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Arquitetura

No Bairro Amambaí, a boiada sumiu, mas nada mudou na varanda simpática de Loíse

Uma das casas mais antigas no bairro, guarda histórias de quem até hoje sente saudade dos trens e da boiada que fazia movimento na Noroeste com a Julio de Castilhos

Thailla Torres | 20/09/2018 08:23
De casa, a vista que ela mais gosta, com prédio e a Praça das Araras na porta. (Foto: Kísie Ainoã)
De casa, a vista que ela mais gosta, com prédio e a Praça das Araras na porta. (Foto: Kísie Ainoã)

Toda casa tem uma história. Mas o interessante é que nem sempre precisa de uma arquitetura sofisticada ou estrutura perfeita para chamar atenção. É assim na casa de dona Loíse, que apesar de uma série de reformas ao longo dos anos, nada apagou na varanda simpática que mantém as mesmas cadeiras de ferro do tempo da avó e uma samambaia vistosa, que torna o cantinho ainda mais especial.

Com uma visão privilegiada da cidade, é da varanda que dona Loíse Perez, de 70 anos, assiste o movimento na Avenida da Duque de Caxias e o vai e vem das pessoas na Praça das Araras. Com o retorno de eventos culturais no coreto, felicidade é ouvir música da varandinha que agora ela chama de camarote. "Daqui eu vejo tudo, é maravilhoso. Mas no último evento estava muito frio, não consegui ficar na varanda", conta.

Dona Loíse não gosta muito de fotos, mas foi impossível não registrar a simpatia. (Foto: Kísie Ainoã)
Dona Loíse não gosta muito de fotos, mas foi impossível não registrar a simpatia. (Foto: Kísie Ainoã)

É difícil descrever a sensação quando entramos na varanda e Loíse nos convida para sentar, sem nem imaginar como vai ler a reportagem depois, já que internet "é coisa dessa geração nova".

Ela é simpática sem fazer esforço. Só fica tímida quando percebe que vai ser fotografada, até reclama das manchinhas de sol no rosto, sem perceber que é dona de um sorriso meigo e que as marcas do tempo são ainda mais inspiradoras.

O que surge é um misto de ansiedade com vontade de saber sua história, as pessoas que vivem ali, o que cada janela antiga daquele lugar reserva de surpresa. A idade da casa é o que pega qualquer um desprevenido. Poucos imaginam que a residência já tem 63 anos de história.

Aposentada, mãe de 2 filhos e 1 neto, ela conta que chegou ali aos 7 anos de idade. Morava na Avenida Afonso Pena, quando a família precisou entregar a casa onde vivia aos verdadeiros donos. "Era uma área de usucapião, como chamam até hoje, mas não era nosso", justifica.

De lá, foram para a área de aproximadamente 300 m², na Avenida Noroeste, que pertencia à avó de dona Loíse. Foi ela quem construiu a casa que está de pé até hoje, com apenas quatro cômodos, estreita e com as mesmas janelinhas preservadas.

O que desperta atenção é a varanda simpática, com cadeiras antigas e uma samambaia vistosa. (Foto: Kísie Ainoã)
O que desperta atenção é a varanda simpática, com cadeiras antigas e uma samambaia vistosa. (Foto: Kísie Ainoã)

A casa fica praticamente ao lado de dois pontos muitos importantes na história da cidade, a Praça Cuiabá e a região conhecida como Cabeça de Boi. Foi ali que Loíse assistiu com vista privilegiada o passar da boiada até as fazendas da cidade. "Era uma verdadeira atração. A gente ficava emocionada, porque as crianças brincavam de contar os bois e ficavam até feliz quando aquela poeira subia", lembra.

Além da boiada, outra felicidade eram os trilhos na porta de casa. Quando o trem passava as paredes tremiam e as crianças saiam correndo em busca de lenha que caia pelo caminho. "Tinha um conhecido que jogava lenha de cima do vagão pra gente pegar, era nossa melhor brincadeira".

No caminho também houve tragédias, mas nada apagou o encanto de quem viu o trem funcionar durante anos. "Vi muito acidente. Naquele tempo não tinha semáforo, mas tinha quem não respeitava e o trem pegava em cheio. Era feio de ver", conta. "Mas viajar de trem foi a melhor experiência que eu já tive na vida", completa.

Loíse descia com a mãe e os irmãos até a estação ferroviária com destino a Corumbá, quando iam visitar a família. "Na volta, a diversão era ver a porta de casa da janela do trem".

Foram os melhores momentos, lembra à aposentada. "Se eu pudesse voltar no tempo? Ia pedir nosso trem de volta. Eram horas de viagem muito divertidas".

Casa na Avenida Noroeste tem pelo menos 60 anos. (Foto: Kísie Ainoã)
Casa na Avenida Noroeste tem pelo menos 60 anos. (Foto: Kísie Ainoã)

Hoje, o encanto dentro de casa está no verde. Loíse mora com um dos filhos que também ama plantas e faz de tudo para deixar a varanda fresquinha. "Ele me ajuda a cuidar da samambaia e deixa essa varanda limpinha todo dia", elogia.

As cadeiras de ferro com algumas almofadinhas e o vento forte que bate na varanda são ainda mais contagiantes. Com algumas plantas no jardim e um enorme pé de abacate nos fundos, o que não falta é frescor. É o tipo de casa imperfeita e, por isso mesmo, tão especial. 

Ao receber um elogio pela recepção e os minutos de conversa, dona Loíse abre um sorriso que vale qualquer tempo deixado ali. "Eu fico feliz, nossa casa é simples, mas eu gosto muito daqui. Não morei em outros bairros, mas sei que estou no mais antigo da cidade".

Sobre trocar de residência que assistiu seu casamento, ao crescimento dos filhos e a felicidade da família, Loíse é direta. "De jeito nenhum. Não posso perder essa vista".

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Não há quem passe e deixe de se encantar pela samambaia de Loíse. (Foto: Kísie Ainoã)
Não há quem passe e deixe de se encantar pela samambaia de Loíse. (Foto: Kísie Ainoã)
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