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Artes

Internet roubou cena e galeria tradicional vive o fim de uma era com leilões

Filho de artista plástica, Omar Ayoub virou "Rei dos Quadros" na década de 90, e agora recomeça levando arte para a internet

Thailla Torres | 16/03/2019 07:21
Omar Ayoub é empresário conhecido pelos leilões de quadros e obras de arte. (Foto: Kísie Ainoã)
Omar Ayoub é empresário conhecido pelos leilões de quadros e obras de arte. (Foto: Kísie Ainoã)

Há quatro meses, os fãs de leilões de arte pela televisão ficaram órfãos. Conhecida desde os anos 90, pelos milhares de obras vendidas no canal aberto, a Galeria Ayoub, de Campo Grande, encerrou suas atividades na televisão. A prova de fogo agora é recomeçar na internet com a venda de obras que chegam a custar milhões.

Nos últimos meses uma grande liquidação de obras de arte apareceu estampada em outdoors da cidade. Muita gente cogitou a falência da galeria, mas ao tocar o interfone do portão de ferro, em um casarão branco de aproximadamente 1.000 m² no Jardim São Bento, encontramos o proprietário Omar Ayoub, de 58 anos, um empresário entusiasmado, mesmo que os tempos de glória tenham ficado no passado.

“Falência? De jeito nenhum. Começamos na década de 90 e só dei uma pausa em 2014 para fazer uma campanha política. Perdemos as eleições e voltei para a televisão. Mas agora estou montando uma plataforma de vendas na internet”, explica.

Há quatro meses ele disse adeus aos leilões. (Foto: Kísie Ainoã)
Há quatro meses ele disse adeus aos leilões. (Foto: Kísie Ainoã)

Mas não tem um dia que Omar não sinta saudade dos tempos em que leiloava quadros até de madrugada. E esse sentimento chega cedo, quando o telefone da galeria toca pela manhã com pessoas pedindo o leilão de volta. “É duro, as pessoas acham ruim, reclamam por termos acabado com o leilão, mas não tem jeito. Depois que inventaram o celular, poucos ficam na frente da televisão”, explica.

Pela galeria são mais de quatro mil obras, todas estão sendo catalogadas para compor o catálogo da plataforma. “Nosso plano é começar as vendas pela internet em 60 dias, mas é difícil fazer essa catalogação, o trabalho precisa ser minucioso”, diz Omar.

Uma das salas, de aproximadamente 100 m², não tem mais os tapetes persas pendurados na parede, como eram colocados até pouco tempo para compor o cenário do leilão.

Do outro lado, outra sala também lotada de quadros, aparece nas lembranças de Omar com cerca de 20 funcionários atendendo telefonemas. “Aqui era um cal center que não parava. As pessoas ligavam, davam o lance e a gente continuava leiloando. Aqui, nesse ponto, ficavam outros 17 cavaletes com obras de artista do Brasil inteiro, alguns também eram internacionais”, lembra.

Hoje, galeria tem mais de 70 obras de Humberto Espíndola. (Foto: Kísie Ainoã)
Hoje, galeria tem mais de 70 obras de Humberto Espíndola. (Foto: Kísie Ainoã)

Em 18 anos de televisão, Omar diz que a galeria vendeu mais de 270 mil quadros. E o dia mais especial, em vendas, é lembrado por ele diversas vezes durante a entrevista. “Nós chegamos a vender 201 quadros numa terça de Carnaval, graças a minha mãe que topou trabalhar comigo naquele dia e alguns funcionários, foi surreal”.

Com os leilões, mais de 600 pintores tiveram seus nomes na televisão aberta. Entre os compradores, São Paulo, Minas Gerais e Bahia se destacavam no desejo pelas artes plásticas. “Eu tive cliente que chegou a colocar o despertador só para participar do leilão”.

Ao contrário do que muita gente pensa, leilão não era luxo só de gente rica. “Vendemos muito para a classe média, porque por dia, nosso ticket médio ia de R$ 700,00 a R$ 2 mil, e pessoas com muito dinheiro preferiam pagar muito mais caro para os quadros”, explica.

O começo – A relação íntima de Omar com as artes plásticas começou na adolescência, influenciado pela mãe e artista plástica Aparecida Grassie, hoje com 79 anos. “Aos 23 anos eu comecei ganhar dinheiro dando aula de tênis e gastava meu salário com quadros. Meu quarto era entupido de obra de arte”.

Em 1986 eu montei uma loja de roupas na Arthur Jorge chamada “Ver”. “Trazia roupas do Rio de Janeiro que ninguém usava, por exemplo, blazer com bermuda. E outra parte da loja eu fiz antiquário. Um ano depois encerrei a sociedade, fechei a loja de roupa e montei a galeria de arte”.

São mais de 200 quadros de Ilton Silva. (Foto: Kísie Ainoã)
São mais de 200 quadros de Ilton Silva. (Foto: Kísie Ainoã)
Série de Ilton Silva sobre favelas brasileiras. (Foto: Kísie Ainoã)
Série de Ilton Silva sobre favelas brasileiras. (Foto: Kísie Ainoã)
Obra da artista plástica Aparecida Grassie, mãe de Omar. (Foto: Kísie Ainoã)
Obra da artista plástica Aparecida Grassie, mãe de Omar. (Foto: Kísie Ainoã)

Omar conta que chegou a ter galerias também em Trancoso, Brasília, Campos do Jordão, Guarujá, mas nada vingou como Campo Grande. “Aqui continuamos firme, mas vendíamos para o Brasil inteiro”.

Hoje, são inúmeros artistas pela galeria, alguns, em um cantinho especial no coração de Omar, como as obras da mãe, dona Grassie, que trouxe ao longo da vida a leveza do campo em tinta óleo, além de todas as fases de Humberto Espíndola e até séries menos destacadas de Ilton Silva, artista plástico conhecida pela série “Cores e Mitos”.

O fim de uma era – Como foi encerrar com o leilão? Questiono quase no fim. “Foi horrível. Uma dor no coração. Mas ficou muito caro pagar televisão, chegamos a pagar R$ 2 mil por hora, então um programa que durava cerca de 4 horas são R$ 8 mil pela exibição, além de funcionário, energia elétrica e outras necessidades. Então eu começava o leilão com uma ficha de R$ 10 mil em contas”.

Hoje, vender arte não é nada fácil, avalia Omar. “O mercado de arte é muito cultural e, nós, em Mato Grosso do Sul, sofremos um bocado com isso. Pensa como era na década de 90 falarmos para um fazendeiro que um quadro valia tanto quanto um caminhão de boi. Não era fácil e, hoje, falta cultura e incentivo para mostrar o valor que existe na arte”.

Na despedida, ele insiste mais uma vez que está prestes a parar com ofício, mas o sorriso de canto de rosto não deixa ninguém se enganar. “Eu sou muito apaixonado por isso daqui. Na verdade eu sou um louco por quadros. Ainda não sei bem quando vou parar”, ri.

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Loja de Omar no shopping Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)
Loja de Omar no shopping Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)
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