que a pode habitar o consenso popular. “Dá a entender que, com a posse, que se precisar, pode usar para a defesa. É importante saber das consequências ainda que você ache, na sua cabeça, que está usando em legítima defesa. Assim que atirar em alguém, automaticamente vai responder a um inquérito policial”, ressalta o juiz.

Garcete explica que, inevitavelmente, o ato se torna em um inquérito policial e quem atirou necessariamente deverá comparecer em delegacias para prestar depoimentos, o que pode levar meses. De acordo com o juiz, o processo é analisado pelo Ministério Público, que solicita a um juiz o arquivamento do inquérito, mas o magistrado pode entender que a situação de legítima defesa não está clara.

Então o Ministério Público oferece denúncia contra quem disparou a arma de fogo, que deverá responder a uma ação penal no Tribunal do Júri e poderá ser levado a julgamento popular. “Isso não tem sido mostrado. Todos estão comemorando que pode ter arma, mas não sabem das consequências”, alerta.

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