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Arquitetura

Nem oferta de R$ 500 mil paga casa onde Aldivina e João criaram os filhos

Da vila com casas em madeira, na Rua Santa Maria, sobrou apenas o endereço do casal que há 47 anos vive no bairro Coronel Antonino

Alana Portela | 05/09/2019 07:58
João VIcente e Aldivina Vicente em frente a casa onde moram (Foto: Alana Portela)
João VIcente e Aldivina Vicente em frente a casa onde moram (Foto: Alana Portela)

Da vila construída em madeira, sobrou apenas a casa onde Aldivina Vicente e João Vicente criaram os filhos e netos. Eles estão casados há 52 anos, moram na rua Santa Maria, no Bairro Coronel Antonino, e nem mesmo uma oferta de meio milhão de reais fez o casal abrir mão do patrimônio que carrega a história da família e do bairro.

“A casa tem apenas 67 m², mas o terreno é bem mais amplo, cerca de 550 m². Já ofereceram R$ 500 mil pelo local há alguns anos, mas não vendemos”, diz João. “Aqui eu brinquei com as crianças, eram brincadeiras verbais. Sentavam no meu colo na varanda da casa e eu contava história para elas. Fui até professor, pois o ensino na escola era fraco. Comprei os livros para ajudá-las, mesmo não tendo muito estudo. Hoje dá saudade daquela época”, completa.

A mãe também coleciona motivos para não sair do lugar. “Estamos aqui há 47 anos. Foi onde criei meus filhos, netos que corriam pela casa, pelo quintal”, lembra Adelina. Ela, aos 78 anos, e o marido, aos 75, sentam na varanda e começam a prosear. Contam que no início do casamento, moravam no Centro da Capital, depois se mudaram.

Durante o bate-papo, eles comentam sobre a vizinhança daquele tempo. “Quando viemos pra cá, existia uma vila aqui na frente que era só com casas de madeira. Haviam poucas residências de alvenaria. Na época, esse bairro era muito longe. Tinha o apelido de Cruzeiro”, recorda.

João mostra a foto antiga com os filhos (Foto: Alana Portela)
João mostra a foto antiga com os filhos (Foto: Alana Portela)

A conversa com moradores do bairro também faz falta. “A gente conhecia todos os vizinhos, nos convidavam para jantar, almoçar, e fazíamos o mesmo. A gente se reunia um na casa do outro, não existia desconfiança”, conta ela.

A história com a casa é mais antiga que o encontro do casal. “Esse terreno recebi de herança do meu pai. Ele tinha propriedades rurais, mas quando faleceu deixou pra os meus irmãos e pra mim”, contou Aldivina.

Na época, as construções comuns eram de madeira, então escolheram “peroba” para erguer a casa, resistente como os planos para o futuro. “A gente queria ter filhos, mas não pude engravidar por conta de um problema no útero”, diz. No entanto, isso não abalou o casal. Na esperança de ter crianças para animar a vida, eles construíram dois quartos, sala, cozinha, banheiro, lavandeira e uma despensa, que depois virou um quarto improvisado.

Depois pintaram a residência de verde claro, plantaram algumas árvores frutíferas e flores, para colorir o ambiente. Era casa nova e vida nova. E logo eles adotaram o primeiro filho. “Peguei alguns dias após o nascimento. Mais tarde, adotei mais cinco filhos que eram da minha irmã, ela não estava bem e aqui as crianças se divertiam”.

Aldivina olhando a fotografia que tem do neto (Foto: Alana Portela)
Aldivina olhando a fotografia que tem do neto (Foto: Alana Portela)
O casal lembra do passado revendo as fotografias  (Foto: Alana Portela)
O casal lembra do passado revendo as fotografias (Foto: Alana Portela)
Aldivina  imitando os filhos que gostavam de se dependurar entre as madeiras (Foto: Alana Portela)
Aldivina imitando os filhos que gostavam de se dependurar entre as madeiras (Foto: Alana Portela)

Como eram três quartos, um ficava para o casal e os outros dois para as crianças dormirem. De manhã cedo, acordava a criançada para tomar café da manhã na mesa, que ainda hoje está na sala. Enquanto brincavam, Aldivina ia para cozinha cuidar do almoço.

Sorrindo, Aldivina até simula o jeito que as crianças subiam no muro de concreto que está na varanda. “Eles seguravam nos vãos da madeira. Eu pedia para descerem e eles falavam que não iam se machucar. Quando saia pra fora, eles vinham brincar na frente de casa comigo olhando”.

Nessa época, João trabalhava de mecânico e voltava pra casa só depois do expediente.

Netos - Mais tarde, o casal cuidou de mais quatro netos que passavam o dia na casa enquanto os pais trabalhavam. “Aqui criei dez pessoas. A casa é pequena, e eu vivia na correia, era muito serviço. Tenho saudade das crianças. Hoje já estão todos casados e tenho até bisneto. Dá vontade de encher a casa de criança novamente, adoro”, falou Aldivina.

Hoje, os netos entraram para a faculdade e alguns até se formaram. “A Raquel virou psicóloga, a Sara ainda está estudando. Tem um que se formou em Direito”, comentou a avó orgulhosa.

O quarto onde os filhos ficavam ainda tem móveis (Foto: Alana Portela)
O quarto onde os filhos ficavam ainda tem móveis (Foto: Alana Portela)
Na sala está o sofá, rack e televisão (Foto: Alana Portela)
Na sala está o sofá, rack e televisão (Foto: Alana Portela)
A cozinha é pequena (Foto: Alana Portela)
A cozinha é pequena (Foto: Alana Portela)

Resistência - Mais de quatro décadas depois, a vila de madeira foi demolida e os moradores antigos se mudaram para outros bairros. Contudo, a casa na cor verde clara resiste e o casal não mexeu em nenhum detalhe desde então. “Os vizinhos antigos venderam as casas de madeira e acabaram as reuniões. Algumas dessas pessoas ainda estão vivas, mas não tenho mais o contato”, diz Aldivina.

De lembrança, estão as fotos antigas espalhadas pela sala. Sempre que bate a saudade, o casal olha e ri ao recordar o que passaram juntos. “São 52 anos de casados e muitas histórias. Daqui desse local saio só no fim da vida. É minha herança”, destaca ela.

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Abraçados, eles fazem pose para tirar foto (Foto: Alana Portela)
Abraçados, eles fazem pose para tirar foto (Foto: Alana Portela)
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