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Interior

Servidora será indenizada em R$ 50 mil após ação contra intolerância religiosa

Waleska é auxiliar administrativo na UFMS de Corumbá e conseguiu na Justiça o direito de redigir circulares com versículos

Lucia Morel | 08/07/2020 09:49
Campus Pantanal da UFMS em Corumbá. (Foto: Reprodução)
Campus Pantanal da UFMS em Corumbá. (Foto: Reprodução)

Waleska Mendonza, 51 anos, servidora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e moradora de Corumbá, cidade a 430 Km de Campo Grande, acionou a Justiça em 2010 contra a instituição pelo que considera intolerância religiosa. Agora, dez anos depois, conseguiu no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª região), sentença favorável e indenização.

A servidora tem costume de redigir ofícios e circulares internas citando versículos bíblicos nas mensagens, o que provocou a abertura de três processos administrativos disciplinares contra ela, sendo que em dois ela foi suspensa de suas atividades por 20 e 30 dias, respectivamente.

A servidora, Waleska Mendonza, que atua na universidade desde 1987. (Foto: Arquivo Pessoal)
A servidora, Waleska Mendonza, que atua na universidade desde 1987. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo a decisão do TRF 3, assinada pelo relator do processo, desembargador federal, Souza Ribeiro, “ante a resistência da servidora, fundada na sua garantia constitucional de liberdade de crença, foram instaurados 3 (três) processos administrativos disciplinares, com punições nos dois primeiros, estando o terceiro em tramitação quando do ajuizamento da ação”.

Com isso, Waleska acionou a Justiça alegando perseguição religiosa, mas perdeu em primeira instância, e acabou tendo decisão favorável em segunda.

Na análise dos julgamentos anteriores, o relator identificou que em primeira instância, sentença aferiu que “as referências a Deus nas manifestações da autora violam a laicidade do Estado brasileiro, o princípio da isonomia e a supremacia do interesse público”, conforme demandado pela UFMS.

Assim, a instituição pode “impedir qualquer manifestação nesse sentido e, consequentemente, já que julgou a ação improcedente, poderia a UFMS também aplicar as penalidades administrativas contra a servidora, embora não tenha a sentença exposto qualquer fundamentação a respeito desta última temática”.

Já o entendimento do relator, é de que “a laicidade estatal de modo algum expressa o significado que a UFMS pretende atribuir ao citado princípio, qual seja, no sentido de que o Estado estivesse proibido de, no exercício de suas atividades, fazer qualquer referência a crenças. Tal posicionamento contraria os próprios princípios e fins da instituição estatal”.

E posiciona também que “não se pode conceber a ocorrência de uma tão grave violação constitucional que fosse decorrente de uma mera manifestação da crença individual de qualquer servidor público, mesmo que exercida no âmbito do espaço público de suas atividades”.

Modelo de circular em que Waleska utiliza os versículos bíblicos. (Foto: Reprodução)
Modelo de circular em que Waleska utiliza os versículos bíblicos. (Foto: Reprodução)

Em seu voto, Ribeiro destaca ainda que “o exame atento dos autos mostra que, a despeito da previsão constitucional da liberdade de crença e de manifestação, bem como, a despeito da inexistência de qualquer expressa norma constitucional, (...) a despeito da absoluta ausência de qualquer explícita regulamentação desse tema relativo à garantia fundamental, instaurou-se na UFMS, Câmpus de Corumbá, uma substancial e indevida restrição à liberdade de crença da servidora autora”.

Classificando a manifestação religiosa e de fé, algo comum e cultural do brasileiro, o desembargador federal sustenta ainda que “as citações bíblicas da servidora autora desta ação não podem qualificar-se como violadoras do princípio da laicidade estatal, pois não trazem em si qualquer conotação ou efeito de objetivamente constranger qualquer pessoa em sua liberdade religiosa”.

Além disso, reforça que a atitude de Waleska, “foi exercida de maneira razoável, sem qualquer prejuízo ao serviço público e nem aos demais servidores, portanto, sem excesso dos limites gerais de conduta emanados da Lei Maior”.

Dessa forma, Souza Ribeiro determinou que todas as penalidades fossem extintas dos registros funcionais da auxiliar administrativa e que ela receba a indenização solicitada de R$ 50 mil.

Justiça – Para  Waleska, a decisão só mostra como a UFMS violou seus direitos de livre expressão religiosa em “democratizar a Palavra de Deus”, como ela mesmo diz e afirma que mesmo com as penalidades impostas, nunca deixou de citar os versículos, confiando que o que ocorria era injusto.

Acórdão do TRF3. (Foto: Reprodução)
Acórdão do TRF3. (Foto: Reprodução)

“Vejo assim, o TRF concretizou, deu vida ao direito fundamental da liberdade religiosa e de expressão, que é o que cidadão espera do Poder Público”, sustenta, lembrando que trecho do voto decisório, remete que o caso dela servirá de reflexão a outras situações semelhantes.

Waleska conta ainda que perdeu cargo de confiança que tinha no Cpan (Campus Pantanal) da UFMS em 2009, por escrever os versículos nas correspondências internas. “Cargo de confiança pode ser retirado no momento que for, mas a razão pela qual fizeram isso me motivou a procurar Justiça”, salientou.

A servidora atua na UFMS desde 1987 como auxiliar administrativa.

De acordo com a UFMS, "a Advocacia-Geral da União, que representa judicialmente a UFMS, ingressou com recurso para que não haja a inserção de manifestações pessoais de outra natureza (ideológica, filosófica, política e religiosa) nos documentos oficiais, sendo mantido nos documentos institucionais os princípios da legalidade e da impessoalidade".

Assim, "atualmente, o processo segue em tramitação no Tribunal Regional Federal da Terceira Região para julgamento do recurso de Embargos de Declaração contra a decisão desfavorável à UFMS", diz nota da instituição.

Matéria alterada às 11h25 para correção e acréscimo de informações.

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